sexta-feira, 27 de agosto de 2021

REFLETINDO SOBRE O SALMO 23

Nestes tempos sombrios sob a ação perigosa do Covid-19 um manto de temor e de angústia se estende sobre nossas vidas. Vivemos cansados existencialmente, pelas pessoas queridas que perdemos, pelas ameaças de sermos contaminados e ainda mais por não entrevermos quando tudo isso vai acabar. O que virá depois?

Um israelita piedoso passou pela mesma angústia e nos deixou  a sua situação no famoso salmo 23: ”O Senhor é meu pastor e nada me falta”. Nele há um verso que vem a calhar exatamente para a nossa situação: ”Ainda que devesse passar pelo vale da morte, nada temerei porque tu vais comigo”.

Morte biblicamente, deve ser entendida não apenas como o fim da vida, mas existencialmente como a experiência de crises profundas como grave risco de vida, perseguição feroz de inimigos, humilhação, exclusão e solidão devastadora. Fala-se então, de descer aos infernos da condição humana.

Quando se reza no credo cristão que Jesus desceu aos infernos se quer expressar que ele conheceu a solidão extrema e o absoluto abandono, até por parte de seu Pai. Ele passou, efetivamente, pelo vale da sombra de morte, pelo inferno da condição humana. É consolador, então, ouvir a palavra do Bom Pastor: ”não temas eu estou contigo”.

Nosso grande romancista João Guimarães Rosa em Grande Sertão Veredas bem observou: “viver é perigoso”. Sentimo-nos expulsos do jardim do Éden. Estamos sempre buscando construir um paraíso possível. Vivemos fazendo travessias arriscadas. Ameaças nos espreitam por todos os lados. E nesse momento com o vírus, como nunca antes.

Por mais que nos esforcemos e as sociedades para isso se organizem, nunca podemos controlar todos os fatores de risco. O Covid-19 nos mostrou a imprevisibilidade e a nossa vulnerabilidade Por isso, é dramática e, por vezes trágica, a travessia humana. No termo, quando se trata de assegurar nossa vida, somos forçados a nos confiar, além da medicina e da técnica, a um Maior que pode levar-nos ”a pastagens verdejantes e à fontes tranquilas”, ao Deus-Bom-Pastor. Essa entrega supera a desesperança.

Alarguemos um pouco o horizonte: grande dramaticidade pesa sobre o futuro da vida e da biosfera. Milhares de espécies estão desparecendo por causa da cobiça e da incúria humana. O aquecimento crescente do Planeta unido à escassez de água potável pode nos confrontar com uma crise dramática de alimentação. Milhões poderão se deslocar em busca da sobrevivência ameaçando o já frágil equilíbrio político e social das nações.

Aqui cabe invocar de novo o Pastor do universo, Aquele que tem poder sobre o curso dos tempos e dos climas para que crie situações oportunas e suscite o sentido da solidariedade e da responsabilidade nos povos e nos chefes de Estado.

Hoje o que destrói nossa alegria de viver é o medo. É consequência de um tipo de sociedade que se construiu nos últimos séculos assentada sobre a competição e não sobre a cooperação, sobre a vontade acumulação de bens materiais, o consumismo e sobre o uso da violência como forma de resolver os problemas pessoais e sociais.

O cuidado é também o antecipador prévio dos comportamentos para que seus efeitos sejam bons e fortaleçam a convivência.

Desta forma, nossa vida pessoal ganha certa leveza e conserva, mesmo no meio de riscos e ameaças, serena jovialidade ao sentirmos que jamais estamos sós. Deus caminha em nosso próprio caminhar como o Bom Pastor que cuida para que “nada nos falte”.

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