quinta-feira, 22 de agosto de 2019

TELEFONE SEM FIO



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Quando eu era moleque de rua, num tempo em que ser moleque e estar na rua eram as coisas mais saudáveis do mundo, havia uma brincadeira chamada "telefone sem fio" que, entre outras, garantia a diversão para a meninada que precisava, ela mesma, inventar seus brinquedos. A gente se organizava numa longa fila e o primeiro falava ao ouvido do segundo uma frase. Para garantir a lisura da coisa (brincadeira também tem regras), a frase era escrita num papel que ficava no bolso do primeiro, pra conferir ao final.

Na sequência, o segundo repetia a frase ao ouvido do terceiro, o terceiro para o quarto e assim sucessivamente até chegar ao fim da fila. Então, o último dizia a frase em voz alta.
Era uma gargalhada só. O primeiro tirava o papel do bolso e lia a frase original, que não tinha nada a ver com aquela que chegou ao último ouvido.

Brincadeiras infantis são nossa primeira escola. Como a gente aprende com elas! Aliás, a coisa mais séria que uma criança sabe fazer é brincar. Brincando, aprende a se relacionar consigo mesma, com o outro, com o mundo, com a vida.

Eu, hoje um moleque oitentão, continuo brincando de aprender e aprendendo a brincar, tentando manter viva a criança que mora em mim. Esta criança, aos cinco anos, entrou pela primeira vez numa sala de aula, no Jardim de Infância. Nunca mais saí. 


Muitas vezes,  me lembrei do "telefone sem fio" da minha infância. Era como se eu fosse o primeiro e o último da fila.
Para garantir a fidelidade da informação, era comum recorrer a uma circular. Nem assim. Um texto pode ser lido em muitos contextos e lá no fundão da mochila dos alunos existe um "buraco negro" que suga todas as informações, recados, comunicados, convites e convocações. E aí, adeus...

Quantas e quantas vezes testemunhei, não com uma gargalhada, mas com constrangimento, a lenta descaracterização da mensagem entre o emissor e o receptor, entre a direção, a sala de aula, os alunos e as famílias.

Isso acontece não apenas na Escola...
No horário eleitoral gratuito, por exemplo, vejo hospitais e postos de saúde impecáveis. Médicos, enfermeiras, auxiliares sorridentes em seus impecáveis uniformes brancos. Instalações e equipamentos de primeiro mundo.

Na outra ponta do telefone sem fio vi, um dia desses, na TV, num quadro apresentado pelo Dr. Dráuzio Varella. Na matéria, uma jornalista que tinha um problema no pulso ia a vários postos de saúde pública em busca de uma consulta com um ortopedista. A via sacra foi gravada com uma câmera escondida.

A demora para o atendimento foi, em média, de 3 horas. E as consultas, quando aconteceram, duraram dois minutos. Era uma ponta do problema.

Num extremo, o que queremos, o que temos direito. No outro, lá, no fim da fila, a dura realidade.
A mesma coisa vale para a Educação, a Segurança Pública e para os meus conselhos aos meus filhos. Digo uma coisa hoje, ao ouvido do meu caçula, na esperança de que lá na frente seja compreendido. Para meu consolo lembro que muitos conselhos, óbvios ululantes, do meu pai só fui ouvir e acatar depois que eu mesmo me tornei pai.

E o conselho óbvio, hoje, é mesmo ululante: é necessário e importante investir em Educação, Saúde, Segurança, como diz o discurso de todos os candidatos, de todos os partidos. Mas o conselho, ou a frase, dito no início da fila vai-se perdendo ao longo do caminho, mesmo quando há investimentos reais em equipamentos, infraestrutura, modernização de instalações. Nossos homens públicos se esquecem da longa fila de pessoas que, em sequência, irão lidar com a informação, os equipamentos, o atendimento, o cuidado, até que ele chegue ao cidadão que está ali, em busca de uma boa escola para seu filho, uma solução para o seu problema de saúde, segurança para ir e vir do trabalho.

Concluo o óbvio não menos ululante. Posso reformar ou construir novos prédios, instalar, numa escola, posto de saúde ou delegacia, equipamentos de última geração. Se por trás deles há uma pessoa desvalorizada, desmotivada, com baixa autoestima, mal remunerada, acumulando vícios e espertezas, validando os rótulos que costumamos imprimir ao chamado funcionalismo público, o que vamos ver, ao final, será uma fila onde desfilam carência, desrespeito, descuido, desespero e desalento.

Diante desse quadro, quero dar, aqui, um testemunho pessoal.
Há cerca de três anos conheci um grupo que trabalha na Academia de Polícia Civil de Porto Alegre. São funcionários públicos, agentes de polícia, pessoas responsáveis pela formação de novos policiais. Quando fui a eles, levava comigo o preconceito formado ao longo dos anos, tal qual um rótulo carimbado nas minhas certezas. Conheci gente séria, humana, competente. Lutando contra tudo e contra o rótulo. Perdendo e ganhando, mas lutando. Cheguei ao fim da fila com um sorriso de esperança.

O pessoal da Acadepol RS me ensinou que é preciso investir em pessoas. De verdade.

No ano que vem vou ter, mais uma vez, oportunidade de encurtar a distância entre o início e o fim da fila. Esse é o sentido do meu voto. Depois da eleição, há que cuidar para que ele não se perca no longo caminho a percorrer entre o CONFIRMA que vou deixar na urna e as mãos do meu candidato.

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