quarta-feira, 14 de setembro de 2022

LULA, MARINA E O MEIO-AMBIENTE.


Meio ambiente no centro da agenda

A questão é complexa, assim como é pesado o jogo de interesses múltiplos envolvidos no debate e na busca de possíveis soluções. De qualquer forma, o que se sabe é que a postura destruidora de Bolsonaro precisa ser interrompida o mais rapidamente possível. Ele consegue a impressionante façanha de ser negativo em todas as dimensões dessa matéria multidisciplinar. Seu governo atua contra os mecanismos e órgãos públicos de regulação de tais assuntos. Seus ministros favorecem os interesses do agronegócio mais nocivo e predador, liberando o desmatamento ilegal, o uso de defensivos venenosos e a aplicação de transgênicos prejudiciais à saúde. Bolsonaro se envolve pessoalmente na defesa de práticas como o garimpo ilegal, como a negociação clandestina de madeira e com o genocídio de indígenas, quilombolas e demais populações tradicionais.

Isso significa que qualquer projeto de retomada do caminho do desenvolvimento nacional precisa incorporar a dimensão ambiental. Não basta apenas o enfoque centrado exclusivamente no econômico e no social, como sempre se fez até o presente momento. O assunto é sensível e implica mudanças importantes na forma como a nossa sociedade deveria encarar as alternativas para o curto prazo, bem como as opções de futuro. Estão aí definições estratégicas, tais como: 1) a ampliação das fontes de energia não fóssil; 2) o uso que se pretende fazer das reservas do Pré Sal; 3) a aplicação sem regulação de agrotóxicos e transgênicos; 4) o poder descontrolado do agronegócio; 5) o avanço do desmatamento que compromete o equilíbrio ecológico nacional e planetário; 6) a preservação de biomas ameaçados; 7) a necessária mudança na matriz de transportes, tornando-a mais sustentável; 8) as mudanças no processo produtivo, penalizando os processos que comprometem o meio ambiente e estimulando as reconversões para processo ditos “limpos”; 9) avanço na dimensão educacional e cultural, em questões como o consumismo, o destino de lixo e resíduos, a reciclagem, a reutilização e demais “erres” do comportamento preservacionista.

Lula e Marina: um gol de placa

Para dar conta de tal tarefa hercúlea, o primeiro ponto seria o reconhecimento de que algo precisa ser feito nesta direção. Assim, o recente encontro público entre Lula e Marina foi um acontecimento que traz consequências que vão muito além do simbólico e do eleitoral. Do ponto de vista da disputa contra Bolsonaro, sem dúvida foi um gol de placa da campanha do ex presidente. O apoio explícito e inquestionável de uma das maiores lideranças do campo ambiental vem se somar à participação de seu partido, a Rede, no interior da federação com o Psol e que participa da coligação que apoia Lula desde o registro das candidaturas. A pouco menos de três semanas do primeiro turno, as imagens das duas lideranças e as declarações de Marina de que seu candidato é Lula podem contribuir para selar a parada presidencial já na apuração do dia 2 de outubro.

Mas a reunião pode significar também alguma forma de participação da quase certamente futura deputada federal por São Paulo em eventual governo federal a partir de janeiro do ano que vem. Não se trata de mera repetição da relação anterior, quando ela ocupou o cargo de Ministra do Meio Ambiente por mais de cinco anos, durante os dois mandatos de Lula (2003 a 2008). No primeiro caso, tratava-se da indicação de uma militante do PT bastante envolvida com a causa ambiental para ocupar o posto. Agora, o acordo envolve a aproximação do futuro presidente com uma agremiação partidária que tem no meio-ambiente seu principal ponto programático. Assim, a eventual presença, direta ou indireta, de Marina na equipe ganharia uma outra dimensão.
Durante o encontro, ela apresentou a Lula um conjunto de reivindicações e sugestões envolvendo a pauta ambiental, tornando públicas as suas propostas e preocupações. Trata-se do documento “Compromissos de resgate da agenda socioambiental brasileira perdida”, onde são elencados 26 pontos como contribuição de Marina para o futuro governo. O texto consolida proposições a respeito do tema, apresentando uma abordagem ampla e integrada da questão ambiental em toda a sua complexidade. Assim, ali estão presentes itens bastante conhecidos do assunto, a exemplo da necessidade de maior controle sobre o desmatamento e o uso de agrotóxicos, mas também sugestões específicas, como a criação de uma autoridade nacional de segurança climática e o destaque para a urgência de universalização do saneamento básico para toda a população. O documento também aponta para a necessidade de fortalecimento das instituições públicas federais já existentes como, ICM-Bio e o IBAMA, e sugere a implementação do Cadastro Ambiental Rural até 2025.

Enfim, tudo indica que a aproximação entre Lula e Marina deveria se manter para depois das eleições. Como ambos afirmaram no evento em que a aliança se consolidou, a emergência da questão democrática e civilizatória contribuiu para acelerar a atuação conjunta nesse momento. No entanto, o amadurecimento político dos campos que as duas lideranças representam observado ao longo dos últimos anos talvez permita uma colaboração de maior fôlego, que torne possível a efetiva incorporação da agenda ambiental no programa e na prática de um governo progressista e desenvolvimentista.

Texto de Paulo Kliass

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