segunda-feira, 21 de dezembro de 2020

NÃO DEIXE A SOBERBA TE CEGAR...




A velocidade acelerada das mudanças no mundo contemporâneo é reconhecida de modo consensual e, por vezes, há um sentimento de certa incapacidade para acompanhar as transformações, que se configuram em desafio, até mesmo para as sinapses cerebrais, com suas conexões em número maior do que o de estrelas em uma galáxia. Essa impressionante velocidade das mudanças vem da inteligência humana. Um fenômeno que, ao ser contemplado, permite constatar admiráveis avanços da tecnologia e da ciência, nos muitos saberes, com quantidade de conquistas, nas últimas décadas, que séculos inteiros foram incapazes de alcançar. Mas, surpreende e se configura em intrincado nó à inteligência contemporânea o nível destruidor do obscurantismo reinante na atualidade pelo mundo afora. Oportuno é evocar um remédio com força terapêutica para vencer esse mal: a humildade advinda da atitude de reconhecer o limite do próprio saber.

A admissão da ignorância torna-se um princípio ético e epistemológico de grande valia para combater os riscos da pretensão humana de se saber tudo. Particularmente, cura obscurantismos comprometedores de valores inegociáveis, a exemplo dos que sustentam a democracia e os princípios ético-religiosos promotores da solidariedade, do respeito ao bem comum e à dignidade humana. Deve-se, pois, reconhecer: junto à avalanche de conquistas científicas, tecnológicas, há certa soberba, que alimenta cegueiras e torna-se poder para gerar destruição, posturas fundamentalistas, nada dialogais, e rigidez incompatível com as mudanças necessárias à humanidade. Admitir a ignorância como condição humana é remédio para essa soberba, pois guarda no seu reverso uma indispensável sabedoria: o reconhecimento de que o próprio saber é limitado e insuficiente. Esse exercício de humildade permitirá aos cidadãos perceberem-se como aprendizes e tornarem-se inventores, descobridores ou promotores de inovações na construção de uma sociedade melhor.

A condição de aprendiz não deixa a soberba cegar e enrijecer as pessoas, inviabilizando processos participativos indispensáveis. Sem essa condição, surgem os que se iludem pensando tudo poder, mas são incapazes de promover as transformações que mudariam a realidade para melhor. Revelam a própria fragilidade em discursos confusos, personalistas, pouco humanistas, misturando a defesa de valores importantes com o extremismo – cai, pois, em contradição. Dessa falta de humildade daqueles que se julgam sabedores de tudo – e tudo poder – nascem pandemias que prejudicam a qualidade dos tecidos cultural, religioso e político-econômico de uma sociedade. As pandemias, ao invés de um castigo divino – pois Deus é amor -, são fruto da soberba, das ganâncias inescrupulosas, dos privilégios excludentes. Resultam também das indiferenças em relação aos pobres e vulneráveis, da cegueira diante da Criação, passando por cima do meio ambiente com criminosas depredações.

Fala-se muito na convid-19, pois é a pandemia que igualmente torna-se ameaça para todos, mas tantas outras são ignoradas. A pandemia da fome não incomoda diariamente os que têm mesa farta. A que se relaciona ao feminicídio permanece sem a devida atenção. Igualmente, a pandemia dos extermínios de indígenas e moradores de rua é tratada com descaso por significativa parcela da sociedade que, perversamente, considera melhor liberar os espaços ocupados por essas pessoas para atender outros interesses. O mundo parou por causa de um novo vírus, mas a necessidade de mudanças não é de agora. Tornou-se mais evidente o dever-desafio de se arquitetar mudanças no jeito de conviver, trabalhar, locomover-se, cuidar e compartilhar, incidindo sobre hábitos, dinâmicas e práticas, para vencer o autoextermínio. Trata-se de exigência à inteligência humana, à moralidade, à racionalidade e ao bom senso.

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