domingo, 16 de novembro de 2014

PARA OS NOSSOS FILHOS!

 Tenho 2 filhos e sou filho, em companhia de mais dois irmãos. Quando se fala em legado aos filhos há quem, de cara, pense em dinheiro. Tudo bem que os pais queiram fazer um pé de meia de olho no futuro de seus rebentos. Mas... cuidado! Não é dinheiro o que um filho mais espera dos pais. É amor, amizade, apoio e, sobretudo, exemplo de vida. Thomas Mann dizia que um bom exemplo é o melhor legado dos pais aos filhos.
Ainda que os pais deixem a seus descendentes gordas heranças, estas não deveriam ser o principal legado. Nada mais perigoso a um jovem que centrar sua autoestima no patrimônio familiar. É meio caminho para se tornar arrogante, preconceituoso e vulnerável às drogas. Sobretudo à cocaína, cujo efeito anaboliza a prepotência. Ao primeiro revés, o herdeiro despencará no abismo, despreparado para enfrentar a realidade.
Quem não se sente subjetivamente valorizado corre o risco de querer nutrir sua autoestima através de valores financeiros e patrimoniais. Como o desejo tem fome de infinito, o tamanho da ambição costuma ter a medida da profundidade da frustração.
O melhor legado aos filhos é, sem dúvida, uma boa educação. Não apenas a escolaridade. Pesquisas comprovam que, no mercado de trabalho, o nível de escolaridade corresponde ao salarial. Conhecimento é poder. A educação ética deveria ser o principal legado aos filhos. E ela decorre do exemplo dos pais. Estes devem fazer a escolha: incutir nos filhos atitudes de competitividade ou de solidariedade? Em sua Metafísica dos costumes Kant alerta: “Tudo tem ou bem preço ou bem dignidade. O que tem preço pode ser substituído por seu equivalente; ao contrário, o que não tem preço e, portanto, equivalente, é o que possui dignidade.” Em outras palavras, o sadio orgulho de ser ético se contrapõe à miserável satisfação de ser esperto.
Uma criança não deve ser movida a consumo, e sim a aprendizado, brincadeiras e fantasias. Um jovem será tanto mais cidadão quanto mais se incutir nele esperanças altruístas, ideais, sentido de vida e utopias.
Toda criança é mimetista. Se os pais dizem que toda pessoa merece respeito e, ao mesmo tempo, tratam a faxineira como escrava virtual, com certeza o filho fará o mesmo quando adulto.
O legado moral consiste em evitar que o filho seja preconceituoso, invejoso, e saiba tratar cada pessoa com pleno respeito à sua dignidade e direitos. Sobretudo, que tenha espírito crítico e disposição de tornar o mundo menos desigual e mais justo.
Com frequência, pais de adolescentes me consultam sobre como agir frente à indiferença religiosa dos filhos. Minha primeira reação é dizer que a pergunta veio com dez anos de atraso. Se os filhos tivessem 6 ou 8 anos, e não 16 e 18, eu saberia o que aconselhar: orem com eles, leiam e comentem a Bíblia, levem a sério o caráter religioso de datas como Páscoa, Natal ou, caso não sejam cristãos, as efemérides próprias de sua denominação religiosa.
E exercite-os na cada vez mais rara virtude da tolerância. Deus não tem religião. Ensinem a seus filhos não considerarem diferença divergência.
Pela ordem natural, pais morrem ou trânsvivenciam antes de seus descendentes. Se indaguem – que imagem vocês deixarão na memória de seus filhos? Lembrem-se de seus próprios pais e avós. Quais os legados eles imprimiram em sua memória afetiva?

A parábola - Um homem muito rico, acometido de grave doença e desenganado pelos médicos, convocou filhos e netos para comunicar-lhes a herança que lhes deixaria. Todos, ansiosos, compareceram ao hospital. Formaram uma roda em torno do leito.
Dada a ordem, o advogado do enfermo abriu a pasta e distribuiu aos herdeiros caixas de fósforos, uma para cada um. Decepcionados, entreolharam-se e, ao abrirem a caixinha, encontraram pequenas sementes. O homem, tomando em mãos uma das caixas, explicou: “Esta semente é a do amor; esta, da solidariedade; esta aqui, da compaixão; esta, da amizade; aquela ali, do perdão. Se vocês souberem cultivá-las, haverão de ser felizes.”. E acrescentou: “A fortuna que acumulei será destinada a obras sociais.”

sexta-feira, 14 de novembro de 2014

ELES SÃO COMO ANJOS.

Lembra-se daqueles amigos e amigas de bares, restaurantes, rodinhas de samba e de conversas que não conseguiam viver sem você, nem você sem eles? Que fim levaram aqueles sentimentos? Por culpa sua talvez ou deles, por culpa de interesses outros, eles foram fazendo novas amizades e enturmando-se com outros e outras. Esqueceram você. Mas a verdade é que você também esqueceu muitos de seus amigos e amigas de ontem.
Pararam de mandar e-mails, de telefonar, de se querer ver e alguma coisa foi esfriando. A verdade é que restou o carinho e você é grato por aqueles encontros, mas já não se vê procurando-os nem eles ou elas a você.
Ponha esta experiência na conta das circunstâncias. Família nova, trabalhos, outros interesses, pessoas novas entraram nas suas vidas e o que durou alguns anos ainda existe, mas não com a mesma intensidade. Quando se encontrarem será maravilhoso, anotarão telefones e endereços, prometerão novos encontros, mas ficará tudo por isso mesmo, porque distância, tempo e afazeres às vezes separam até grandes amigos.
O efêmero faz parte da vida. Poucas amizades se mantêm as mesmas pela vida inteira. Se você tem algum amigo ou alguém especial que há mais de quinze anos o procura e gosta de ser procurado para mais uma rodada de conversas, risos e correção de dados, agradeça a Deus. É coisa rara e é dom do céu! Amigos são como anjos: há sempre uma nova mensagem, ou mensagem atualizada, cada vez que os encontramos. Mas são anjos que vão e que vêm...

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

HUMILDADE NÃO É SEU DEPARTAMENTO

Todo cuidado é pouco quando se trata de convencimento e de convicção. Pode-se ter convicção sem ser um convencido. Pode-se ser um convencido sem convicção. As palavras pretendem firmar dois conceitos. Do verbo vincere (vencer) vem a palavra cum-victus que pode significar condenado e vencido, e pode significar vencido por alguma ideia.
Mas é possível, também, que uma pessoa aja como se fosse um vencedor e vitorioso, por isso convencido de que é mais do que os outros. O modo de falar, de ser e de agir mostra quanto ele acha os outros inferiores. Por isso alguns adversários magoados são capazes de chamar de convencido um vencedor voraz e franco. Mas pode haver o vencedor que se porta como superior a quem perdeu ou a quem disputa com ele um lugar no grupo ou na sociedade.
Ao comunicador da fé cabe buscar a humildade de quem não mente, diz o que deve ser dito, mas assim mesmo se abre ao diálogo. Agirá como alguém convicto, mas não convencido que está acima dos outros.
Convictos do que dizemos e fazemos, mas sem agir como quem sabe tudo, eis o desafio! Quem aceita se corrigir e admite que precisa mudar alguma coisa é certamente um convicto humilde. Quem jamais muda e acha que os outros é que devem se converter ou mudar porque ele não está e não pode nunca estar errado, nem mesmo em algumas coisas, talvez seja mais convencido do que convicto. Dialogar com ele é simplesmente impossível. Para ele não há iguais! Quem tem que mudar para achar a verdade que ele já achou é o outro! Mas nenhum convencido acha que é. Ele dirá que é convicto e nada mais do que isso. Humildade não é seu departamento!

terça-feira, 11 de novembro de 2014

O TEMPO É UM DIAMANTE.

Numa noite de verão, banhada pelo luar, um homem caminhava sozinho pela praia do mar. Enquanto caminhava, sonhava com aquilo que a vida poderia dar-lhe: um carro novo, um trabalho altamente remunerado, uma companheira encantadora... Suas divagações foram interrompidas por uma pequena sacola nas areias. Infelizmente continha apenas pequenas pedras redondas.
Uma a uma, ele as foi jogando nas ondas, repetindo o estribilho: se eu tivesse... E desfilava seus sonhos. As pequenas pedras foram jogadas no mar. Sobrou apenas uma, que ele decidiu guardar como lembrança. No dia seguinte, o homem deu-se conta que a suposta pedra era um diamante. Deu-se conta também que os outros diamantes haviam sido perdidos, sepultados para sempre no mar.
Assim é a vida das pessoas. Imaginam a felicidade longe, quando ela está tão perto. Está em nossas mãos. Cada dia que passa é um diamante, um presente que Deus nos deu para nosso amadurecimento. Muitos deles são desperdiçados irresponsavelmente. Outro diamante se chama família. A rotina acaba por empobrecer nossos relacionamentos e os dias passam na mesmice, esperando um dia diferente, encantado, carregado de nossos sonhos.
Um diamante carrega o nome de trabalho. Por vezes é visto como um peso, que de bom grado jogaríamos fora. Na sequência dos diamantes, um deles é de importância decisiva. Seu nome: fé. Mais uma vez, podemos ficar na superfície. Fazemos as coisas por fazer, sem vibração e júbilo. Pelo contrário, deixamos que se envolvam num tédio imenso. Fazemos o mínimo e justificamo-nos: cumpri minha obrigação.
E assim, de dia em dia, de oportunidade em oportunidade, jogamos nas ondas da indiferença diamantes preciosos que dariam novo significado à nossa vida. Sonhamos, mas jogamos fora as oportunidades que poderiam realizar nossos sonhos. E carregamos conosco a suspeita que um dia tudo vai mudar. Mas os dias passam, nada muda e quando nos damos conta estamos de mãos vazias. E no fim da viagem.
Temos a incrível oportunidade de transformar as pequenas coisas de cada dia, dando-lhe sentido, qualificando-as, permitindo que elas nos façam felizes. Aniversário é uma vez por ano, loteria pode nunca nos contemplar. Mas o tempo está em nossas mãos. Podemos sempre criar momentos mágicos. Os dias e os anos passam e deixar para amanhã é irresponsabilidade. Se uma coisa é importante não podemos deixar para amanhã. O tempo de Deus se chama hoje. O tempo é um diamante, é um presente de Deus. Traz dentro de si a realização de nossos sonhos, a possibilidade de sermos felizes.

segunda-feira, 10 de novembro de 2014

"CONTE SEMPRE COMIGO!"

Ouve-se pouco falar do assunto “presença”. Fala-se de quem estava presente neste ou naquele ato, ou de quem não pode estar; anunciam-se presenças ilustres em determinados eventos para motivar outras presenças e maior participação; criticam-se convidados de honra que não marcam presença e não justificam o motivo da ausência; criam-se contágios festivos com presenças animadoras; lamenta-se quando aparecem presenças indesejadas etc... Presença e ausência são questão de convivência e muito mais.
Como tantos temas, a categoria presença é uma realidade que vale a pena ser tratada e refletida. Às vezes, se vai vivendo e convivendo e uma certa rotina nos invade. Isso pode tirar a relevância de questões muito importantes e assim vão passando para a sombra do nosso cotidiano.
Que diferença existe entre “ser presença” e “estar presente”? Em verdade, eu posso estar presente sem ser presença. Isso se dá quando predomina a formalidade, a conveniência e não há laços, nem compromissos de vida e amizade. Chego e saio, participo e me ausento sem deixar marcas mais profundas e significativas, nem ao momento e nem às pessoas.
Posso estar presente por interesses pessoais e quando alcancei o objetivo serei um ilustre ausente. Um exemplo dessa mesquinha realidade acontece em tempos de campanha política. São efusivos e abundantes os abraços, beijos e gestos de proximidade; prometem-se compromissos de imediata generosidade; chora-se em enterros; aplaudem-se momentos festivos e aqui o “estar presente” continua sendo uma encenação de oportunismos.
Não é estranho o “estar presente” de quem chega para agradar o companheiro ou a companheira com quem vai andando. A ocasião pode despertar um vínculo, mas pode se tornar uma simples passagem insignificante para quem convidou ou necessita do conforto e da ajuda.
Felizmente pode-se “estar presente” como decorrência do “ser presença”. Nesse caso há vínculos de amizade e comprometimentos cultivados e comprovados de longo tempo e de sincera convivência. Quando se é presença, se está presente com o todo de nosso ser. Nem nas horas de alegria precisamos dar muitos gritos e nem nas horas de tristeza precisamos dizer muitas palavras. A presença já aumenta o contágio da festa e confirma a solidariedade na dor.
Quando se é presença na vida das pessoas, ao chegar a hora da festa, o abraço e o sorriso aumentam a graça dos festejados. Quando se é presença na vida, na hora do sofrimento, do luto e da dor o silêncio da sintonia já transmite a grande mensagem da solidariedade. Geralmente, quando se é presença na família, na comunidade e nos ambientes de trabalho, não precisamos de muita explicação e de muitas palavras. A presença amorosa e comprometida já fala por si.
Quem sabe ser presença na vida das pessoas jamais cairá no esquecimento. A pessoa é presença quando sempre se pode contar com ela: na alegria ou na tristeza, na saúde ou na doença. Como faz bem ouvir de alguém: “Conte sempre comigo!”

sábado, 8 de novembro de 2014

TRANSFORME O SEU CRER, NO SEU FAZER.

1 Religue-se. Evite o solipsismo, o individualismo, a solidão nefasta. Religue-se ao mais profundo de si mesmo, lá onde se cultivam os bens infinitos; à natureza, da qual somos todos expressão e consciência; ao próximo, de quem inevitavelmente dependemos; a Deus, que nos ama incondicionalmente. Isto é religião, re-ligar.
2. Tenha presente que as religiões surgiram na história da humanidade há cerca de oito mil anos. A espiritualidade, porém, é tão antiga quanto a própria humanidade. Ela é o fundamento de toda religião, assim como o amor em relação à família. Busque na sua religião aprimorar a sua espiritualidade. Desconfie de religião que não cultiva a espiritualidade e prioriza dogmas, preceitos, mandamentos, hierarquias e leis.
3. Verifique se a sua religião está centrada no dom maior de Deus: a vida. Religião centrada na autoridade, na doutrina, na ideia de pecado, na predestinação, é ópio do povo. “Vim para que todos tenham vida e vida em abundância”, disse Jesus . Portanto, a religião não pode manter-se indiferente a tudo que impede ou ameaça a vida: opressão, exclusão, submissão, discriminação, desqualificação de quem não abraça o mesmo credo.
4. Engaje-se numa comunidade religiosa comprometida com o aprimoramento da espiritualidade. Religião é comunhão. E imprima à sua comunidade caráter social: combate à miséria; solidariedade aos pobres e injustiçados; defesa intransigente da vida; denúncia das estruturas de morte; anúncio de um “outro mundo possível”, mais justo e livre, onde todos possam viver com dignidade e felicidade.
5. Interiorize sua experiência religiosa. Transforme o seu crer no seu fazer. Reduza a contradição entre a sua oração e a sua ação. Faça pelos outros o que gostaria que fizessem por você. Ame assim como Deus nos ama: incondicionalmente.
6. Ore. Religião sem oração é cardápio sem alimento. Reserve um momento de seu dia para encontrar-se com Deus no mais íntimo de si mesmo. Medite. Deixe o Espírito divino lapidar o seu espírito, desatar os seus nós interiores, dilatar sua capacidade amorosa.
7. Seja tolerante com as outras religiões, assim como gostaria que fossem com a sua. Livre-se de qualquer tendência fundamentalista de quem se julga dono da verdade e melhor intérprete da vontade de Deus. Procure dialogar com aqueles que manifestam crenças diferentes da sua. Quem ama não é intolerante.
8. Lembre-se: Deus não tem religião. Nós é que, ao institucionalizar diferentes experiências espirituais, criamos as religiões. Todas elas estão inseridas neste mundo em que vivemos e mantêm com ele uma intrínseca inter-relação. Toda religião desempenha, na sociedade em que se insere, um papel político, seja legitimando injustiças, ao se manter indiferente a elas, seja ao denunciá-las proféticamente em nome do princípio de que somos todos filhos e filhas de Deus. Portanto, temos o direito de fazer da humanidade uma família.
9. A árvore se conhece pelos frutos. Avalie se a sua religião é amorosa ou excludente, semeadora de bênçãos ou arauto do inferno, serva do projeto de Deus na história humana ou do poder do dinheiro.
10. Deus é amor. Religião que não conduz ao amor não é coisa de Deus. Mais importante que ter fé, abraçar uma religião, frequentar templos, é amar. “Ainda que eu tivesse fé capaz de transportar montanhas, se não tivesse o amor isso de nada me serviria”, disse o apóstolo Paulo. Mais vale um ateu que ama que um crente que odeia, discrimina e oprime. O amor é a raiz e o fruto de toda verdadeira religião; e a experiência de Deus, de toda autêntica fé.

sexta-feira, 7 de novembro de 2014

A BARRIGA FOI CRESCENDO E ELE FOI SE AFASTANDO.

Este final de ano está sendo amargo para muitas mulheres nos morros cariocas. Mulheres que perderam seus maridos ou seus filhos, de um jeito ou de outro, na luta do tráfico que recentemente banhou de sangue redutos específicos do narcotráfico da cidade. Entre elas, destaca-se um grupo: o das moças ainda muito jovens que tiveram filhos com membros do tráfico e agora se veem sozinhas para criá-los.
Os traficantes que fugiram do Complexo do Alemão, por exemplo, deixaram para trás famílias despedaçadas. São mães adolescentes com filhos para criar. Envolveram-se com eles por amor ou por deslumbramento com o que o dinheiro podia comprar. “Ele usava tênis de marca”, diz uma.
Juntamente com o tênis de marca estava o fuzil, a droga, a violência. E a brutalidade sem trégua, principal trama do tecido cotidiano. “Chegava em casa armado, drogado, não sabia o que tava falando, só queria saber de usar droga”, relata outra.
E quando a violência explodia, a única saída era ficar bem quieta. “A gente não podia fazer nada, porque apanhava a família toda.” Potenciada pela droga, a agressividade transformava a casa e a vida em verdadeiro inferno. Ali, no meio deste inferno, essas quase meninas, meio mulheres, levaram para frente, na mais profunda solidão e sofrimento, a gravidez e o nascimento dos filhos.
Algumas tinham família, chegavam a pedir apoio. Mas na maior parte das vezes a família, por medo ou por raiva, desistia de lutar pela menina e pelo filho do traficante que ela trazia no ventre. “Você quis se envolver com ele, o problema é seu.” Expulsa de casa, ela ia viver no inferno do tráfico, partilhando a insegurança e a ameaça constante contra sua vida e a de seu filho.
Em alguns casos, elas contam que o relacionamento no começo foi bom. Ele dizia que queria sair daquela vida, fazia promessas... mas o dinheiro começava a entrar. E o rapaz via que podia ter todas as mulheres que quisesse com a sedução do dinheiro do tráfico. E muitas, desconsoladas, contam: “A barriga foi crescendo, aí ele foi se afastando”, lembra. “Eles nunca são presentes. Eles nunca podem ir numa coisa de pré-natal, assistir contigo. Eles não podem ir lá ver você ganhar neném”.
Sem saída, elas começaram a criar os filhos de pais traficantes que já não estavam presentes durante a gravidez. Com enorme dificuldade sustentavam os filhos que os pais traficantes na maioria das vezes se recusavam a sustentar. “Dinheiro entrava, e muito. Mas ele pensava mais nele e nas coisas que tinha que comprar pra dentro da casa. Coisa de criança ele não comprava nada, não.”
A maioria delas é vitima de uma cultura machista, onde a mulher é vista como objeto e totalmente desvalorizada. Considerada propriedade do homem que quando quer a tem, mas ao mesmo tempo tem outras tantas na rua. Elas entraram na relação com eles sabendo que estavam no tráfico, convivendo com o namorado armado por toda parte. De tal maneira a cultura da violência havia entrado nelas que não questionavam esse estado de coisas. Eram cenas que presenciavam desde crianças elas mesmas. “Desde pequena já vivia com aquilo. Andava na rua, via, então isso não me assustava.”
Com a ocupação da comunidade pelo Estado, existe a esperança de que se possa reconstruir a ordem e a paz ali onde antes o império do tráfico era a lei. Mas para essas mães quase meninas a ausência irremediável do companheiro pesa mais do que tudo. Mesmo sendo ausente, era uma presença, era o pai de seu filho. Agora estão totalmente sem ninguém. E com a responsabilidade de criar os filhos. Sentem-se sozinhas, desamparadas. Muitas recorrem às famílias e não são recebidas.
Algumas, ajudadas por um projeto social “Meninas mães”, sentem-se mais fortalecidas e conscientes. Pretendem criar bem os filhos, dedicar-se a eles. Para outras, a solidariedade e a responsabilidade serão um duro aprendizado, traumatizadas que ainda estão pelo medo e pelo terror em que sempre viveram.
Neste final de ano, no morro tem muitas crianças pequenas em situação parecida à de Jesus ao nascer: sem lugar, sem proteção, perseguido, pobre. Que o Estado e a comunidade possam ajudar a que essas crianças e suas mães, também crianças, consigam re-situar-se na sociedade e acreditar no seu valor como pessoas

quinta-feira, 6 de novembro de 2014

É... SEM DEUS NÃO DÁ!

Jesus nasceu num período violento em Israel. Herodes, louco pelo poder, matou sua esposa Mariamne, seus dois filhos, a sogra e muitos desafetos. Ao morrer, afirma-se que mandou reunir num estádio a nata da cidade, com ordens de que fosse morta. Assim, o reino choraria, senão por ele, por causa dele. Não é difícil imaginar que ele tenha mandado matar crianças.
Nos tempos de Jesus, os romanos não hesitavam em arrasar cidades inteiras que se rebelassem. Um dos argumentos para matar Jesus foi exatamente este: “Se suas ideias vencerem, virão os romanos e ocuparão nossa terra e nosso povo”.
Os cristãos foram vítimas de violências inauditas, mas, quando chegaram ao poder, nem sempre a coibiram. Judeus, cristãos e muçulmanos precisamos todos pedir desculpas pelos irmãos que nos precederam. Mataram em nome da fé! E precisamos pedí-las agora, pelos irmãos que, usando o nome de católicos, evangélicos, pentecostais, judeus ou muçulmanos, ainda matam ou odeiam em nome da fé.
As Igrejas  esforçam-se para este magno problema: educar para o diálogo e para a paz. Deu certo? Talvez sim, talvez não, mas seriam culpados se não pusessem o dedo nessa que é uma das piores chagas do mundo: a violência urbana e rural. Os que recorrem à violência para atingir seus objetivos não são confiáveis. Depois de atingi-los, farão violência para mantê-los. Quem mata para ter mais, em geral, mata para não perder o que conseguiu.
Amansemos a fera humana! Sem fé serena, sem diálogo, sem família, sem vizinhança e sem escola, não deu e não dá! Sem Deus não dá!

quarta-feira, 5 de novembro de 2014

O MOMENTO CERTO.


Ela se chamava Gabriela e preparava-se para a festa dos quinze anos. Feições simples, simpática, fazia tudo com intensidade. Líder na escola, invariavelmente, recebia as melhores notas, sobrava tempo para integrar a equipe de liturgia da comunidade e, semanalmente, dedicava uma tarde para animar o grupo do lar dos idosos. Na tarde de sábado ensaiava a encenação natalina. A ela cabia desempenhar o papel de Maria, a Maria do Sim, mãe de Jesus. Ao retornar para casa, um motorista embriagado causou-lhe a morte. Em seu túmulo foi escrita uma frase, que resume sua vida: Ela fez tudo o que podia, quando podia.
No portal do tempo, o ano de 2014, cansado, afunda no oceano do passado, enquanto desponta cheio de cores e promessas o Novo Ano. É um momento propício para uma meditação sobre o papel do tempo. Já o genial Agostinho de Hipona, no século IV, ficava perplexo diante do tempo, algo que todos sabem o que é, mas que ninguém consegue definir. Os romanos tinham uma divindade protetora do tempo, chamada Occasio, isto é, a Ocasião Oportuna, o momento certo. No futebol, numa orquestra, numa solenidade, existe sempre o momento certo. Não antes, nem depois. Há um tempo certo para a fruta madura. Antes é verde, depois apodrece.
Os gregos também se debruçaram sobre o tempo e acharam melhor dar-lhe duas dimensões. Cronos é o tempo comum. É o tempo do calendário, da cronologia. Já o Kairós é o tempo de Deus. É a passagem de Deus pela nossa vida e que suscita tempos especiais, mágicos, densos de vida. São esses momentos que fazem a diferença na cronologia de nossa vida.
Na impossibilidade de engessar o tempo, para melhor situá-lo, nós o cortamos em fatias: minutos, horas, dias, meses, anos e séculos. Também tentamos percebê-lo através de três dimensões: passado, presente e futuro. Ou ainda: ontem, hoje e amanhã. Mesmo assim, não sabemos comportar-nos diante desses três estágios. Preocupamo-nos com o ontem e amanhã e descuidamos o hoje. O passado é definitivo e imutável, o futuro é desconhecido. Na realidade, sobra apenas o momento presente. Isso sugere que o tempo é um presente de Deus.
O já citado Agostinho deu-se conta que ele jogava para o futuro suas decisões, que implicavam mudança de vida: “Amanhã, sempre amanhã, por que não hoje?” O raciocínio está correto. Deus oferece sempre, e a todos, o perdão, mas não garante a ninguém o dia de amanhã. O tempo de Deus – kairós – é hoje. O passado deve ser entregue à misericórdia, o futuro à providência. Peregrinos, terminais, sem previsão de chegada, temos em mãos a preciosa moeda do presente. É com ela que podemos construir a eternidade. O tempo pode ser definido com espaço do amor do Pai.

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

SE A HUMANIDADE NÃO SE ACERTAR...,

As nações poderosas do mundo insistem em enfrentar o problema do aquecimento global com medidas estruturadas ao redor da economia. E aqui reside o grande equívoco, pois o sistema econômico que gerou a crise não pode ser o mesmo que nos vai tirar da crise. Usando uma expressão já usada pelo autor: tentando limar os dentes do lobo, crê-se tirar-lhe a ferocidade, na ilusão de que esta reside nos dentes e não na natureza do próprio lobo. A lógica da economia dominante que visa o crescimento e o aumento do PIB implica na dominação da natureza, na desconsideração da equidade social e da falta de solidariedade para com as futuras gerações. E querem-nos fazer crer que esta dinâmica nos vai tirar das muitas crises, sobretudo a do aquecimento global.
Mas cumpre enfatizar: chegamos a um ponto em que se exige um completo repensamento e reorientação de nosso modo de estar no mundo. Não basta apenas uma mudança de vontade, mas sobretudo se exige a transformação da imaginação. A imaginação é a capacidade de projetar outros modos de ser, de agir, de produzir, de consumir, de nos relacionarmos uns com os outros e com a Terra. A Carta da Terra foi ao coração do problema e de sua possível solução ao afirmar: “Como nunca antes na história, o destino comum nos conclama a buscar um novo começo. Isto requer uma mudança nas mentes e nos corações. Requer um novo sentido de interdependência global e de responsabilidade universal. Devemos desenvolver e aplicar com imaginação a visão de um modo de vida sustentável aos níveis local, nacional, regional. Predomina a convicção de que a crise da Terra é conjuntural e não estrutural e pode ser enfrentada com o arsenal de meios que o sistema dispõe, com acordos entre chefes de Estado e empresários, quando toda a comunidade mundial deveria ser envolvida. A referência de base não é a Terra como um todo, mas os estados-nações, cada qual com seus interesses particulares, regidos pela lógica do individualismo e não pela da cooperação. Não se firmou ainda na consciência coletiva o fato de que o Planeta é pequeno, possui recursos limitados, se encontra superpovoado, contaminado, empobrecido e doente. Não se fala em dívida ecológica. Não se toma a sério a crise ecológica generalizada que é mais que o aquecimento global. Não são suficientes a adaptação e a mitigação sem conferir centralidade à grave injustiça social mundial, aos massivos fluxos migratórios que alcançaram já a cifra de 60 milhões de pessoas, a destruição de economias frágeis com o crescimento de pobres e famintos, a violação do direito à seguridade alimentar e à saúde. Falta articular a justiça social com a justiça ecológica. O que se impõe, na verdade, é um novo olhar sobre a Terra. Ela não pode continuar a ser um baú sem fundo de recursos a serem explorados para benefício exclusivamente humano, sem considerar os outros seres vivos que também precisam da biosfera. A Terra é Mãe e Gaia. A crise não reside na geofísica da Terra, mas na nossa relação de agressão para com ela. Nós nos tornamos numa força geofísica altamente destrutiva, inaugurando, como já se fala, o antropoceno, uma nova era geológica marcada pela intensiva intervenção descuidada e irresponsável do ser humano.
Se a humanidade não se acertar ao redor de alguns valores mínimos como a sustentabilidade, o cuidado, a responsabilidade coletiva, a cooperação e a compaixão, poderemos nos acercar de um abismo, aberto lá na frente.

domingo, 2 de novembro de 2014

A GRANDEZA DE CONVIVER COM O DIFERENTE.

Ao refletir sobre o tempo no coração da vida, lembrei-me de uma antiga frase que sempre me deixou inquieto: “Tempo é questão de preferência!” Acho que pode ser um assunto a ser tratado com carinho. Em primeiro lugar necessitamos situar em que nível deva ser entendida a tal de “preferência”. Há preferências que brotam de um nível natural e quase instintivo. Nesse nível a ocupação do tempo pode ser equivocada e perigosa. Em manhã fria de inverno, ao natural, prefiro levantar-me cedo para dedicar o tempo ao trabalho ou prefiro continuar dormindo? Ao natural, prefiro programar um dia organizado e dinâmico ou disperso e descomprometido? As preferências naturais nem sempre são as melhores para uma boa formação no que se refere à ocupação do tempo.
Organizar a administração do tempo ao impulso das preferências mais agradáveis e fáceis parece ser uma tendência forte de nossa época. Nesse caminho corre-se o risco de ir renunciando a capacidade de ser sujeito da história e ir se tornando objeto de manipulação alienada. Neste nível, o tempo precisa superar a questão de preferência para ser vivido numa perspectiva de escolha responsável e construtiva.
Também em nível psicológico precisamos cuidar das preferências na ocupação do tempo. Se eu escolho ocupar-me acentuadamente com as pessoas de minha simpatia e que fecham com meu modo de pensar e sentir, não tarda a acomodação e a mesquinhez. A grandeza de uma vida se faz pela capacidade de superar as preferências naturais para aprender a conviver com o diferente, com quem precisa de mim e desafia minha maturidade afetiva, emocional e sentimental.
Já podemos nos dar conta que a expressão “tempo é questão de preferência”, pode ser uma tendência, mas não uma verdade que liberta. Se programarmos a vida ocupando-nos só com o que preferimos, corremos o risco de deixar de lado o que é mais importante. Vidas humanas precisam ir à luta para aprender a preferir também o que ao natural não parece preferível.
O cultivo de uma espiritualidade cristã é que vai ajustando nossas preferências que merecem ocupar nosso tempo. A espiritualidade vai nos mostrando critérios e nos dando motivações para fazer escolhas certas, tornando-as preferências certas para uma vida rica de sentido. A espiritualidade cristã nada despreza do que é humano. O trabalho, o estudo, o lazer, os cuidados naturais da vida, vão se integrando no todo de uma existência normal e vão se ajustando dentro de uma luz maior que faz ver e viver a verdade total do ser humano.
Podemos manter como verdadeira a frase “tempo é questão de preferência”, desde que sejam realmente escolhas nobres e dignificantes, na medida de nossa dignidade de filhos de Deus e irmãos uns dos outros.