Na reunião da ONU em Nova York, os discursos eram
sérios e certa preocupação anuviava o ambiente e as falas. Situação da Síria,
crise econômica do hemisfério Norte e política externa de certos países, como o
Irã, toldavam o ânimo e faziam pesado o ambiente. As recentes mortes provocadas
pelo vídeo que circulou na internet com ofensas ao profeta Maomé e ao Islã
mereceram atenção e homenagens póstumas.
Em seu discurso, o presidente Obama
comentou o incidente do filme em questão, dizendo que não é apenas um insulto
aos muçulmanos, mas também aos Estados Unidos, país que – segundo ele - sempre
acolheu pessoas de todas as raças e religiões. Obama citou dois países em
conflito nas últimas décadas, Israel e a Palestina, declarando acreditar em um
estado de Israel seguro e uma Palestina independente e próspera.
Ao encerrar
sua fala, Obama declarou ter mais esperança nas iniciativas dos cidadãos comuns
do que nas ações dos líderes mundiais. E citou os jovens das favelas do Rio de
Janeiro como exemplo de pessoas que ao redor do mundo dividem esperanças e
sonhos. Não sei se consciente ou inconscientemente, o presidente tocou num ponto
delicado e fecundo que sempre volta a emergir na consciência da humanidade em
meio às crises mais profundas que essa atravessa.
No fundo, isso foi dito nos
anos 1970 pelo economista inglês Schumacher, em seu famoso livro “Small is
beautiful”. Nesta coletânea de ensaios, o autor propõe um modelo econômico que
não se guie pelo “quanto maior melhor”, mas que valorize as pequenas iniciativas
e tecnologias que realmente valorizam e fazem crescer as pessoas.
Isso mesmo
foi vivido e posteriormente dito por muitos cristãos que, na América Latina
daqueles anos posteriores ao Concílio Vaticano II e sua releitura nas
conferências latino-americanas de Medellín e Puebla, acreditaram na presença de
Deus no pobre e no pequeno. E foram buscar no meio do povo inspiração para
projetos novos. Em um mundo confundido pelo eclipse das utopias e marcado pela
complexidade de ideologias e acontecimentos, a descoberta de um “novo” que
emergia da base ratificava que a beleza e a verdade se encontram na pequenez que
aparentemente não tem tanta importância.
A utopia, motor da história e capaz
de transformá-la por dentro, não está no estrepitoso e no violento. Mas pelo
contrário, no germinal, naquilo que nasce discreto e por isso mesmo cresce e
surpreende com força transformadora que não quer destruir, apenas contribuir e
construir.
Era a isso que se referia, naquele tempo, Jesus de Nazaré, ao
proclamar que “o Reino de Deus já está no meio de vós” e ao descrever esse reino
como a semente de mostarda, que é a menor de todas as hortaliças, mas quando
cresce é tão frondosa que os pássaros vêm fazer ninhos em seus ramos. Ou como a
pitada de fermento, que a mulher coloca na massa de bolo e o faz crescer e
tornar-se saboroso alimento que alimenta a vida e alegra os corpos e corações.
Já antes de Jesus, a Bíblia Judaica colocava em destaque a figura redentora
do Servo Sofredor, que não gritaria nas praças, não quebraria a cana já rachada,
nem apagaria a mecha que ainda fumegava, fraca e bruxuleante. Mas ao contrário,
resgataria o resto do povo que sobrevivera às agruras do Exílio, conduzindo-o de
volta a sua terra, a sua Aliança e seu projeto.
Como em Nova York o
presidente Obama, e como antes e mais que ele toda a linhagem que passa dos
profetas de Israel a Jesus de Nazaré e a todos que acreditam na dignidade do ser
humano e em sua capacidade de reinventar constantemente o mundo, acreditemos nas
iniciativas que parecem pequenas, mas carregam em si um potencial inaudito de
desejo, coragem e esperança. Acreditemos e apoiemos os sonhos dos jovens, a
sabedoria dos anciãos que muito já viram e sofreram. Prestemos atenção aos novos
sujeitos que emergem, como as mulheres e os que provêm de outra cultura e outra
tradição diferente da nossa.
É daí que surgirão as iniciativas capazes de
transformar o mundo em um lugar mais habitável e menos hostil. É aí que se
poderá ouvir e sentir a utopia que lateja e promete a realidade que poderá vir a
acontecer se nela crermos e por ela lutarmos.
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