Somam-se aos números dessas vítimas fatais, as situações abomináveis de extermínio de pobres e negros, as agressões às mulheres – frutos perversos de preconceitos e discriminações que precisam assombrar o coração de cada cidadão. Uma exigência é inegociável e insubstituível: recomeçar a partir da verdade.
As representatividades governamentais, políticas, sociais, culturais, também religiosas, devem merecer e honrar a credibilidade conquistada. Não é mais possível suportar representatividades assentadas em psicopatias, produzindo loucuras de todo tipo, comprometendo duramente a identidade institucional. É hora de dar um basta e exigir o estabelecimento de novas lógicas e funcionamentos, alicerçados em percepção clarividente. É incompreensível acompanhar grupos e segmentos arrastados por uma sombra, roubados pela ilusão da defesa de valores parciais, que não passam de discursos vazios sem jamais se assentar na indispensável credibilidade. Não há espaço para diplomacias vazias e comprometedoras dos destinos de um povo, negociando com negacionismos a sua condição. Há de se combater e desmascarar as dissimulações, discursos com duplo sentido, ocultamentos interesseiros da realidade.
Recomeçar a partir da verdade inclui uma memória penitencial capaz de assumir o passado para libertar o futuro das próprias insatisfações, confusões e projeções. A sociedade brasileira está vivendo uma guerra nesta pandemia, pelos descompassos governamentais, particularmente no executivo nacional, pela baixíssima credibilidade de instituições centrais na sociedade, em razão da falta de lucidez cidadã para escolhas que promovam o novo artesanato da paz. Agora, particularmente, as pessoas precisam saber a verdade a respeito dos acontecimentos. Verdade que nunca será instrumento de vingança, mas caminho da reconciliação e de indispensável reconstrução. O Brasil carece prioritariamente da hora da verdade, sem poupar nenhuma dor resgatadora desta busca.
A verdade está em reconhecer quem são os agentes da violência: dos sofrimentos das mulheres vítimas de agressões e abusos, no tratamento racista a negros e pobres; da vergonha das manipulações por parte de quem está no poder ou possui o poder sedutor do dinheiro. A sociedade brasileira, sob a aparência de um irenismo camuflado, é palco de violências, por meio de agentes que precisam ser legalmente responsabilizados por seus desmandos, atingindo seres humanos, na sua individualidade e na casa comum, como chagas abertas. O brasileiro, com a força de instituições credíveis, deve exigir a correção dos rumos e a implementação de novos processos. A tarefa é tão exigente que não se pode mais perder tempo e recursos de modo a comprometer as ações no horizonte inspirador da arquitetura e do artesanato da paz.
É hora de trabalhar juntos, sem a pretensão falsa de homogeneizar. Não há meios de se avançar sem se trabalhar pelo bem comum. Todos são chamados a contribuir, independentemente das diferenças. Vale o conselho basilar – perante a sociedade brasileira, lamentavelmente polarizada – ao apontar que o esforço árduo para superar o que divide os cidadãos, sem perder a identidade de cada um, pressupõe que em todos permaneça vivo e atuante um profundo sentido de pertença. A sociedade brasileira tem um longo caminho para recuperar e configurar seu lugar tão necessário como casa de todos, com tarefas exigentes e urgentes na superação da vergonhosa e perversa desigualdade social, com o rompimento da corrupção, enraizada nos seus funcionamentos, privilegiando grupos oligárquicos e sacrificando as grandes porções das camadas pobres. A hora é da verdade. O único caminho para a reconstrução da sociedade é recomeçar da verdade.
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