sexta-feira, 17 de julho de 2020

VAMOS EXERCITAR A LIBERDADE.


Não sejamos escravos do querer dos outros. Um viva à nossa ...

Talvez uma das palavras mais importantes nos dias que vivemos seja liberdade. Todos a usam, todos a desejam, todos pensam vivê-la. E, no entanto, é talvez uma das palavras que mais se presta a equívocos.

Estamos no tempo de Quarentena. Tempo de conversão, de voltar às raízes da opção fundamental. Tempo de apalpar de novo com paixão o sentido da vida escolhido e, às vezes, desgastado, esquecido, negligenciado. Tempo de, mais que nada, exercitar a liberdade e torná-la opção vital e vivida, superando a cada passo ambiguidades e distorções.
O ímpeto de um desejo de consumo estimulado por um raio de oferta sempre maior torna então a autogratificação, a satisfação, impossíveis. Decidir começa a se tornar algo extremamente difícil e quase impossível porque significa renunciar a outras possibilidades para escolher uma; ou escolher uma para ser colocada acima das outras. Vivemos escravizados sob uma “tirania de possibilidades” que nos acossa constantemente, multiplicando as ofertas diante de nós, sem deixar-nos espaço de liberdade para escolher, dizer que sim ou que não.

Muitas vezes queremos dizer sim sem dizer não, deixando todas as opções em aberto. Isso acontece no ato de consumir bens perecíveis ou voláteis, mas também nas escolhas afetivas e nas opções de vida. Em um momento diz-se sim ao casamento, ou à entrada em um estado de vida, ou a uma profissão, a uma vocação. Ou à maternidade ou à paternidade. Mas deixa-se interiormente a porta aberta para outras opções que virão mais tarde. Todos os relacionamentos, empregos, casas, carreiras, vocações, parecem ter datas de validade e prazos de vencimento.

Não é à toa que a etimologia das palavras “decidir” e “ decisão” fala de corte, separação. Toda escolha que implica uma decisão tem que apreciar uma pluralidade de possibilidades e caminhos e “cindir”, cortar as restantes para permanecer com uma. Há que separar cortando, ainda que a duros golpes para que haja realmente escolha e decisão. Talvez seja preciso cortar na carne. Pois que seja, se assim o pede a fidelidade a uma liberdade que abre sempre mais para um horizonte sempre mais amplo.

Às vezes acreditamos que decidimos bem, mas devido a uma série de correntes que se movem dentro de nós e nos arrastam, nossos caminhos podem ser desviados para portos que não havíamos escolhido. E aqui estão em jogo não apenas as grandes opções, mas a qualidade de nossas vidas cotidianas, que podem inadvertidamente ser desvalorizadas pela dinâmica da cultura que se instalou em nós.

Como diz K. Gergen, “nossa pessoa, nosso “eu” saturado de informações, de propostas de consumo, de possibilidades diferentes de organizar a vida, de relações reais ou virtuais, de ofertas de todos os estilos, vai se convertendo em um “eu “colonizado. Quando se nos apresenta uma situação nova, já temos uma infinidade de respostas possíveis arquivadas dentro de nós”. E o resultado é que não conseguimos exercitar plenamente a nossa liberdade.

A Pandemia deseja chamar-nos a isso, facilitar-nos esse tempo qualitativo de exercício da liberdade. Enquanto caminhamos em direção ao fim da quarentena, somos chamados a olhar nossos hábitos, nossas escolhas, nossas decisões. E a revê-las em um exercício de honestidade, iluminado pela fé e pelo amor.

Que esse tempo nos faça mais livres. E mais dispostos a exercitar essa liberdade. Boa quarentena para todos e todas.

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