quinta-feira, 3 de dezembro de 2020

O MENOS INSANO X O MAIS INSANO,

Erich Fromm, renomado psicólogo social judeu-alemão que foi forçado a sair de sua terra natal no início dos anos 1930, com a chegada dos nazistas ao poder, trouxe anos depois uma visão perturbadora sobre a relação entre a sociedade e os indivíduos.

Em meados da década de 1950, seu livro The Sane Society (“A sociedade sã”) sugeria que a insanidade não se referia simplesmente ao fracasso de indivíduos específicos em sua adaptação à sociedade em que viviam. Mas que, em vez disso, a própria sociedade poderia se tornar tão patológica, tão desligada de um modo de vida normal, que Erich Fromm induziria a uma alienação profunda e a uma forma de insanidade coletiva entre seus membros. Nas sociedades ocidentais modernas, onde a automação e o consumo em massa prevalecem sobre as necessidades humanas básicas, a insanidade pode não ser uma aberração, mas a norma.

Fromm escreveu:

“O fato de milhões de pessoas dividirem os mesmos vícios não torna esses vícios virtudes; o fato de compartilharem os mesmos erros não os transforma em verdades; e o fato de milhões de pessoas terem em comum as mesmas patologias mentais, não as converte em pessoas sãs.”

Definição desafiadora
Esta ideia ainda é muito desafiadora para qualquer pessoa que tenha sempre ouvido que a sanidade é definida por consenso, que abrange tudo o que o mainstream prefere, enquanto que a insanidade se aplica apenas àqueles que vivem fora desses padrões e normas. Esta é uma definição que nos diagnostica (assim como a imensa maioria), atualmente, como loucos.

Quando Fromm escreveu seu livro, a Europa estava emergindo das ruínas da Segunda Guerra Mundial. Era um momento de reconstrução, não só física e financeiramente, mas legal e emocionalmente. Instituições internacionais como as Nações Unidas tinham acabado de ser formadas para defender o direito internacional, frear a ganância e a agressividade nacionais, e assumir um novo compromisso com os direitos humanos universais.

Eram tempos de esperança e expectativas. Uma maior industrialização, estimulada pelos esforços da guerra e pela extração intensificada de combustíveis fósseis, significava que as economias começavam a crescer; nascia uma visão do Estado de Bem-estar. Uma classe tecnocrática, promovendo uma social-democracia mais generosa, passava a substituir a velha classe oligárquica.

Foi nessa conjuntura histórica que Fromm decidiu escrever um livro, onde dizia ao mundo ocidental que a maioria de nós éramos loucos.

Graus de insanidade
Se isso já era evidente para Fromm em 1955, hoje, para nós, deveria ser muito mais — à medida em que autocratas bufões avançam no cenário mundial como personagens de um filme dos irmãos Marx; em que o direito internacional está sendo intencionalmente desmontado para restaurar a autoridade das nações ocidentais de invadir e saquear; e em que o mundo físico demonstra, por meio de eventos climáticos extremos, que a ciência da mudança climática (há muito ignorada) e muitas outras destruições do mundo natural causadas pelo homem não podem mais ser negadas.

No entanto, nosso compromisso com nossa insanidade parece tão forte como sempre — talvez, até mais forte. Igualando-se ao capitão do Titanic, o irreconciliável escritor liberal britânico, Sunny Hundal, deu voz memorável a essa loucura alguns anos atrás, quando escreveu em defesa do status quo catastrófico:

“Se você quiser substituir o atual sistema capitalista por outra coisa, quem vai fazer seus jeans, iPhones e cuidar do Twitter?”

À medida em que os ponteiros do relógio avançam, o objetivo urgente de cada um de nós é obter uma visão profunda e permanente de nossa própria insanidade. Não interessa se nossos vizinhos, familiares e amigos pensam como nós. O sistema ideológico em que nascemos, que nos alimentou com nossos valores e crenças com a mesma certeza que nossas mães nos alimentaram com leite, é insano. E como não podemos sair dessa bolha ideológica — porque nossas vidas dependem de nos submetermos a essa infraestrutura de insanidade — nossa loucura persiste, mesmo que nos consideremos sãos.

Nosso mundo não é um mundo do são versus a insanidade, mas do menos insano contra o mais insano.

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