Há milhões de anos, durante uma era glacial, quando nosso planeta esteve coberto por grandes camadas de gelo, muitas espécies animais não resistiram ao frio e desapareceram. A crise atingiu também os porcos-espinhos. Numa tentativa de sobreviver, trataram de aproximar-se uns dos outros. Assim, cada um podia usufruir o calor do outro. Todos juntos, unidos, aqueceram-se. Porém, os espinhos de cada um começaram a ferir os companheiros mais próximos, justamente os que forneciam mais calor, aquele calor vital, questão de vida ou morte. E acabaram afastando-se feridos e magoados. Dispersaram-se por não suportarem os espinhos de seus semelhantes.Porém, a vida se encarregou de ensiná-los. Afastados, começaram a morrer de frio, congelados. Os que não morreram, trataram de reaproximar-se aos poucos, com cuidado. Cada um conservava uma certa distância do outro, o suficiente para conviver sem mágoa, mas acolhendo o seu calor. Assim suportaram-se, acolheram-se e superaram a longa era glacial.
O que acontece com o ouriço ocorre também com as pessoas. Existem em nós dois sentimentos que parecem contraditórios, mas que precisam coexistir. De um lado, a individualidade, do outro, a necessidade de partilhar e conviver. E nesta dialética, de criar o próprio espaço e acolher o outro, é construída a vida. Não existe um modelo único, mas precisa acontecer um processo, por vezes vagaroso. Para Sartre, os outros são o inferno. Para Francisco de Assis, os outros são irmãos enviados por Deus. Sartre percebia apenas os espinhos, Francisco apenas o calor.
E muitos dos espinhos na vida humana têm origem afetiva. Meus amigos, diz a sabedoria popular, não têm defeitos, meus inimigos não têm qualidades. Na realidade, todos somos diferentes e precisamos aprender a conviver. Isso supõe o dialogo que dilui nossa tentativa de julgar com nossos critérios e experiências. Tudo é visto a partir de um ponto de partida. E o ponto de partida de cada um é diferente. Diversidade não significa confronto, mas riqueza.
A tentação de julgar é muito forte em todas as pessoas. Talvez por isso, a sabedoria do Evangelho pede “não julgueis e não sereis julgados”. Não julgar é um ato de inteligência, porque pouco conhecemos dos demais e este pouco, quase sempre, é superficial. De resto, julgar é colocar-se como juiz, como centro de referência e da verdade.
Uma imagem, que vem de nossos avós, lembra: carregamos nossos defeitos às costas e por isso não os vemos. Porém, vemos facilmente os defeitos dos outros. O outro é sempre maior que seus defeitos. E o calor é mais importante que os espinhos. Até os ouriços acabaram por entender isso.
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