quinta-feira, 9 de abril de 2020

DE TUDO UM POUCO, TODOS OS DIAS.


Crianças Do Jardim De Infância Que Sentam-se Na Sala De Aula Em ...

Já faz muitos anos que, a cada primavera, imponho-me a tarefa de fazer uma declaração pessoal de fé, de compor um ‘Credo’. Quando era mais jovem, meu credo ocupava páginas e páginas, de tanto que me preocupava em cobrir todas as áreas, sem deixar nada pendente. Era como se tivesse de produzir uma espécie de sentença da Suprema Corte; como se, com palavras, pudesse resolver todos os conflitos sobre o sentido da existência.

Com o tempo, o credo foi encolhendo. Às vezes acaba soando cínico, às vezes cômico, às vezes sereno, mas continuo trabalhando nele. Recentemente resolvi que tinha de fazê-lo caber inteiro em uma única página e que só podia usar palavras simples, mesmo sabendo que corria o risco de parecer idealista e ingênuo.

A ideia de procurar ser breve, verdadeira inspiração, ocorreu-me num posto de gasolina. Estava abastecendo meu velhíssimo automóvel com a gasolina mais pura, de alta octanagem. Combustível de luxo. O carro protestou: começou a ratear nos cruzamentos, vazava combustível pelas esquinas. Logo entendi o que estava acontecendo.

De vez em quando me sinto assim, como o motor do meu carro. Excesso de informação, excesso de complexidade, e eu é que começo a ratear pelas esquinas – um ratear existencial pelos cruzamentos da vida, justamente nos locais e horas em que tenho de tomar as mais difíceis decisões, e inevitavelmente descubro que ou sei demais, ou sei de menos.

O fato é que quanto mais penso sobre a vida, mais me convenço de que ela não é um piquenique. E foi essa imagem, de um piquenique, que me fez descobrir que já sei praticamente tudo o que é necessário saber para viver com dignidade, que as coisas não são, assim, tão complicadas.

Hoje, imagino saber o que realmente conta, porque tenho vivido essas coisas, há muito tempo.

Sim, claro que imaginar é uma coisa, viver já são “outros quinhentos”, mas é essa junção entre ideias e ações, entre sonhos e experiências que me permite resumir assim, hoje, o meu Credo:

Tudo que eu preciso mesmo saber sobre como viver, o que fazer e como ser, aprendi no jardim-de-infância. A sabedoria não estava no topo da montanha mais alta, no último ano de um curso superior, mas no tanque de areia do pátio da escolinha maternal. Lá eu aprendi a:

Dividir tudo com os companheiros.

Jogar conforme as regras do jogo.

Não bater em ninguém.

Guardar os brinquedos onde os encontrava.

Arrumar a “bagunça” que eu mesmo fazia.

Não tocar no que não era meu.

Pedir desculpas, se machucava alguém.

Lavar as mãos antes de comer.

Apertar a descarga da privada.

Aprendi que biscoito quente e leite frio fazem bem à saúde e que preciso fazer de tudo um pouco; estudar, pensar e desenhar, pintar, cantar e dançar, brincar e trabalhar, de tudo um pouco, todos os dias.

Ao sair pelo mundo (e pela vida), ter cuidado com o trânsito, ficar sempre de mãos dadas com o companheiro e... “de olho” na professora.

Aprendi com uma sementinha de feijão, que plantei num copo de plástico, que as raízes vão para baixo e para dentro, e a planta cresce para cima. Ninguém sabe como ou por quê, mas a verdade é que nós também somos assim.

Outra lição importante que adultos resistem a aprender: peixes dourados, porquinhos-da-índia, esquilos, hamsters e até a semente no copinho plástico – tudo isso morre. Nós também.

Pra finalizar, lembro com uma alegria que a idade adulta não conseguiu me roubar, da primeira palavra que li nos livros de histórias infantis: Olhe!

Tudo que a gente precisa mesmo saber está por aí, em algum lugar do cotidiano mais simples e banal. Em tudo persiste a regra de ouro: aliar amor, respeito às diferenças e princípios de higiene. Ecologia e política, igualdade e vida saudável, tudo brota daí, feito a sementinha de feijão.

Quer conferir?

Escolha um desses itens e o elabore em termos sofisticados, em linguagem de adulto; depois, aplique-o à sua vida, à vida de sua família, ao seu trabalho, à forma de governo de seu país, ao seu mundo, e verá que a verdade que ele contém mantém-se clara e firme.

Pense o quanto o mundo seria melhor se todos nós – o mundo inteiro – fizéssemos um lanche de biscoitos com leite às três da tarde e depois nos deitássemos, sem a menor preocupação, cada um no seu colchãozinho, para uma soneca. Ou se todos os governos adotassem, como política básica, a ideia de recolocar as coisas nos lugares onde estavam quando foram retiradas; arrumar a “bagunça” que tivessem feito.

E é verdade, não importa quantos anos você tenha: ao sair pelo mundo, vá de mãos dadas, e fique sempre “de olho” no companheiro.

“Tudo que eu deveria saber na vida aprendi no Jardim-de-Infância”

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