terça-feira, 9 de março de 2021

A FOME, A LIBERDADE E O SONHO.

Ontem, Dia Internacional da Mulher, não posso deixar de registrar minha emoção ao ler a notícia de que no último dia 25 de fevereiro de 2021 Carolina Maria de Jesus recebeu o Doutorado Honoris Causa pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). Em meio a todo o caos que o Brasil vive, com a aceleração exponencial da pandemia, a escassez de vacinas, as decisões e hesitações chocantes do governo e o drama do aumento da pobreza, enfim uma novidade luminosa.

Com sua impressionante imaginação e talento literário, Carolina atribui até mesmo uma cor à fome: o amarelo. Ao mesmo tempo, o amarelo em seu livro é a cor da vida. Todos os dias a escritora abria a janela, olhava para o céu e lá estava o sol, amarelo e luminoso. Essa luz, a cada manhã era mensagem de esperança de uma vida melhor, onde as trevas da fome e da miséria seriam vencidas e suplantadas.

Carolina é uma mulher livre, que por prezar tanto sua liberdade jamais se casou. Vê a vida que levam suas vizinhas oprimidas pelo machismo dos companheiros e se regozija de sua escolha de vida. As mulheres que moram na favela como ela e vivem com seus homens devem “mendigar e ainda apanhar. Parece tambor. À noite, enquanto elas pedem socorro, eu tranquilamente, no meu barracão, ouço valsas vienenses… Não invejo as mulheres casadas da favela que levam vida de escravas indianas.”

Que mulher é essa que identifica o gênero musical das valsas para expressar sua tranquilidade de mãe sozinha e sem companheiro? É a mesma que transcende a miséria através da escrita e envia inclusive mensagens a Deus, em quem pensa e com quem dialoga, olhando em volta e sentindo sua dura e injusta realidade. “Será que Deus sabe que existem as favelas, que os favelados passam fome?”. “Só Deus para ter dó de nós”. “Deus é sombrio. É o advogado dos humildes. Os pobres são criaturas de Deus”. “Deus precisa iluminar os brancos para que os pretos sejam felizes.”

Essa poeta era agraciada por Deus com sonhos consoladores e iluminados como os profetas e os patriarcas bíblicos. Ali experimentava a plenitude que sua vida de favelada não lhe permitia tocar no cotidiano. “… Eu durmi. E tive um sonho maravilhoso. Sonhei que eu era um anjo. Meu vistido era amplo. Mangas longas cor de rosa. Eu ia da terra para o céu. E pegava as estrelas na mão para contemplá-las. Conversar com as estrelas. Elas organizaram um espetáculo para homenagear-me. Dançavam ao meu redor e formavam um risco luminoso. Quando despertei, pensei: eu sou tão pobre. Não posso ir num espetáculo, por isso Deus envia-me estes sonhos deslumbrantes para minh´alma dolorida. Ao Deus que me protege, envio os meus agradecimentos.”

Que a doutora Carolina, discípula da fome e do Deus verdadeiro, inspire todas as mulheres para seguir vivas, enfrentando a realidade, lutando pela liberdade e deleitando-nos com os sonhos deslumbrantes que o Deus da vida nos concede generosamente.

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