terça-feira, 16 de agosto de 2022

Quando a invasão à Rússia fracassou e os aliados estavam prestes a tomar a Alemanha, Hitler se matou, depois de deixar ordens expressas para que seu ministro da propaganda, Joseph Goebbles, assumisse o poder. Mas no dia seguinte, primeiro de maio de 1945, quando ficou claro que o regime nazista realmente sucumbiria, Goebbles e sua esposa Magda assassinaram seus seis filhos com veneno, cinco meninas e um garotinho, e depois se mataram no mesmo porão em que Hitler havia morrido, na véspera.

Para eles, era insuportável viver num mundo regido por um sistema diferente daquele em que acreditavam. Para os fundamentalistas, é assim. Pois quanto mais frágil for a base que alicerça um pensamento, com mais rigor e fúria um ser humano tentará defende-la. Porque se aquela ideia, volátil como uma nuvem, ruir, o mundo (vazio) interior daquele crente desaba junto.

Assim como acredita ser inconcebível viver num mundo de ideias diferentes das suas, o radical também acha impossível que o outro, que não concorde com ele, exista em seu universo. O que lhe permite acreditar que tenha o direito legitimado por Deus de exterminar este outro da face da Terra. Seja pelas câmaras de gás dos campos de concentração ou camburões; seja invadindo a casa de uma pessoa, em plena festa de aniversário dela, sem importar-se até mesmo com a quantidade de testemunhas do crime. Pois o direito de matar o diferente, foi legitimado!

É muito importante refletirmos sobre isto, pois teremos de conviver com o bolsonarismo daqui em diante, independentemente do resultado das eleições. Mesmo que, no futuro, a imagem do ídolo atual seja substituída por outra, o que é bem provável, o bolsonarismo veio pra ficar. Porque pessoas de alma intransigente sempre existiram, mas, agora, que tiveram seu sentimento (e – pior – seu comportamento) de intransigência legitimado pelo ‘mito’, não voltarão mais pra suas “casinhas”. Assim como as mulheres que se libertaram da violência doméstica não voltarão a apanhar em silêncio. E o bolsonarismo nasceu justamente daí: do violento revoltado com a nova postura de não-aceitação da vítima. Uma mudança deu origem à outra. Quanto mais a empregada doméstica se tornou exigente, mais a patroa patricinha ficou intransigente. Quanto mais o proletário ganhou, mais o capitalismo arrochou.

E às vésperas de uma nova eleição, que promete um clima tenso, com o uso das forças armadas autorizado por decreto presidencial publicado nesta sexta-feira, dia 12, se deu que, justamente ontem, no histórico 11 de agosto de 2022, quando a Carta em Defesa da Democracia foi assinada por mais de 1 milhão de brasileiros e lida sob o olhar atento do mundo, que o bolsonarista Jorge Guaranho, que matou em flagrante e ante dezenas de testemunhas o petista Marcelo Arruda, por ser bolsonarista e o outro petista, foi colocado em liberdade pelo juiz Gustavo Germano, um mês após sua prisão.

Enquanto a presença de um presidente com discurso beligerante legitima o extermínio daqueles que pensam diferente dele e de seus asseclas, a soltura de Guaranho vai além: legitima a impunidade de tais ações. É, portanto, um passo à frente na barbárie. À beira de uma eleição tensa; no precipício social e econômico em que estamos, ante a dor moral coletiva que enfrentamos (ao menos os que têm moral e lucidez para sentir dor), a soltura de Guaranho equivale a uma carta branca concebida por uma autoridade da Lei para matar impunimente.

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