terça-feira, 20 de agosto de 2019

SONHAR COM O CORAÇÃO E CRER COM AS MÃOS

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Sempre que tem eleição desfila pelo horário eleitoral gratuito uma variada fauna de candidatos criados à imagem e semelhança de uma legislação que, em tese, pretende colocar todos em condições iguais e acaba por promover um espetáculo constrangedor que trafega entre o grotesco e o piegas, o cômico e o patético.

E, do lado de cá da telinha ou do rádio, o eleitor, se virando pra encontrar uma luz no fim do túnel ou, ao menos, perceber em que túnel está se metendo.

A TV de LCD pendurada na parede me faz pensar não num túnel mas numa caverna, aquela, do mito de Platão, onde os personagens nela encerrados viam as sombras projetadas por uma fresta de luz e acreditavam que aquilo era a realidade lá de fora.

300 anos antes de Cristo o filósofo grego já havia inventado a televisão...
Vendo as sombras que desfilam diariamente na tela da minha caverna, ou melhor, da minha TV, tenho a impressão de que há um movimento organizado, pensado, planejado para desmoralizar a imagem dos políticos de forma a evitar que pessoas de bem se sintam atraídas e motivadas a participar da Política. E se tal movimento há, ele tem sido muito bem sucedido, com a ajuda, claro, de boa parcela de suas "excelências".

Na geléia geral dos escândalos sucessivos, ampliados e repetidos de forma massiva na mídia, hoje, o que mais se vê é um quase generalizado desprezo pelos políticos e suas ações. Política virou sinônimo de corrupção, falcatrua, malandragem, quadrilha, bandidagem do colarinho branco. Daí, quando o tema vem à discussão é comum ouvir a frase, dita com expressão de nojo:

- "Odeio política!...".
O problema é que quem odeia ou não se interessa por política está condenado a ser governado por quem se interessa, e muito, por ela. E esse interesse pode ter as mais variadas motivações, as melhores e as piores possíveis.

Já disse aqui que ando meio desencantado com a forma como organizamos nosso modelo político. Penso que a democracia representativa funcionaria muito bem numa tribo onde todo mundo conhecesse todo mundo, as pessoas pudessem olhar nos olhos umas das outras, acompanhar a ação política diária, sugerir, cobrar, participar. Mas nesse mundão de meu Deus, de quase 7 bilhões de habitantes, a maioria anônimos e invisíveis, é muito difícil dar certo.

Mas então, pergunta-me o leitor, qual a alternativa?
As ditaduras ainda espalhadas pelo mundo são parte de uma resposta bem clara. Qualquer modelo de organização política, sem liberdade, não dá! Deixar decisões políticas nas mãos de uma meia dúzia, ou pior, de uma cabeça "iluminada" conduz, mais cedo ou mais tarde, à prepotência, à arrogância, à truculência, principalmente quando esse poder ganha ares messiânicos, contaminado pela dimensão religiosa. Regimes ditatoriais "teocráticos" ou não, são um passo seguro em direção à atrocidades.

Então, insiste o aflito leitor, como encontrar uma saída?
Inspiro-me, de novo, nos pensadores da História. Recorro a um mais recente, Berthold Brecht, um dramaturgo e poeta alemão do século XX, cujos trabalhos artísticos e teóricos marcaram profundamente o pensamento de várias gerações, inclusive a minha.

Influenciado pelo marxismo do início do século passado, Brecht escreveu, entre outras coisas, uma página que se transformou num ícone, pendurado nas paredes da juventude rebelde dos anos 1960 ao lado do poster de Che Guevara.

O Analfabeto Político

O pior analfabeto é o analfabeto político.
Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos.
Ele não sabe que o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio dependem das decisões políticas.

O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito
dizendo que odeia a política. Não sabe o imbecil que, da sua ignorância política, nasce a prostituta, o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos, que é o político vigarista, pilantra, corrupto e lacaio das empresas nacionais e multinacionais.

Mesmo com a queda do Muro de Berlim que decretou, aos olhos de muitos, o fim do socialismo real, o texto de Brecht não perdeu nada de sua novidade indignada, libertária, revolucionária. Continua por aí, guardado em algum armário, ao lado de um pôster empoeirado e de uma boina com uma estrela, à espera de que alguém se lembre de uma juventude que foi capaz de sonhar um mundo com mais luz e menos sombras, o que exige, com certeza, o resgate da Política como espaço de participação de todos os que buscam a construção desse mundo.

Assim, ao invés da gente se deixar tomar pelo desânimo geral diante de tanta mediocridade oportunista, entregando de vez e literalmente o ouro aos bandidos, é preciso buscar e construir espaços de participação, a "nossa tribo", capaz de dar voz às nossas propostas e sonhos.

Nesse sentido, uma experiência interessante são os Grupos de Fé e Política, formados por pessoas que participam e atuam em escolas, movimentos populares, sindicatos, igrejas, associações de bairro e outros espaços de organização social.

Algumas dessas pessoas se reúnem em grupos informais de reflexão, aprofundamento e celebração, buscando a formação do senso crítico que convida a uma ação consequente e coerente. Grupos assim se espalham por todo o Brasil. Em sua maioria são ecumênicos, não confessionais e não partidários. Estão abertos a todas as pessoas que consideram a Política uma dimensão fundamental da vivência da sua fé, e vêem a fé como o horizonte de sua utopia política, lembrando que utopia, na versão cristã, não é sonho impossível, é rumo. Para lá caminhamos.

Sendo assim, o Movimento Fé e Política pretende ser um serviço de formação e informação sobre questões de política, cultura, ecologia, ética e espiritualidade. Quer também reforçar, estimular e transformar propostas em gestos concretos, através de uma maior participação na vida política da cidade, do estado, do país, do mundo!
Volto a Berthold Brecht que disse em outro texto inspirado e inspirador:

"Há homens que lutam um dia, e são bons;
Há outros que lutam um ano, e são melhores;
Há aqueles que lutam muitos anos, e são muito bons;
Porém há os que lutam toda a vida. Estes são os imprescindíveis..."

Diante das sombras, das cavernas, das carências e contradições do mundão de meu Deus, optar por sonhar com o coração e crer com as mãos. Imprescindível...

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