segunda-feira, 1 de junho de 2020

VIVER DE MIGALHAS.


Migalhas – Devocionais de Esperança

Há uma lógica perversa que rege o mundo, com suas dinâmicas e relacionamentos, produzindo para a maioria dos seres humanos uma realidade hostil, marcada pela exclusão social, por todo tipo de discriminação e pela corrupção - frutos da mesquinhez doentia em que a lógica hegemônica do dinheiro tudo preside. Essa insana supremacia adoece indivíduos e, por consequência, a sociedade. A todos mantêm reféns de procedimentos e silogismos revestidos da falsa roupagem de um suposto bem e do desenvolvimento, revelando a voracidade de tudo o que representa o mal. A inadiável mudança de rumos é desafio exigente, mas possível de ser superado: na lógica do amor encontra-se a força necessária para redirecionar o mundo. Incontestáveis são os sinais de que as configurações da lógica do amor operam o bem, fortalecem a justiça e conquistam a paz. Lição a ser aprendida e vivida.

Interpelante é a passagem do Evangelho de Lucas: “Havia um homem rico, que se vestia com roupas finas e elegantes e dava festas esplêndidas todos os dias. Um pobre, chamado Lázaro, cheio de feridas, ficava sentado no chão junto à porta do rico. Queria matar a fome com as migalhas que caíam da mesa do rico, mas, em vez disso, os cães vinham lamber suas feridas.” As “migalhas que caem da mesa” são a comprovação do predomínio da lógica perversa, emoldurada pela arquitetura de promessas enganosas, fundamentadas até mesmo em decisões de instâncias com credibilidade para convencer que é bom, justo e necessário “viver de migalhas”.

A força perversa de se “viver de migalhas” configura o abominável status de considerar normal a discrepante distribuição de bens entre grupos da sociedade, o que só contribui para agravar o inadmissível e crescente abismo entre os que têm demais e os que vivem na miséria. Assim, o tecido da sociedade brasileira é contaminado por uma poluição moral e desumanizante que deve ser contestada: as riquezas culturais, tradições, história e religiosidade, particularmente a realidade socioambiental dadivosa desta nação, bens da criação de um povo, jamais devem servir para atender a interesses de famílias e de grupos, perpetuando a lógica perversa de se sobreviver com as “migalhas da mesa”.

Vive-se um verdadeiro desastre humanitário e ecológico que indica a perversidade também no tratamento do meio ambiente. É vergonhoso saber de propagandas e apresentação de metodologias de exploração do meio ambiente, com contrapartidas que tentam justificar o injustificável, e força para convencer quem vive das “migalhas da mesa”. Mas, sabe-se que no reverso das ofertas de vantagens sociais está oculto o lucro exorbitante, enquanto são alardeadas as poucas vantagens para o “bem de todos”. A fragilidade desse discurso sobressai ante à situação das contas públicas e da falta de condições desse Estado diamante para cuidar adequadamente de sua gente. Ao contrário da realidade atual, em que o meio ambiente é explorado vorazmente, esse Estado diamante, com sua história tricentenária, seria um jardim.

Entristece a constatação de que expedientes arcaicos e manipuladores, cinzentos, obscurecem mentes e acovardam os que estão, por dever de ofício, em linhas de frente. E até mesmo aqueles que deveriam ser estandartes de lucidez na correção de rumos estejam envolvidos por práticas de cooptação. O tratamento do meio ambiente, que reúne todos os bens da criação, não pode ter como ponto de partida a lógica do dinheiro. Sublinhadas as riquezas muitas que o constituem, não se justifica o conjunto maior da sociedade vivendo das “migalhas que caem da mesa”. Mas a sedutora força do dinheiro é avassaladora. Impede enxergar que a extração das riquezas naturais gera lucro e também prejuízos: compromete lençóis freáticos num tempo em que se anuncia a escassez de água, um veredito assombroso; provoca intoxicações, adoecendo e matando de modo similar a guerras, sem contar as criminosas tragédias que ceifam vidas. Prejuízos irreversíveis que não se pagam com pífios milhões tirados de avolumados bilhões, para resfriar o infernal aquecimento de consciências.

Em lugar de propagandas que convencem por sua articulada e ardilosa arquitetura, dos acordos que merecem revisões e ajustamentos de condutas, por não serem dogmas, mas estreitamentos de interpretações e juízos, é preciso uma aprendizagem civilizada do que é a ecologia integral. Contudo, superar essa lógica perversa de se viver e agradar com “migalhas que caem da mesa” exige humildade. Não a própria daquele que é o pai da mentira e do orgulho, mas a verdadeira humildade que convida todos a se assentarem na sala comum para refletir e partilhar ideias sobre as condições de vida e da sobrevivência de uma sociedade, com a honestidade de se avaliar modelos de desenvolvimento, produção e consumo.

Não se pode permitir que o dinheiro tenha tanto poder de sedução, a ponto de comprometer os ecossistemas e o uso sustentável dos bens da criação, depredando a capacidade regenerativa da natureza nos seus diversos setores e aspectos. Por isso mesmo, é necessária uma ecologia econômica, que leve a sério a proteção do meio ambiente como parte integrante do desenvolvimento.

O direito de serventia, de um tempo em que o Direito era outro, não isenta de se fazer o que é considerado justo e correto agora. Não se pode aceitar que interesses próprios se sobreponham a outros muito mais importantes, nesta história protagonizada pelos exploradores atuais.  É o primeiro sinal das muitas e necessárias atitudes que poderão alicerçar uma ecologia integral, sob pena de se viver, todos, sem exceção, das “migalhas que caem da mesa”.

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