sexta-feira, 23 de novembro de 2018

A CANECA DE ALUMÍNIO DO OMAR.

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Na casa do meu amigo Omar, há uma caneca de alumínio. Daquele antigo, bom e brilhante. O cabo é velho, o que lhe confere um ar de antiguidade. Nela beberam os filhos, de pequenos a grandes. Ela acompanhou a família nas muitas mudanças. Da roça para a vila, da vila para a cidade. Houve nascimentos, houve mortes. Ela participou de tudo. Esteve sempre junto. É a continuidade do mistério da vida na diferença de situações vitais e mortais. Ela permanece. Sempre brilhante e antiga. Creio que quando chegou à casa dele já era velha. Dessa velhice que é mocidade porque gera e dá vida. Peça central da cozinha.

Sempre que se bebe nela não se bebe água, mas o frescor, a doçura, a familiaridade, a história familiar, a recordação da criança sedenta que se sacia da sede. Pode ser qualquer água. Nesta caneca ela é sempre fresca e boa. Na casa, todos que tem sede bebem desta caneca. Como num rito, todos exclamam: ‘Como é bom beber nesta caneca! Como a água aqui é boa!’

No entanto, trata-se da água que vem do rio sujo que corta a cidade. Maltratada, segundo os jornais, portadora de riscos e doenças. Para prevenir enchem-na de cloro. Mas por causa da caneca a água se torna boa, saudável, fresca e doce...

Tantas fontes, tantas águas, uma única sede.

O filho regressa. Percorreu o mundo. Estudou. Chega. Beija a mãe. Abraça os irmãos. Matam-se saudades sofridas. As palavras são poucas. Os olhares, longos e minuciosos. É preciso antes beber o outro com os olhos para depois amá-lo. Os olhos que bebem trazem as palavras do coração. Só depois do olhar é que se pode permitir à boca falar de superficialidades desimportantes: ‘Como você engordou e está careca . Mas já está um adulto. Mas ficou ainda mais bonito!’ O olhar não perde tempo com nada disso. Ele fala o essencial do amor quando o filho se dirige à mãe: ‘Mãe, estou com sede, quero beber da velha caneca’...

E o filho bebeu de tantas águas. Tantas águas, mas nenhuma é como essa. Ele bebe da caneca. Não para matar a sede do corpo. Essa, as outras águas matam. Mas a sede do ambiente familiar. Sede dos carinhos paternos, a sede fraternal, das raízes donde vem a seiva da vida. Esta sede, só a caneca pode matar.

Bebe sofregamente. Terminou com um suspiro longo, como quem mergulhou profundamente e veio à tona. Depois bebe outra caneca, lentamente, para saborear o mistério que ela contém e significa.

Porque será que a água desta caneca é assim, sempre boa e doce, saudável e fresca? É porque a caneca é um sacramento. A caneca/sacramento confere a qualquer água bondade, doçura, frescor e saúde.

A caneca de alumínio está lá, na cozinha, na sua tranquila dignidade, entre tantos objetos e coisas domésticas. É velha. Mas só ela conserva a perene juventude da vida. Só ela vive entre coisas mortas, só ela é sujeito entre tantos objetos. Só ela fala entre tantas coisas mudas.

Só ela é doce lembrança, na humildade de uma cozinha familiar.

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