sábado, 22 de junho de 2013

PARA PENSAR: SER RADICALMENTE POBRE, É SER PLENAMENTE IRMÃO.

A pobreza de cada um é um desafio para o outro cuidar dele e buscar-lhe, pela esmola ou pelo trabalho, o mínimo necessário

Uma das primeiras palavras do Papa Francisco foi: “Gostaria de uma Igreja pobre para os pobres”. Este desiderato está na linha do espírito de São Francisco, chamado de Poverello, o Pobrezinho de Assis. Ele não pretendeu gestar uma Igreja pobre para os pobres, pois isso seria irrealizável dentro do regime de cristandade, onde a Igreja detinha todo o poder. Mas criou ao seu redor um movimento e uma comunidade de pobres com os pobres e como os pobres.
Francisco pertencia à afluente burguesia local. Seu pai era um rico mercador de tecidos. Como jovem liderava um grupo de amigos boêmios que viviam em festas. Já adulto, passou por uma forte crise existencial – quando irrompeu nele uma inexplicável misericórdia e amor pelos pobres, especialmente pelos hansenianos. Largou a família e os negócios, assumiu a radical pobreza evangélica e foi morar com os hansenianos. O Jesus pobre e crucificado e os pobres reais foram os móveis de sua mudança de vida. Passou dois anos em orações e penitências, até que interiormente ouviu um chamado do Crucificado: “Francisco, vai e reconstrói a minha Igreja que está em ruínas”.
Custou a entender que não se tratava de algo material, mas de uma missão espiritual. Saiu pelos caminhos pregando nos burgos o evangelho em língua popular. Mas o fez com tanta jovialidade, “grazie” e força de convencimento que fascinou alguns de seus antigos companheiros. Em 1209 conseguiu do Papa Inocêncio III a aprovação de sua “loucura” evangélica. Começou o movimento franciscano que em menos de vinte anos chegou a mais de cinco mil seguidores.
Quatro eixos estruturam o movimento: o amor apaixonado ao Cristo crucificado, o amor terno e fra-terno para com os pobres, a “senhora dama” pobreza, a genuína simplicidade e a grande humildade.
Tentemos compreender como Francisco via e convivia com os pobres. Nada fez ‘para’ os pobres (alguma obra assistencial); muito fez ‘com’ os pobres, pois os incluía na pregação do evangelho e onde podia estava junto deles; mas fez mais: viveu ‘como’ os pobres. Assumiu sua vida, limpava suas feridas e comia com eles. Fez-se um pobre entre os pobres.
A pobreza não consiste em não ter, mas na capacidade de dar e mais uma vez dar até se expropriar de tudo. Não é um caminho ascético. Mas a mediação para uma excelência incomparável: a identificação com o Cristo pobre e com os pobres com os quais estabeleceu uma relação de fraternidade.
Francisco havia intuído que as posses se colocam entre as pessoas, impedindo o olho no olho e o coração com o coração. São os interesses, o que fica entre (inter-esse) as pessoas, que criam obstáculos à fraternidade. A pobreza é o permanente esforço de remover as posses e interesses de qualquer tipo para que daí resulte a verdadeira fraternidade. Ser radicalmente pobre para poder ser plenamente irmão: este é o projeto de Francisco; daí a importância da radical pobreza.
Convenhamos que a pobreza assim extrema era pesada e dura. A existência no corpo e no mundo coloca exigências que não podem ser contrafeitas. Como humanizar esta desumanização real que comporta este tipo de pobreza? As fontes da época testemunham que os frades pareciam “silvestres homines (uns selvagens) que comem pouquíssimo, andam descalços e se vestem com as piores roupas”. Mas, por espanto, nunca perdem a alegria e o bom humor.
É neste contexto de extrema pobreza que Francisco valoriza a fraternidade. A pobreza de cada um é um desafio para o outro cuidar dele e buscar-lhe, pela esmola ou pelo trabalho, o mínimo necessário, dar-lhe abrigo e segurança. Francisco quer que cada frade cumpra a missão de mãe para com o outro, pois as mães sabem cuidar, especialmente dos doentes. Só o cuidado recíproco humaniza a existência. Para quem vivia totalmente desprotegido, a fraternidade significava efetivamente tudo.
São muitas as lições que se poderiam tirar desta aventura espiritual. Fiquemos apenas numa: para Francisco as relações humanas devem se construir sempre a partir dos que não são e não têm na visão dos poderosos. Devem ser abraçados como irmãos. Só uma fraternidade que vem de baixo e que a partir daí engloba os demais é verdadeiramente humana e tem sustentabilidade. A Igreja, como a temos hoje, nunca será como os pobres. Mas pode ser para e com os pobres, como o sonha o Papa Francisco.

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