terça-feira, 20 de abril de 2021

A FOME É QUE MANDA.

Se há uma coisa que mudou drasticamente com a pandemia foi a forma como passamos a lidar com as nossas refeições. Fechados em casa a maior parte do tempo, até esquecemos como é encostar os cotovelos no balcão para abocanhar um pão na chapa e beber um pingado, encontrar os amigos no almoço sem se preocupar com o tira-e-põe de máscaras, tomar um bem executado coquetel depois de um dia exasperante de trabalho.

De repente, nossas cozinhas acumularam todas essas funções e viraram tudo ao mesmo tempo: padaria, cafeteria, restaurante e bar. Tudo aberto (ironia!) 24 horas por dia. Assim, tomamos vinho cada vez mais cedo, deixamos o almoço para mais tarde, trocamos o jantar por um pote de pipoca, sem problema, que mal tem nisso?

O confinamento e as restrições de mobilidade impostas no mundo todo nos ensinaram que a ideia pré-definida que tínhamos sobre café da manhã, almoço ou jantar parece não fazer mais sentido nesses dias que correm depressa demais — e muito menos em uma sociedade que caminha para uma inevitável fluidez do tempo. Essa ideia de que precisamos estar sentados entre 12h e 14h para acabar com um prato de comida aprontado diante vem se tornando tão questionável quanto uma grande sala de reuniões.

Refeições ocasionais

Pensando do ponto de vista cultural e histórico, as refeições bem estabelecidas são herança da era industrial. Foram pensadas para alimentar os trabalhadores por turnos que saíam das fábricas depois de jornadas estafantes de trabalho essencialmente braçal. Era uma forma de organizar a sociedade — daí vieram os horários de trabalho, das escolas: todo mundo ao mesmo tempo. Mas elas já não se encaixam na nova era da criatividade, em que cada um tem suas rotinas, especialmente com a maior normalização do home office. Evoluímos das refeições eventuais (dos tempos dos nossos antepassados longínquos, que tinham que aproveitar e garantir toda a ingestão de calorias quando venciam uma árdua caçada) para as refeições programadas. 

A fome é quem manda

Os hábitos dos tempos de confinamento comprovam que há mais pessoas agindo de acordo com as manifestações de suas fomes — independentemente da hora que se manifestem. No último ano, o iFood, uma das maiores plataformas de delivery da América Latina, notou mudanças no comportamento dos consumidores brasileiros. “Foram observadas novas ocasiões de consumo pelo app em períodos não tradicionais para o delivery, como é o caso da manhã, que teve uma periodicidade em dias de semana com aumento de 260% de março a dezembro de 2020”, informou a empresa a Gama.

Outro período a ser destacado pela plataforma foi o chamado “lanche da madrugada” durante a semana, que saltou 116% nesses mesmos meses. Ainda assim, os horários de pico no almoço e no jantar continuam sendo os mais representativos para os aplicativos. Mas os números têm mudado de forma vertiginosa embalados pela pandemia e pela mudança do senso de tempo que nos acometeu.

Também o fato dos restaurantes terem que se adaptar a horários mais restritos nesse período difícil para o setor também ajudou as pessoas a abrirem suas perspectivas com relação aos horários em que comem. Em cidades como São Paulo e Rio de Janeiro, por exemplo, a obrigatoriedade dos estabelecimentos terem que fechar as portas até as 20h por alguns períodos obrigou clientes a jantarem bem mais cedo do que estavam habituados. “Tivemos muitos clientes que gostaram da experiência, mas pessoalmente um mundo novo abriu pra nós: agora só queremos jantar às 18h”, diz Janaína Rueda.

“É ótimo, todos deveriam criar esse hábito”, completa Jefferson. Para ele, a experiência que se tem nos jantares antecipados é muito mais completa. “Os lugares estão mais tranquilos, o atendimento é quase exclusivo. E quando você vai dormir, a digestão já está até feita. É muito mais positivo para o corpo” conclui. Para uma parte dos cientistas, cada vez mais dispostos a desvendar os nossos cronotipos, ele deveria ser a nossa prioridade. E nos levar a comer quando a fome surge, não quando o refeitório abre.

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