quinta-feira, 20 de dezembro de 2018

FALANDO UM POUCO DE PRESÉPIO.

Resultado de imagem para PRESÉPIO

O final do ano se aproxima e com ele celebramos 795 anos do primeiro presépio vivo da história. Em 29 de novembro de 1223, ao receber a aprovação da sua ordem em Roma, Francisco pediu ao Pontífice a autorização para representar a Natividade, considerando o Natal que se aproximava. O local escolhido pelo Santo para a representação foi a cidadezinha de Greccio, perto de Assis. Francisco era muito ligado a este local pela sua pobreza e simplicidade, mas também porque em nenhum outro lugar, dizia ele, tantas almas tinham acolhido a fé. Hoje, quase oitocentos anos depois, a tradição de montar o presépio está presente nos quatro cantos do mundo, mas o que mais impressiona é pensar que os pobres nazarenos, como na Greccio medieval, estão nas grandes cidades do mundo, nas fronteiras fechadas aos que buscam refúgio, nas periferias caídas novamente na miséria, e nós não os percebemos.

Eram pessoas brancas numa Europa predominantemente branca e isso surpreendia quem, vindo de um continente de tráfico de escravos como o nosso, conhecia principalmente a pobreza de negros, pobres e mulatos. A imigração europeia entre nós tem sabor de vitória sobre a fome, alimenta a ideia de que tudo é possível e não raramente nos leva a esquecer a miséria europeia dos nossos antepassados. Pelo contrário, o sucesso em toda feira do interior do Brasil são os falsos brasões de família, por meio dos quais tentamos enganar a história e o nosso sofrimento ancestral.

Também eram eslavos os miseráveis da Europa medieval. A palavra escravo, em italiano “schiavo” e em inglês “slave”, vem do termo “eslavo”. Por volta do século X, o termo escravo era diretamente associado a eslavo, pois das regiões eslavas provinha a maior parte dos “escravos brancos”: soldados capturados e por vezes familiares caídos na mesma desgraça, endividados ou em outras situações, muitas vezes econômicas, que os levavam a essa condição. Esses escravos não chegaram a se transformar em produtos de mercado na escala que mais tarde atingiu as populações provenientes da África, mas o fenômeno deixou marcas na cultura. Um exemplo é a palavra “ciao” em italiano, da qual deriva o nosso “tchau”. Usada como saudação, no passado significava “seu servo” ou “seu escravo”. “Ciao” deriva da palavra “schiavo”, mas hoje é uma saudação informal, equivalente ao nosso “oi”. É possível que os falantes, ao usarem essa palavra todos os dias, tenham esquecido ou desconheçam que ela está associada historicamente à escravidão e que se transformou em demonstração de deferência na rica Veneza de séculos atrás, na qual eslavos foram escravos e onde saudar uma pessoa usando a expressão “seu escravo” representava o máximo respeito.

Falei de São Francisco, dos pobres de Greccio, dos escravos eslavos e dos imigrantes brancos da Europa porque o Brasil não me sai da cabeça. Eu procuro pensar em outros temas, mas tudo me leva ao nosso país: que voltou a incrementar a pobreza e a jogar os pobres na miséria, sem direitos, sem médicos, sem projetos sociais. Que nação é esta que esquece os lotes dados a imigrantes europeus e aprova a usurpação das terras indígenas? Que população é esta que esquece a falta de um estatuto para regulamentar e ressarcir as vítimas de escravidão por mais de um século e considera qualquer programa de inclusão para os negros uma afronta àquilo que outros grupos sociais receberam? Que país é este que pensa que pessoas sem nenhuma oportunidade na vida podem ter as mesmas chances de quem tudo teve na vida? Que sociedade é esta que enfeita as ruas com luzes, enche a mesa de comida e não vê os pobres que fazem das suas vidas um presépio vivo e permanente?

Espero, como há quase oitocentos anos, que haja uma gruta e um senhor de boa vontade para preparar uma manjedoura, e muitos pobres com os corações cheios de esperança para lá se refugiarem. Se eu encontrar este lugar e estas pessoas terei encontrado o melhor Natal do mundo. É um lugar especial, percebe-se por tudo o que disse até aqui: está exatamente no espaço entre as pessoas, que pode se tornar abrigo, quando colocamos na relação e no diálogo com os demais a nossa sensibilidade e a nossa empatia. É lá que se encontra o melhor de nós e é de lá que retomaremos o caminho para enfrentar e vencer as dificuldades que o próximo ano nos reserva.

Nenhum comentário:

Postar um comentário