domingo, 4 de novembro de 2018

ENTÃO POR QUE MENTEM?

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Uma antiga anedota judaica estava entre as preferidas de Freud. Conta que dois rivais no mundo dos negócios se encontram numa estação de trem. O primeiro pergunta: "Para onde você está viajando?" "Para Minsk", responde o segundo. "Para Minsk?! Que cara-de-pau! Você está me dizendo que vai para Minsk só para que pense que está indo para Pinsk. Mas acontece que eu não sou bobo e sei que vai mesmo para Minsk. Então por que você está mentindo para mim?"

A anedota nos confronta com questões profundas: a verdade existe de per si, ou dependente do entendimento de quem a escuta? Haveria distinção entre uma verdade ambientada em confiança e outra em suspeita?

Poderíamos dizer que a verdade que não leva em consideração a escuta do outro é uma verdade pequena, falsa, em contraposição a uma verdade genuína que inclui a percepção do outro?

Mesmo quando a verdade nasce na fonte, o leito por onde esta transita tem o potencial de poluí-la ou de transmutá-la em mentira, tão-somente pela exposição à malícia e ao blefe em seu percurso.

Encontramo-nos hoje num mundo tão competitivo e pragmático que raramente nos defrontamos com a verdade, ou é uma mentira deslavada ou é uma verdade mentirosa talhada por espertezas e segundas intenções. Ao mesmo tempo não somos mais gente comum, somos rivais em um mundo de negócios e nossas interações e encontros acontecem de alguma forma em "estações de trem".

O embuste atinge hoje níveis recordes e é cada vez mais rara a ingenuidade que o recicla. A ingenuidade tem como característica quebrar as ligações da maldade e recompô-la em probidade. Infelizmente a ingenuidade está escassa, mais exatamente em extinção. Há bolsões no interior e na mata, mas estes não se comunicam, e fica cada vez mais frágil seu ecossistema de candura e simplicidade.

A emissão de mentira in natura na atmosfera acinzenta o entardecer, mas pior destrói uma fina camada de confiança da qual tudo que é vivo depende. E, sem essa camada de confiança, penetram radiações lesivas que sentimos na pele. A exposição constante a essas radiações pelo rareamento da confiança é cumulativa pela vida a fora e pode evoluir para alienações que geram metástases destruindo tecidos vitais, particularmente os afetivos e solidários. Sua manifestação mais freqüente ocorre nos sensíveis e nos ternos para quem o potencial é altamente letal.

O individualismo aquece o consumo e derrete culturas coletivas que há milênios eram blocos maciços de humanidade e diversidade. Desse derretimento de diversidade vem mais semelhança, mais rotina, mais insatisfação. Tudo isso vai para o mar que era o colosso que a tudo sorvia. Era um todo que a toda parte fundia, era um todo que não se enchia. Mas não é mais assim. Adensado de corriqueiro e banal, o mar da aventura heterogênea é um caldo que abarrota - um muito que é pouco, um gigante anão que transborda.

E as sutilezas e as manhas evaporam e causam grandes tempestades. Logros e omissões se acumulam em grandes intempéries. É bíblico que quando o homem se corrompe há dilúvios. Ventanias de ondas magnéticas de celulares e roteadores perpassam o mundo e sempre pouca verdade, muita mentira e muito ardil. Tudo sub-reptício e subliminar com um efeito cumulativo cataclísmico.

Sem ter no que ou em quem acreditar, falta chão não só ao urso-polar. Sem ter privacidade e quietude falta ar não só aos peixes da lagoa. Sem criatividade e na mesmice falta território não só aos felinos. Sem compaixão e sem afeto falta água não só ao planeta, mas aos olhos humanos.

E ainda há dúvidas se tudo isso é causado por fatores humanos.

Esse é o clima, meus amigos. Há pouca visibilidade, alta pressão e muita instabilidade.

Mas pensam que sou tolo. Pensam que não peguei a manha. Dizem que o mundo está aquecendo. Muito provavelmente dizem isso para eu achar que não está aquecendo, mas está aquecendo. Então por que mentem?


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