sexta-feira, 31 de março de 2017

QUE PERMANEÇA O AMOR

Em tempos sombrios e de crises que não acabam, a sensação é de que a vida se reduz a um turbilhão de forças caóticas cujo resultado imprevisível nos dá a impressão de que ela é, como diz Sartre, “uma paixão inútil”.

Em tempos de crise de paradigmas em que o passado já não conduz o presente e o futuro parece uma nuvem tenebrosa e assustadora vindo em nossa direção, a banalidade do cotidiano e a luta pela sobrevivência nos jogam ora para o tédio, ora para o desespero ou o desencanto.

Em tempos, como o nosso, em que o materialismo e o exagerado apego ao dinheiro, fruto visível do deus mercado invisível, que a todos vampirizam, alimentando-se do sangue, suor e lágrimas dos comuns dos mortais no mundo do trabalho, os valores que dariam sentido à vida parecem estar, de repente, em franca retirada, e o que sobra, como tábua de salvação, parece ser tão somente o viver por viver.

Violências de todo tipo. Exclusões. Intolerâncias. Perdas de direitos. Desencanto com a política. Desencanto com as religiões. Desencanto com as instituições e seus líderes. Hipocrisias e cinismos misturados a sofrimentos e tristezas profundas, ansiedades e depressões, convivendo, lado a lado, com o espetáculo e a obrigação virtual de ser feliz, numa espécie de jogo de luz e sombra sem fim, isso tudo cansa.

A sensação é de que vivemos em um tempo em que já só um Deus poderá nos salvar. Um tempo em que tudo o que era sólido desmanchou no ar. Um tempo em que o deus Cronos parece devorar não só seus filhos, na morte individual inevitável de todo ser, mas também ter devorado o único item que sobrou da caixa quando Pandora, a curiosa, espalhou todos os males: a esperança!

É nesse nada luminoso tempo que duas experiências humanas são portadoras de sentido, de esperança e de libertação. O amor e a beleza. O amor e a beleza salvam o mundo. O amor e a beleza nos suspendem do chão duro da banalidade do mal cotidiano. O amor e a beleza encantam o mundo. O amor e a beleza nos fazem ressuscitar e nos dão um alento revigorador.

O amor e a beleza! E se faltar a beleza, que permaneça o Amor!

A NOSSA DESIGUALDADE

A euforia dos golpistas que tiraram do poder uma presidenta legitimamente eleita com a forçação de argumentos jurídicos, terminou em poucas semanas. Agora que se conhecem as tramoias, nota-se a farsa que se transformou em tragédia nacional. Ocupam a cena, um presidente ilegítimo, fraco e parco de luzes, grande número de ministros e parlamentares denunciados pela Lava-Jato, que tentam propor com a maior celeridade possível, projetos claramente anti-povo e anti-nação. Pretendem levar até o fim o seu projeto de adesão irrestrita e agora sob Trump envergonhada, à logica do Império que busca nos alinhar a seus interesses geopolíticos.

A tragédia de nossa história que se repete de tempos em tempos é a negação de direitos ao povo, aos pobres, é a difamação dos movimentos e de seus líderes carismáticos. Sempre irrompem no cenário político, as velhas elites, herdeiras da Casa Grande para conspirar contra eles, criminalizar suas movimentos, empurrar os pobres para as periferias de onde nunca deveriam ter saído.

Face a todos esses, as oligarquias e, em geral, os conservadores e até reacionários, mostram-se perversos, apoiados por uma imprensa malvada e sem vínculo com a verdade pois distorce e mente.

A classe dominante se irrita sobremaneira por ter permitido um trabalhador tornar-se Presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, extremamente inteligente, muito mais que a maioria deles, com uma liderança carismática que impressionou o mundo inteiro. Seu governo fez mais transformações que eles, por todo o tempo que estiveram no poder.

Com Lula o povo ganhou centralidade e o considera o maior presidente que este país já teve. Com frequência se ouve de suas bocas: “foi um presidente que sempre pensou em nós, os pobres, e que fez políticas sociais que melhoraram nossas vidas e que nos devolveram dignidade”.

A nossa desigualdade é uma das maiores do mundo. Jessé Souza, ex-presidente do IPEA revelou recentemente que o topo da pirâmide social brasileira é composta por cerca de mais de 71 mil bilhardários E são beneficiados por isenções de impostos sobre lucros e dividendos, enquanto os trabalhadores são penalizados. Por isso que há crise na Previdência cuja solução proposta é tão desumana que muitos jamais poderão se aposentar. Segundo o Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional, 500 bilhões de reais foram sonegados em 2016 especialmente pelas grandes empresas. Por que os governantes não correm atrás desse dinheiro para fechar as contas da Previdência? Por que se acovardam diante da pressão dos poderosos e dos donos da grandes mídias, também elas corrompidas? Estes endinheirados não negam a democracia, pois seria vergonhoso demais. Mas querem uma democracia de baixa intensidade, um Brasil para poucos e um Estado não de direito mas de privilégio. Ocupam os aparelhos de Estado para mais facilmente se enriquecerem. Quase todos os políticos, com raras exceções, estão metidos em corrupções.

Ao contrário, há grupos progressistas, inclusive empresários nacionalistas, que ganharam corpo no PT e nos seus aliados, não obstante a contaminação de muitos também pela corrupção, postulam um Brasil para todos, autônomo, com projeto nacional próprio que resgata a multidão dos injustamente deserdados com políticas sociais consistentes, visando a completa emancipação.

Todos aqueles que acorriam às ruas contra a Dilma e batiam panelas, andam como zumbis, perplexos e envergonhados pela política de desmonte e entreguista que está sendo implantada.

Há setores da justiça, geralmente de costas para o povo, que avalizaram o golpe, fechando os olhos para aqueles corruptos que preparam e realizaram o golpe, única forma de arrebatar o poder central que não conseguiriam conquistar pelo voto. Penso no PSDB, partido pretensioso, cuja base social é a classe média conservadora e intelectuais afins ao sistema-mundo, com mentalidade neocolonialista.

Estes renovaram a tragédia política brasileira como foi com Vargas e com Jango, culminando com a ditadura militar. Agora no lugar dos tanques e das baionetas funcionaram as tramoias parlamentares, e com uma jurisprudência capenga, por vezes histérica, para afastar a presidenta Dilma Rousseff. O grande analista das políticas internacionais, Moniz Bandeira, nos advertiu da presença dos órgãos de segurança dos USA na montagem e realização do golpe no Brasil, como fizeram antes em Honduras, depois no Paraguai e agora no Brasil. Trata-se de controlar a 7º economia do mundo e enfraquecer os BRICS onde o Brasil está.

Mas não triunfarão. O povo despertou, mantem viva a esperança que forjará a reconstrução do Brasil

quinta-feira, 30 de março de 2017

A MAIOR EXTENSÃO ÚMIDA DO PLANETA

De acordo com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (IBMA), o Pantanal é uma das maiores extensões úmidas contínuas do planeta. Com apenas uma pequena faixa dele presente no Paraguai e na Bolívia, é quase exclusivamente brasileiro. É caracterizado por inundações de longa duração que ocorrem anualmente na planície, e provocam alterações no ambiente, na vida silvestre e no cotidiano das populações locais. Sua vegetação predominante é a savana.

Quando o período chuvoso acaba, os rios diminuem o seu volume d’água e retornam para os seus leitos. Por essa razão, a vegetação e os animais precisam adequar-se a essa movimentação das águas. A fauna é constituída por várias espécies de aves, peixes, mamíferos, répteis etc.

Os primeiros habitantes foram os indígenas com cerca de 1,5 milhões. Esta população atualmente é muito pequena e grande parte dela vive em cidades da região ou trabalham nas fazendas. Pequena parte reside numa área indígena do Pantanal. A população no pantanal brasileiro hoje é de aproximadamente 1.100.000 pessoas.

Apensar da ilegalidade, o tráfico, a caça e a venda de peles, couro ou artefatos oriundos de animais silvestres são práticas que ocorrem na região. Várias espécies de animais já estiveram ameaçadas de extinção. O avanço da agropecuária também é um fenômeno preocupante para o bioma.

quarta-feira, 29 de março de 2017

ADIVINHE O GASTO EM PUBLICIDADE DO GOVERNO PARA MANTER-SE NO PODER.

Em abril completa-se um ano do golpe parlamentar. Na véspera deste marco histórico da ruptura da democracia brasileira é preciso ver seus resultados. Historicamente nenhum golpe em sistema democrático trouxe benefícios aos cidadãos, apenas aumentou conflitos e rupturas políticas e sociais. No Brasil, os resultados por ora confirmam esta premissa.

Todos os indicadores econômicos encerram o ano de 2016 com resultados catastróficos, conforme pesquisa da Confederação Nacional das Indústrias (CNI). O setor de faturamento retrocedeu 12,1%. Os indicadores de produção tiveram uma queda de 7,6%. A produção industrial acumulou uma queda de 6,6%. Nas indústrias extrativas as quedas foram de 9,4%. Nos produtos derivados do petróleo e biocombustível o recuo chegou a 8,5%. Nos veículos automotores, reboques e carrocerias, foi de 11,4%. No setor de arrecadação de impostos bateu recordes negativos com déficit primário de 139 bilhões e redução de 2% do Produto Interno Bruto. O mercado aéreo do Brasil foi o único a registrar queda de 5,5%, enquanto a média mundial foi de crescimento de 5,7%. Na política salarial a diferença entre o setor público e o privado nunca foi tão grande como agora, a diferença passou para 63,8%. O desemprego atingiu números assustadores 12%, 23 milhões de desempregados. Os investimentos concedidos pelos bancos encolheram 88,3% bilhões. As consultas de empresas a empréstimos recuaram em 11%, equivalente de 110,39 bilhões. Estes são alguns dos indicadores recolhidos pela pesquisa da Confederação Nacional das Indústrias ao fechar o ano de 2016.

Diante dos resultados negativos da economia há que se fazer uma reflexão serena e desprovida de interesses políticos do golpe de Estado. Na origem do golpe estão os senhores parlamentares – deputados e senadores. Destes, 60% estão envolvidos com a corrupção. Os nobres parlamentares instituíram um processo de cassação da presidente pelas “pedaladas fiscais”, uma prática corriqueira feita pelos governos anteriores e governadores para cobrir o déficit nas contas públicas. Nas vésperas de completar um ano, cientistas políticos dizem que o golpe financiado pelas oligarquias, semelhante ao acontecido em Honduras e no Paraguai, transformou o país na “República da Banana”. Isto é, um país politicamente instável, corrompido e economicamente falido como mostram alguns Estados da federação.

Além de um país em situação de recessão econômica, o presidente Michel Temer, entronizado por seus acólitos, a maioria envolvidos em corrupção, é alvo de investigação pela operação da Polícia Federal. Conforme pergunta ao povo brasileiro sobre intenção de voto para presidente, nem 2% da população votaria nele. Como se não bastasse o catastrófico resultado do golpe, a população brasileira tem assistido o corte do orçamento para saúde, educação, segurança, saneamento básico, transporte, alimentação, etc. A face mais cruel do golpe é a PEC do congelamento deste orçamento que já era pífio anteriormente por vinte anos. Mas, o mais perverso do golpe, para manter-se no poder o governo já gastou cinco vezes mais em publicidade do que os recursos destinados para estes setores básicos da população.


terça-feira, 28 de março de 2017

A IMPORTÂNCIA DO SABER ESCUTAR

Já não é possível, e correto, dizer que temos um corpo e que os sentidos são instrumentos do corpo. Na verdade, apropriado é dizer que somos corpo e os cinco sentidos são antenas avançadas do corpo que captam e se comunicam com o mundo exterior. Os sentidos são as aberturas do corpo para o mundo. Através dos sentidos o corpo inteiro saboreia, o corpo tateia, cheira, vê e ouve.

O que de fato impressiona é como a evolução da matéria cega, surda, muda e opaca pode ter dado esse verdadeiro salto revolucionário, nos munindo de sentidos perfeitamente ajustados ao corpo. Ninguém sabe. Mas sabemos o quanto de apropriado é o nosso sistema vivo e animado, por dento e por fora, cujos sentidos são a justa medida. É claro que, às vezes, seria bom não tocar, não cheirar, não ver, não degustar e não ouvir certas coisas que vem do mundo exterior. Mas, fora as exceções, como é divino o nosso corpo e suas aberturas para o mundo. E das aberturas, o que dizer do ouvido?

Primeiro uma distinção básica. Uma coisa é ouvir, outra é escutar. Comumente ouvimos os sons que nos rodeiam, mas raramente escutamos e prestamos acurada atenção, dispondo-nos ao silêncio interior para nos entregarmos totalmente ao portador da sonoridade.

Ouvir é um imperativo, uma faculdade automática do corpo. Escutar, por sua vez, é uma arte e, como tal, requer educação, sensibilidade e, decisão. É possível não ouvir, tapando o ouvido, por exemplo e, por isso, o próprio ouvir pode ser uma decisão, mas o escutar é absolutamente uma decisão. Se não quisermos, mesmo ouvindo muito bem, não prestamos atenção, não escutamos.

Nesse caso poderíamos dizer que escutar verdadeiramente é ouvir com o coração. E em tempos em que muito se ouve e pouco se escuta, o ato de escutar é o que há de mais humanizador. Saber escutar é redentor para quem fala, pois na fala se dá o milagre da libertação de quem fala, e acontece a salvação para quem escuta, porque é pela palavra que o outro se revela a nós e nos tira do narcisismo e da solidão. Quem não sabe escutar vive preso às amarras do eu. Quem não fala, por ninguém o escutar, vive preso atado a fantasmas que só se dissolvem pela fala...

Em segundo lugar, apenas uma breve observação de ordem anatómica conectada a uma simbologia. Somos uma boca e duas orelhas. Porque somos assim e não com uma orelha apenas, pouco importa. O que importa é que o fato da natureza de dispormos de duas orelhas, pode indicar simbolicamente que sempre devemos ouvir e, sobretudo, escutar o outro lado. As fofocas, as injúrias, as calúnias, as difamações, os maldizeres fazem estrago em quem fala, mas também em quem escuta se um ouvido não abrir as portas para deixar sair o que o outro ouvido escutou. Há uma arte e sabedoria no escutar e no guardar o que se escuta, assim como há uma arte e sabedoria em saber esquecer

segunda-feira, 27 de março de 2017

O AMOR PELA VIDA DO OUTRO.

“A vida é uma dádiva de Deus”! No entanto, entender a vida como um presente demanda uma opção - cuidar dela. No mundo atual em que o sistema produz milhões de vítimas em situação de miséria absoluta, cuidar da vida implica combater os meios de exclusão social.

A vida não é um presente que com o passar dos tempos deixa-se de lado esquecido numa gaveta. Amar também não é algo abstrato. Vida e amor não se expressam por conteúdos, em palavras abstratas sem o real contexto das pessoas. Vida e amor necessitam do conhecimento das situações dos contextos sociais. Logo, vida e amor são fecundados em determinadas realidades. No atual sistema econômico neoliberal, em que países desenvolvidos dominam e exploram as nações subdesenvolvidas, os pobres vivem para financiar com suas vidas os mais ricos e poderosos. Viver neste sistema justifica inclusive ódio entre as pessoas e as nações. Consequentemente, para alguns a vida passa a ser uma insatisfação total. Em contextos desfavoráveis justifica-se até mesmo o ato de rejeitar a vida.

Ninguém pode viver a vida sem o mínimo de amor. Quem não se sente amado pelos seres humanos e oportunizado pelo sistema, não pode ficar mendigando outra condição que talvez nunca chegue a ficar saciado por inteiro. A qualidade de vida não pode chegar somente aos privilegiados pelas condições econômicas. O atual sistema econômico não pode garantir um futuro de possibilidade real de paz e harmonia à humanidade ao ser conduzido pela ganância, o poderio militar e a vontade voraz do mercado enquanto a maioria dos marginalizados vive sem as mínimas condições de qualidade de vida.

Assim como Santo Agostinho dizia que o Império Romano era uma imensa empresa de bandidos, o atual sistema continua suas conquistas pelo mercado que explora, empobrece, rouba e mata em nome do livre comércio. No declínio econômico, poderosos se tornaram mais ricos ao preço da morte, ódio e guerras entre as nações. Os chefes dos Estados podem propor políticas de mudanças, mas continuarem a silenciar e aderir ao sistema em crise privilegia aqueles que roubam a vida de milhões de pessoas. Enquanto as autoridades mundiais fazem longos discursos como no Fórum Econômico Mundial, em Davos, ocultam a realidade injusta e justificam que haverá mais ódio, guerras e morte em prol da salvação do sistema. Logo, ao reunir-se para pensar um sistema que favoreça alguns acionistas coloca em risco o futuro e as condições do planeta, e, consequentemente, o amor pela vida do outro.

domingo, 26 de março de 2017

60 ANOS DO MEU AMOR.

QUERIDA!

"Depois dos 60 anos, a beleza é resultado da simpatia, da elegância, do pensamento, não mais do corpo e dos traços físicos.
A beleza se torna um estado de espírito, um brilho nos olhos, o temperamento.
A sensualidade vai decorrer mais da sensibilidade do que da aparência.

Uma mulher chata pode ser bonita antes dos 60 anos.
Uma mulher burra pode ser bonita antes dos 60 anos.
Uma mulher egoísta pode ser bonita antes dos 60 anos.
Uma mulher deprimida pode ser bonita antes dos 60 anos.
Uma mulher desagradável pode ser bonita antes dos 60 anos.
Uma mulher oportunista pode ser bonita antes dos 60 anos.
Uma mulher covarde pode ser bonita antes dos 60.
Depois, não mais, depois acabou a facilidade. Depois o que ilumina a pele é se ela é amada ou não, se ela ama ou não, se ela é educada ou não, se ela sabe falar ou não.
Depois dos 60 anos, a beleza vem do caráter. Do jeito como os problemas são enfrentados, da alegria de acordar e da leveza ao dormir.
Depois dos 60 anos, a amizade é o creme que tira as rugas, o afeto é o protetor solar que protege o rosto.
A beleza passa a ser linguagem, bom humor. A beleza passa a ser inteligência, gentileza.
Depois dos 60,65,70,75 ... anos, só a felicidade rejuvenesce."


Feliz aniversário querida, se depender de mim você rejuvenescerá todos os dias dos teus próximos 60 anos.

sexta-feira, 24 de março de 2017

NÃO ESCREVEREI

"Cuidado, ele vai te processar e a tua vida vai virar um inferno" – disse um amigo, jornalista e editor, quando anunciei o título deste artigo.

Imediatamente, desisti de escrevê-lo.

Ontem, um ministro do STF abriu os salões de sua casa para comemorar o aniversário de um senador do PSDB que poderá ser réu em um tribunal do qual ele faz parte, mas não escreverei sobre isso.

Ontem, um ministro do STF, que também é presidente do TSE, discutiu a reforma política com delatados na lava-jato, mas não escreverei sobre isso.

Anteontem, o presidente da república nomeou o primo de um ministro do STF para o cargo de diretor da Agência Nacional de Transportes, mas não escreverei sobre isso.

No dia anterior, um ministro do STF relativizou o crime de caixa dois e disse que o ato ilícito era uma opção das empresas, mas não escreverei sobre isso.

Há meses, um ministro do STF vem comentando casos que poderá julgar, quase antecipando votos, o que fere a lei da magistratura, mas não escreverei sobre isso.

Há meses, um ministro do STF, que também é presidente do TSE, participa de jantares no palácio de Michel Temer, que é réu no mesmo TSE e será julgado pelo tal ministro, mas não escreverei sobre isso.

Há anos, um ministro do STF busca os holofotes da mídia e age de forma partidária, mas não escreverei sobre isso.

Meu amigo, o jornalista, tem razão. Ele, que também é editor de um blog concorrente, me alertou para a ausência de críticas sobre a conduta do ministro na imprensa nacional e recordou a frase de outro ministro, dita no Palácio Laranjeiras, em 13 de dezembro de 1968.

"Às favas com os escrúpulos!"

O amigo faz questão de lembrar que eram outros tempos. Naquele dia de 1968, estávamos assistindo ao golpe dentro do golpe.

Hoje, não. Hoje, vivemos numa democracia.

Por isso, não escreverei nada.

Às favas com o artigo!

quinta-feira, 23 de março de 2017

SAIR BEM NA FOTO

O grupo estava na maior das bagunças: gritos, gargalhadas, abraços... Uma verdadeira festa! Na hora da foto, o silêncio tomou conta, todos se concentraram, o olhar fixo no fotógrafo, o desejo de sair bem na foto.

Já me perguntei muitas vezes: por que as pessoas fazem silêncio no momento de um registro fotográfico? Deve ter uma explicação. Um dia alguém fará uma pesquisa e apresentará possíveis hipóteses. Enquanto isso, a captura de imagens continuará sendo precedida pelo cessar das palavras. Sem a pretensão de explicar, creio que um motivo poderia ser este: todos querem sair bem na foto. O silêncio proporciona normalidade, traz à realidade, inspira autenticidade.

Sim, para sair bem na foto, a grande maioria silencia. Não é diferente na vida. Os momentos mais exigentes são sempre sérios, sem extravagâncias. A diversão tem ocasião, espaço adequado, momento certo. Não se trata de impor regramento, nem de elevar ao destaque a seriedade. É uma questão de elegância em todos os espaços e situações, isto é, de ter a postura adequada à ocasião. O silêncio faz um bem enorme. Nem todos acreditam no poder do silêncio. Mas há quem sinta até saudades do silêncio.

Faço parte desse grupo que sente dificuldade de ficar à vontade, num ambiente onde todos falam ao mesmo tempo. O silêncio não ajuda somente na qualidade da foto. O maior auxílio, talvez, seja à interioridade: o silêncio restaura, harmoniza, embeleza. Vou continuar silenciando na hora das fotos. Não apenas nesses registros. Quero abrir muitos espaços ao silêncio para poder continuar apreciando e saboreando a alegria de viver e de conviver.

quarta-feira, 22 de março de 2017

HOJE A HISTÓRIA É AGORA.

Vivemos na era imagética, sob o domínio da informática. A torrente de imagens vicia o olho, hipnotiza-o no close da instantaneidade, no qual se fundem passado, presente e futuro. Perde-se, aos poucos, a percepção do caráter histórico do tempo. Tudo parece ser aqui-e-agora.

No século XX, a arte cinematográfica introduziu um novo conceito de tempo. Não mais o linear, histórico, que perpassa os três grandes legados judaicos: a Bíblia, a obra de Marx e a psicologia de Freud. No filme, predomina a simultaneidade. Suprimem-se as barreiras entre tempo e espaço. O tempo adquire caráter espacial e, o espaço, caráter temporal. O olhar da câmara e do espectador passa, com toda liberdade, do presente para o passado e, deste, para o futuro. Não há continuidade ininterrupta.

A TV, cujo advento ocorreu na década de 1930, levou isso ao paroxismo. Frente à simultaneidade de tempos distintos, a única âncora é o aqui-e-agora do (tele)espectador. Não há durabilidade nem direção irreversível. A linha de fundo da historicidade se dilui no coquetel de eventos onde todos os tempos se fundem. Fred Astaire aparece morto e, sobre o caixão, os clipes o exibem vivo, interpretando seus êxitos como dançarino de filmes musicais.

Assim, aos poucos, o horizonte histórico se apaga, como as luzes de um palco após o espetáculo. O idealismo sai de cena, o que permitiu Fukuyama vaticinar: "A história acabou." Ao contrário do que adverte Coélet, no Eclesiastes, não há mais tempo para construir e tempo para destruir; tempo para amar e tempo para odiar; tempo para fazer a guerra e tempo para estabelecer a paz. O tempo é agora. E nele se sobrepõem construção e destruição, amor e ódio, guerra e paz.

A felicidade, que em si resulta de um projeto temporal, reduz-se então ao mero prazer instantâneo derivado, de preferência, da dilatação do ego (poder, riqueza, projeção pessoal etc.) e dos "toques" sensitivos (óptico, epidérmico, gustativo etc.). A utopia é privatizada. Resume-se ao êxito pessoal. A vida já não se move por ideais nem se justifica pela nobreza das causas abraçadas. Basta ter acesso ao consumo capaz de propiciar excelente conforto.

Por influência do cinema, da TV e da internet, agora o tempo está confinado ao caráter subjetivo. Experimentá-lo é ter uma consciência tópica do presente. Se na Idade Média o sobrenatural banhava a atmosfera que se respirava; e no Iluminismo a esperança de futuro justificava a fé no progresso, agora o que importa é o presente imediato. Busca-se, avidamente, a eternização do presente. Michael Jackson e Prince eram eternamente jovens... e multidões malham o corpo como quem sorve o elixir da eterna juventude. Morreremos todos saudáveis e esbeltos...

A destemporalização da existência alia-se à desculpabilização da consciência. Uma mesma pessoa vive diferentes experiências sem se perguntar por princípios morais ou religiosos, políticos ou ideológicos. Não há pastores e bispos corruptos e utopias que resultaram em opressão? A política não virou um bom negócio que só atende interesses pessoais e corporativos? Onde reside a fronteira entre o bem e o mal, o certo e o errado, o passado e o futuro?

"Tudo que é sólido se desmancha no ar" irrespirável desse início de século cuja temporalidade fragmenta-se em cortes e dissolvências, close-ups e flashbacks, muitas nostalgias e poucas utopias.

Há, contudo, algo de positivo nessa simultaneidade. É a busca da interioridade. Do tempo místico como tempo absoluto. Tempo síntese/supressão de todos os tempos. Kairós. Eis que irrompe a eternidade - eterna idade. Pura fruição. Onde a vida é terna.

Nas artes, a música e a poesia se aproximam, de modo exemplar, dessa simultaneidade que volatiliza o tempo e imprimi-lhe caráter atemporal. Na música, nossos ouvidos captam apenas a articulação de umas poucas notas. No entanto, perdura na emoção a lembrança de todas que já soaram antes. Em si, a melodia é inatingível, assim como o poema, sucessão rítmica de sílabas e palavras sutis. O que existe é a ressonância da nota e da palavra em nossa subjetividade. Então, a sequência se instaura. É o presente infindável. O tempo infinito. Como no amor, em que o cotidiano é apenas a cadência ordinária de uma inspiração extraordinária.

segunda-feira, 20 de março de 2017

QUEM ESTÁ FALTANDO NA DISCUSSÃO DA "CARNE É FRACA"?

A operação da Polícia Federal (PF), Carne é Fraca, refere-se não ao documentário brasileiro A Carne é Fraca*, que trata da condição dos animais na criação, manejo e abate, mas a uma passagem bíblica que diz: “ vigiai e orai, para que não entreis em tentação; na verdade, o espírito está pronto, mas a carne é fraca” (Mt 26, 41). De certo, há muitas tentações nos agentes econômicos e políticos que justificam essa referência bíblica, sobretudo quando a tentação é formar uma rede de corrupção, envolvendo frigoríferos, fiscais e partidos políticos para liberar carnes impróprias para o consumo e produtos sem verificação e inspeção adequada. A carne é fraca sempre que o interesse particular se sobrepõe ao interesse público...

Muito já se disse e se escreveu sobre essa operação e há, no mínimo, o consenso em torno do prejuízo econômico, para alguns, chegando a dizer que há uma verdadeira irresponsabilidade da PF, que o país terá que arcar. Toda uma cadeia produtiva será prejudicada e a imagem do setor, no mercado interno e externo, substancialmente, arranhada. Há legitimidade nos argumentos do setor e nas críticas feitas à operação e sua espetacularização midiática. De fato, o prejuízo econômico será sentido na economia já enfraquecida. Afinal, esse setor do agronegócio (carnes, laticínios e ovos), cujo frigoríferos são apenas a ponta final, representa 23% do PIB brasileiro, empregando 7 milhões de pessoas e responsável por 7% do mercado mundial de carnes. Do ponto de vista econômico os números são respeitáveis e há quem afirme, com ou sem legitimidade, que há interesses internacionais na sombra dessa operação.

Contudo, no mínimo, três outros dramas são absolutamente ausentes no debate. O drama dos trabalhadores do setor, o drama da natureza e sua biodiversidade e o drama dos animais que sofrem violência e morte.

O drama dos trabalhadores está olimpicamente ausente no debate. Fala-se em preservar as marcas, a indústria nacional, o agronegócio, o setor etc. Mas e o trabalhador e seus dramas que, não raramente, é obrigado a trabalho escravo em fazendas de gado? E o que dizer dos trabalhadores que perdem parte do corpo nos frigoríficos? E os índios que são mortos na disputa de terras pelos produtores que, direta ou diretamente, abastecem o setor? A lista de dramas para os trabalhadores anônimos não pode ser desprezada.

O drama da natureza. Não é dito, mas 70% da terra agriculturável do Brasil é para criar animais, ou para grãos que os alimentam (soja e milho, sobretudo). Somente 30% da terra propícia para o cultivo no Brasil é para agricultura de tudo o que não é carnes, ovos, leite e seus derivados. O mundo de variedades de vegetais (feijão, arroz, trigo, frutas, hortaliças, cebola, alho etc.) para a mesa que, verdadeiramente alimentam o mundo, apesar do uso de agrotóxicos, é muito mais racional do que a dieta animalizada que é responsável pelo desmatamento, pelas monoculturas e pela perda da biodiversidade. Há relatórios suficientemente amplos e confiáveis dando conta de que não haverá sustentabilidade ecológica se insistirmos na dieta animalizada. A Campanha da Fraternidade de 2017, sobre os biomas, também faz, mesmo que muito indiretamente, alertas quanto à destruição dos biomas por conta da monocultura e a criação de animais. Já não há desculpas.

Mas, o ausente total são os animais. São 7 bilhões de animais, anualmente, sacrificados no altar do mercado brasileiro, sem rito algum. Na lógica do mercado, e inclusive na lógica do debate em torno da operação da PF, mesmo daqueles intelectuais que se dizem progressistas, os animais não têm interesses a serem levados em consideração. Para o mercado e defensores do setor do agronegócio, os animais são coisas para serem confinados, presos, insensibilizados, mortos, esquartejados, comercializados e consumidos, sem piedade, sem compaixão, sem sentimentalismo típico dos protetores dos direitos dos animais. Mas são mesmo “coisas”, ou são alguém?

Não dá para entender o tanto de indignação da parte dos consumidores, por saberem que os frigoríferos maqueiam a podridão da carne com produtos químicos, alguns suspeitos de provocar câncer. Toda carne para o consumo é uma carne podre. Ninguém come carne viva! E se comemos a carne morta, então toda ela está podre, em decomposição. Carne não podre é carne de animal com coração pulsando e com cérebro funcionando normalmente. Se quisermos carne viva, então deixemos o animal viver. É preciso perder a inocência e deixar de viver de ilusões.

Quem faz a história são os fortes e vencedores. Mas quem a julga, são os fracos, os excluídos e os mortos inocentemente. Mesmo que esses mortos sejam os animais não humanos. Se acharmos que não há problema em matar os animais, então estamos a um passo de acharmos que também não há problema em permitir violências múltiplas contra os humanos indefesos como são as minorias excluídas. A violência contra os humanos não tarda em se manifestar em violência contra os animais e a violência contra os animais indefesos não tarda em se manifestar contra os humanos. Tudo está conectado diz, com razão, o Papa Francisco que tanto tem dito e escrito sobre o cuidado da casa comum. E ele está certo!



* A Carne É Fraca é um documentário produzido pelo Instituto Nina Rosa.

A MATA ATLÂNTICA JÁ FOI.

Segundo informações do (IBGE), a Mata Atlântica abrangia uma área equivalente a 1.315.460 quilômetros quadrados e se estendia originalmente por 17 estados. Atualmente restam 8,5% de remanescentes florestais, que somados os fragmentos chegam a 12,5% da área original.

O principal tipo de vegetação é a floresta composta por árvores altas relacionadas a um clima quente e úmido. A Mata Atlântica já foi um dos mais ricos e variados conjuntos florestais pluviais da América do Sul, mas hoje é o bioma mais descaracterizado. Nele vivem mais de 220 mil espécies de plantas, sendo 8 mil endêmicas, 270 espécies conhecidas de mamíferos, 992 espécies de aves, 197 répteis, 372 anfíbios e 350 peixes. Das 633 espécies de animais ameaçados de extinção no Brasil, 383 estão na Mata Atlântica.

Originalmente, os povos Tamoio, Temininó, Tupiniquim, Caetés, Tabajara, Potiguar, Pataxó e Guarani ocupavam o território litorâneo e foram os primeiros a sofrerem com a chegada dos colonizadores.

Uns dos problemas do bioma são as interferências no processo cultural pelas empresas nacionais e transnacionais, que investem na monocultura do eucalipto e pinus, o que provoca o “deserto verde”. Outra preocupação são os desmoronamentos e a falta de saneamento básico nas grandes e pequenas cidades. O maior problema deste e de outros biomas “são as consequências de um modelo econômico que para gerar riqueza tem que concentrar pessoas e destruir o ambiente no qual se insere” (CF. n.140).

No Nordeste, milhares de comunidades tradicionais pesqueiras dependem dos manguezais, que para elas, a região é uma espécie de lugar sagrado, demonstrado pelo profundo respeito às águas, a lama, ao cheiro, a fauna e flora, que reflete uma linguagem de louvor ao Criador.

domingo, 19 de março de 2017

ESPERANDO UM OLHAR DE APROVAÇÃO

Procurar o olhar de aprovação é esperar que alguém valide suas atitudes e seus pensamentos. Não ter construído interiormente esse olhar é perceber-se inseguro o tempo todo; e não saber o que dizer ou o que fazer causa aflição.

Aprender a confiar em si é uma difícil jornada. A insegurança sentida pode ser reflexo do que se viveu. Diante disso, as pessoas são percebidas como confusas e o mundo, como um lugar estranho e não confiável.

Inundado neste não-ser, o eu se sente convidado a se embrenhar na busca de um caminho que não cause sofrimento exagerado. Existe o anseio de se expressar e se sentir coerente nas colocações. Procurar em si o olhar de aprovação é uma difícil tarefa.

Nesse sentido, olhar-se verdadeiramente e identificar os sentimentos confusos instalados dentro de si, constituem o início de uma caminhada que leva a um novo modo de ser e compreender a vida. Apanhar com a mão o discernimento que lhe falta pode ser um desejo, mas o braço pode não alcançar e a ajuda é necessária. O outro existe, vá em busca!

Esse entendimento precisa ser solidificado para possibilitar a autoaprovação. São as parcerias, “aliançadas” consigo e com o outro, que constroem mudanças.

A segurança interna é resgatada passo a passo; o desvalor sentido internamente precisa ser revisto e substituído com propriedade. Assim, o ser humano aventura-se na direção do autoconhecimento, conquistando seu próprio olhar de aprovação.

sábado, 18 de março de 2017

UMA ÉTICA PARA A MÃE TERRA

É um fato cientificamente reconhecido hoje que as mudanças climáticas, cuja expressão maior se dá pelo aquecimento global é de natureza antropogênica, num grau de certeza de 95%. Quer dizer, possui sua gênese num tipo de comportamento humano violento face à natureza.

Este comportamento não está de sintonia com os ciclos e ritmos da natureza. O ser humano não se adapta à natureza mas a coage a se adaptar a ele e a seus interesses. O interesse maior que domina já há séculos se concentra na acumulação de riqueza e de benefícios para a vida humana, a partir da exploração sistemática dos bens e serviços naturais e de muitos povos, especialmente, dos indígenas.

Os países que hegemonizam este processo não deram a devida importância aos limites do sistema-Terra. Continuam submetendo a natureza e a Terra a uma verdadeira guerra, sabendo que serão vencidos.

A forma como a Mãe Terra demonstra a pressão sobre seus limites intransponíveis é pelos eventos extremos (prolongadas estiagens de um lado e enchentes devastadoras de outro, nevascas sem precedentes por uma parte e ondas de calor insuportáveis por outra parte).

Face a tais eventos, a Terra se tornou o claro objeto da preocupação humana. As muitas COPs (Conferência das Partes), organizadas pela ONU nunca chegavam a uma convergência. Somente na COP21 de Paris, realizada de 30 de novembro a 13 de dezembro de 2015 se chegou, pela primeira vez, a um consenso mínimo, assumido por todos: evitar que o aquecimento ultrapasse os 2 graus Celsius. Lamentavelmente essa decisão não é vinculante. Quem quiser pode segui-la mas não existe nenhuma obrigatoriedade, como o mostrou o Congresso norte-americano que vetou as medidas ecológicas do Presidente Obama. Agora o Presidente Donald Trump as nega rotundamente como algo sem sentido e enganoso.

Está ficando cada vez mais claro que a questão é antes ética do que científica. Vale dizer, a qualidade de nossas relações para com a natureza e para com a Casa Comum não eram e não são adequadas, antes, são destrutivas.

Citando a inspiradora encíclica Laudato Si: sobre o cuidado da Casa Comum” (2015): “Nunca maltratamos e ferimos a nossa Casa Comum como nos últimos dois séculos... Essas situações provocam os gemidos da irmã Terra, que se unem aos gemidos dos abandonados do mundo, com um lamento que reclama de nós outro rumo”(n.53).

Precisamos, urgentemente, de uma ética regeneradora da Terra. Esta deve devolver-lhe a vitalidade vulnerada afim de que possa continuar a nos presentear com tudo o que sempre nos presenteou. Será uma ética do cuidado, do respeito a seus ritmos e da responsabilidade coletiva.

Mas não é suficiente uma ética da Terra. Precisamos fazê-la acompanhar por uma espiritualidade. Ela lança suas raízes na razão cordial e sensível. De lá nos vem a paixão pelo cuidado e um compromisso sério de amor, de responsabilidade e de compaixão para com a Casa Comum, como aliás vem bem expresso no final da encíclica do bispo de Roma, Francisco.

O conhecido e sempre apreciado Antoine de Saint-Exupéry, num texto póstumo, escrito em 1943, Carta ao General “X” afirma com grande ênfase: ”Não há senão um problema, somente um: redescobrir que há uma vida do espírito que é ainda mais alta que a vida da inteligência, a única que pode satisfazer o ser humano”(Macondo Libri 2015, p. 31).

Num outro texto, escrito em 1936, quando era correspondente do “Paris Soir”, durante a guerra da Espanha, leva como título “É preciso dar um sentido à vida”. Aí retoma o tema da vida do espírito. Aí afirma:”o ser humano não se realiza senão junto com outros seres humanos, no amor e na amizade; no entanto, os seres humanos não se unem apenas se aproximando uns dos outros, mas se fundindo na mesma divindade. Num mundo feito deserto, temos sede de encontrar companheiros com os quais con-dividimos o pão”(Macondo Libri p.20). No final da “Carta do General “X” conclui: “Como temos necessidade de um Deus”(op.cit. p.36).

Efetivamente, só a vida do espírito confere plenitude ao ser humano. Ela representa um belo sinônimo para espiritualidade, não raro identificada ou confundida com religiosidade. A vida do espírito é mais, é um dado originário e antropológico como a inteligência e a vontade, algo que pertence à nossa profundidade essencial.

Sabemos cuidar da vida do corpo, hoje uma verdadeira cultura com tantas academias de ginástica. Os psicanalistas de várias tendências nos ajudam a cuidar da vida da psiqué, para levarmos uma vida com relativo equilíbrio, sem neuroses e depressões.

Mas na nossa cultura, praticamente, esquecemos de cultivar a vida do espírito que é nossa dimensão radical, onde se albergam as grandes perguntas, se aninham os sonhos mais ousados e se elaboram as utopias mais generosas. A vida do espírito se alimenta de bens não tangíveis como é o amor, a amizade, a convivência amiga com os outros, a compaixão, o cuidado e a abertura ao infinito. Sem a vida do espírito divagamos por aí, sem um sentido que nos oriente e que torna a vida apetecida e agradecida.

Uma ética da Terra não se sustenta sozinha por muito tempo sem esse supplément d’ame que é a vida do espírito. Ele nos faz sentir parte da Mãe Terra a quem devemos amar e cuidar.

sexta-feira, 17 de março de 2017

SER GRATO

A vida de todo dia traz muitas dificuldades. Em certos momentos, a pressão é tão grande que se transforma em angústia. E, no entanto, estamos vivendo um mistério extraordinário. Como diz a epístola de são Pedro, "bendito seja Deus que nos tirou das trevas para a sua luz admirável".Apesar de todos os problemas, no fundo de nós mesmos deveria existir um sentimento de gratidão. Porque fomos chamados à vida, e recebemos esse patrimônio incrível que é a natureza humana. Tão incrível, que aprouve ao próprio Deus revestir-se da nossa humanidade, viver como um de nós, sofrer como sofremos, e também sentir as nossas alegrias.Essa atitude básica de gratidão é o tema de uma das cartas do monge Barsanúfio, que viveu no século VI nas imediações de Gaza, Palestina:

"De acordo com as palavras do Apóstolo, devemos conservar sempre uma atitude de gratidão:

"Em tudo, demos graças a Deus". "Demos graças, inclusive, pelas tribulações, sofrimentos, angústias, doenças, porque também é o Apóstolo quem diz: "Através de muitas tribulações entraremos no Reino de Deus". E lá, seremos livres de todo mal.

"Não tenha dúvidas, nunca desanime. Lembre-se do ensinamento de Paulo: "Embora a nossa natureza exterior se gaste continuamente, a nossa natureza interior se renova a cada dia". Aceitando o sofrimento, seremos capazes de partilhar da cruz de Cristo.

"Enquanto o navio estiver em mar alto, está exposto ao perigo e à mercê dos ventos. Mas quando ele chega ao porto, já não há nada que ameace sua segurança, sua tranquilidade, sua paz.

"O mesmo acontece conosco. Durante esta vida, somos sujeitos ao sofrimento e atacados pelas tempestades espirituais. Mas quando chegarmos ao término dessa viagem, não teremos mais nada a temer".

quinta-feira, 16 de março de 2017

BOLSONARO, DE TORTURADOR DE PETISTAS A MATADOR DE TUCANO

Têm-se muitas razões para crer que o fim do mundo está próximo. Mas temos ainda mais razões para acreditarmos que o último capítulo da existência terrestre já foi exibido, e nós não fomos avisados. Talvez o que estejamos vivendo hoje, seja uma espécie de vale a pena ver de novo, em forma de remake, cujas personagens são reencarnações de figuras abjetas e desprezíveis, que infelizmente, já habitaram o planeta.

Faz-se humanamente impossível ouvir certos discursos e absorvê-los tanto com naturalidade, quanto com normalidade. É tudo muito louco e desajustado. Nem Freud explicaria. Ao mesmo tempo em que temos um presidente da república que vem felicitar as mulheres pelo seu dia, fazendo um discurso de exaltação e agradecimento aos serviços domésticos que elas prestam aos maridos e aos filhos, desde a criação do mundo, vimos um preto declarar que a escravidão dos pretos pelos brancos nunca existiu e que na verdade, ele foi escravizado pelos negros, salvo pelos brancos e se tornou Rei. Verdadeiras pérolas da nossa vida cotidiana.

E parece que o dia das mulheres desse ano mexeu mesmo com a cabeça de algumas personalidades da vida pública nacional. E o deputado Jair Bolsonaro, também conhecido como o mito da extrema direita, não podia ficar de fora. Ele também deu uma generosa contribuição para o livro das abobrinhas, ao dizer que defende o porte de arma para todos os cidadãos, inclusive as mulheres, para que assim elas parem com esse mi mi mi de feminicídio. Segundo, o mico, digo, o mito, "com as mulheres tendo uma arma na cintura não vai haver mais feminicídio, vai ter é homicídio" e tudo isso pontuado com uma horripilante gargalhada no final.

Bolsonaro conseguiu em uma só declaração, incitar a violência e externar a sua falta de inteligência. E de quebra, ainda tentou fazer um trocadilho que apenas ratificou o que já sabemos que ele é. Estúpido, violento e machista. Mas o pior de tudo são os comentários de seus seguidores. Seria o caso de se pedir um antidoping para saber se as fezes ideológicas servidas pelo deputado contêm alguma substância proibida que possa estar afetando os neurônios dos seus admiradores. O discurso de Bolsonaro mesmo sendo escatológico, consegue nos remeter ao comportamento dos homens primatas. Talvez isso explique o porquê dele ser chamado de mito.

Alguém precisa dizer ao senhor capitão da razão que nem todos os problemas do Brasil se resolverão com uma arma na cintura. Quando a inflação subir não adianta apontar uma arma para ela e nem colocá-la no pau de arara para fazê-la descer. É muito simplismo por parte de um sujeito que pretende governar o país. As idéias do deputado beiram a imbecilidade moral e cívica e precisam ser combatidas, para o bem do estado democrático. O que Bolsonaro deseja com o armamento da população, é ver um derramamento de sangue ainda maior em nossa sociedade e assim satisfazer a intolerância que inspira os seus desejos. É irresponsável demais que um parlamentar venha propagar ainda mais ódio, como se o que vivêssemos nos dias atuais não fosse o suficiente.

Bolsonaro que já foi "torturador de petistas", agora também se apresenta como "matador de tucanos", numa tentativa infantil de se desassociar da turma do golpe. Turma essa que ele apoiou e ajudou a colocar no poder. Inclusive, vale lembrar, que Bolsonaro agradeceu a Eduardo Cunha (preso por corrupção) durante a sessão da câmara que decidiu pelo impeachment da presidente Dilma, pelo brilhante trabalho realizado naquela oportunidade. Sem contar que o seu possível vice na chapa é o pastor Marco Feliciano, recentemente acusado de estupro e que entre os seus apoiadores estão gente do naipe de Silas Malafaia e pastor Everaldo. Só gente boa.

Jair Bolsonaro fez uma apologia ao crime, no dia em que deveria fazer apologia ao amor, ao respeito, a igualdade e a tolerância. As mulheres não precisam de uma arma na cintura e muito menos querem sair por aí matando homens para demonstrarem força e empoderamento. O feminicídio não é mi mi mi e discursos estúpidos e descompensados como o do deputado, contribuem para que o seu índice de incidência seja ainda maior. Deixe de ser estúpido, capitão. Se for para governar com tiro, porrada e bomba, melhor colocar a Valeska Poposuda na presidência.

Ela tem mais atributos pra isso do que o senhor.

Beijinho no ombro!

terça-feira, 14 de março de 2017

TEOLOGIA LATINA

Ser latino é nascer em algumas latitudes. Ou ter ancestrais próximos que nasceram nessas latitudes, situadas ao sul do mundo antigo, nas praias do Mar Mediterrâneo. Os povos mediterrâneos construíram uma riqueza cultural complexa, identificada com o Lácio, mais especificamente a Roma antiga.

Ser latino significa ainda falar e expressar-se em determinadas línguas, denominadas latinas, quais sejam o italiano, o espanhol, o francês e o português. Nessas línguas os povos latinos escreveram, fizeram arte, construíram saber que hoje ainda é patrimônio precioso para toda a humanidade.

Alguns desses povos latinos saíram de seus lugares de origem e vieram para o sul da América, continente descoberto pelo genovês Cristóvão Colombo crendo achar o caminho para as Índias. Encontraram o novo mundo chamado América e o colonizaram.

Posteriormente, ingleses e franceses dirigiram-se para o norte do continente americano e ali construíram o que hoje conhecemos como Estados Unidos e Canadá. Muitos territórios latinos foram apropriados pelo país que surgia e passaram a ser contados em sua federação.

Hoje chamamos latino-americanos os que vivem no sul do continente e norte americanos os que vivem ao norte. Sucede que o mundo globalizado flexibilizou as fronteiras e há muitos anos o Sul migra para o Norte, sonhando e buscando encontrar aí uma vida melhor, com trabalho e prosperidade. A migração, no entanto, não significa a morte da cultura. Por isso, hoje, nos Estados Unidos, existe uma grande presença da cultura latina, que resiste ao desaparecimento de sua identidade e leva a cabo ricas produções culturais e científicas que enriquecem não só o país onde vivem, mas toda a humanidade.

Uma dessas áreas é a teologia, reflexão sobre a fé, que elabora um discurso sobre as características dessa cultura e dessa religião inseridas em um país estrangeiro. Partindo sobretudo das categorias do cotidiano, das celebrações, das festas e rituais, a teologia latina dos Estados Unidos converteu-se aos poucos em uma importante escola de teologia que é parceira obrigatória nos grandes debates e reflexões daquele país.

Até o momento, essa teologia dialogava entre si e com teólogos americanos, não somente descendentes de anglo-saxões, mas também de africanos e de asiáticos. Recentemente, porém, vem descobrindo um novo parceiro de diálogo: a teologia latino-americana.

Quando se olharam nos olhos, essas duas teologias constataram que eram irmãs de sangue. Em suas veias corria um sangue feito dos povos originários indígenas e afro-ameríndios, primeiros habitantes dos países ao sul da América. Em seu coração palpitava o desejo de que a fé, raiz de sua vida, fosse igualmente sua forma de presença em uma cultura onde viviam como em exílio. Exílio físico para os latinos dos Estados Unidos; exílio social para os latino-americanos, cuja teologia brotava do encontro com o Senhor no rosto do pobre e do acompanhamento da fé do povo de Deus.

E um dia um Papa latino-americano, vindo do Sul, do fim do mundo, foi eleito para o trono de Pedro. Sua liderança, seu carisma, sua capacidade de renovação e de diálogo fizeram ambas as teologias se verem por ele representadas e se sentirem ainda mais estimuladas ao diálogo e à mútua colaboração.

Hoje, o diálogo entre essas duas teologias tem diante de si um vasto e promissor horizonte. Ambas sabem que podem enriquecer-se mutuamente e potencializar a força delas na comunidade teológica internacional. Ambas esperam que sua reflexão e seu discurso sejam ouvidos em outras partes do mundo e possam fazer uma diferença importante no pensar e discorrer sobre a fé que é a teologia. Ambas sonham com o dia em que essa presença teológica Latina tenha lugar reconhecido, de fato e de direito, nos grandes fóruns internacionais de pensamento, seja de teologia, seja de outras áreas do saber.

Ambas manejam novas epistemologias vindas do sul. O Sul real que é o da América Latina. E o Sul inserido no Norte, que é o da comunidade latina dos Estados Unidos. Desde este sul que quer dar-se a conhecer, a pensar e ajudar a crer essas teologias desejam dizer uma palavra não apenas para as igrejas, mas para a sociedade e a academia. Ambas fazem teologia com sabor latino e aí está sua riqueza e diferença.

CERRADO, UMA VERDADEIRA CAIXA DÁGUA

O Cerrado tem estações climáticas bem definidas: chuva e seca. O solo é de composição arenosa localizado na região Centro-Oeste e também na região oeste de Minas Gerais e das regiões sul do Maranhão e do Piauí. Abriga mais de 6,5 mil espécies de plantas já catalogadas. Nestas regiões vivem aproximadamente 22 milhões de pessoas.

O Cerrado é uma região com planaltos, extensas chapadas, florestas de galeria, conhecidas como mata ciliar e mata ribeirinha, ao longo do curso d’água. Também de vereda em vales encharcados composto de agrupamentos da palmeira buriti sobre uma camada de gramíneas.

O conjunto de todos os seres vivos do cerrado representa 5% da fauna mundial. A alta diversidade de ambientes se reflete em uma elevada riqueza de espécies vegetais (23.000) e animais (320.000), sendo que 90.000 são de insetos. Entretanto há que se alertar que das 427 espécies listadas em risco de extinção, 132 estão no Cerrado.

O Cerrado não produza água, mas acumula as águas das chuvas em seu subsolo poroso, principalmente as vindas dos “rios aéreos” amazônicos, e recebe o título de “Caixa d’água” do Brasil. O bioma abastece a bacia do Rio São Francisco, mas é muito frágil em sua capacidade de resistência e regeneração.

Os indígenas, junto com os camponeses, constituem os grupos importantes. São os guardiões do patrimônio ecológico e cultural do bioma. Porém, o agronegócio produz amplo desmatamento e isolam a terra desses povos, modificam a química do solo, alteraram o curso das águas, trazendo grande prejuízo a todo o território. O que mais preocupa é sua destruição não reconstituível.

domingo, 12 de março de 2017

COMO DIZ O FREI BETO: É MELHOR SER ATEU.

Na missa de quinta, 23/2, em Roma, o papa Francisco citou o caso do empresário italiano, tido como católico exemplar, cujos empregados ameaçavam entrar em greve por melhores salaries, enquanto o patrão desfrutava de férias em uma praia asiática. O pontífice frisou que é melhor ser ateu do que se professar católico e levar uma vida dupla.

“O que é escândalo?”, indagou Francisco. “É dizer uma coisa e fazer outra.” E lembrou que há quem diga “sou muito católico, vou sempre à missa, pertenço a essa ou aquela associação e, por outro lado, essa pessoa não leva uma vida cristã, não paga o salário justo, explora as pessoas, faz negócios escusos, lava dinheiro. Tantos católicos são assim e isso escandaliza.”

Francisco resgata uma dimensão teológica sonegada na tradição cristã devido ao individualismo moderno exacerbado pelo capitalismo: o pecado social. Para muitos cristãos, pecados são apenas atos pessoais antiéticos baseados no decálogo mosaico: desonrar os pais, mentir, roubar, matar ou praticar o adultério. Não avançam do Antigo para o Novo Testamento, no qual Jesus se compara aos oprimidos (Mateus25) e frisa até mesmo a dimensão econômica do pecado ao derrubar as mesas dos cambistas no Templo de Jerusalém.

A causa dessa miopia teológica, que impede muitos cristãos de enxergarem a dimensão social do pecado, reside na ideologia hegemônica no Ocidente, a que legitima a acumulação privada da riqueza em detrimento do direito à vida de bilhões de pobres. Segundo a Oxfam (O Globo, 16/01/2017, p. 16), apenas oito empresários detêm renda superior (US$ 426 bilhões) à de metade da humanidade, ou seja, 3,6 bilhões de pessoas (US$ 409 bilhões).

Na terceira versão do clássico do faroeste Sete homens e um destino, dirigida por Antoine Fuqua, o vilão Bartholomew Bogue (Peter Sarsgaard), tenta se justificar dentro da igreja de Rose Greek: “Há muito que este país igualou a democracia com o capitalismo. E o capitalismo com Deus.”

Francisco tem toda a razão ao enfatizar que é mais coerente negar a crença em Deus e, portanto, rechaçar a ética judaico-cristã, do que professar uma fé que não resulta em frutos de justiça. Isso não significa que os ateus não tenham ética. Pelo contrário. O papa assinalou que os cristãos devem encarar os ateus como pessoas boas se eles promovem o bem.

As Igrejas cristãs deveriam aproveitar essa Quaresma, tempo de penitência e reconciliação, para um profundo exame de consciência. Como agem diante da tantos filhos e filhas de Deus excluídos de uma vida digna por essa sociedade que prioriza a competitividade e não a solidariedade? Como reagem ao fato de o Brasil contar, hoje, com 13 milhões de desempregados? Se o verdadeiro templo de Deus é o ser humano, por que tantos gastos com a construção de templos de pedra? Por que isentar as Igrejas de pagar impostos e favorecer a lavagem de dinheiro se cidadãos e instituições são todos obrigados a contribuir financeiramente para o bem comum?

Certa vez a revista Paris Match perguntou a seus leitores qual a diferença entre empresários burgueses, sem religião, e católicos? A pesquisa apurou uma única diferença: os segundos costumam ir à missa aos domingos. De resto, seguem a mesma lógica de acumulação privada, insensíveis aos refugiados, aos empobrecidos e aos desempregados.

Em todo bilhete de dólar estadunidense está gravado In God We Trust (Em Deus Confiamos). Penso que há ali um erro de grafia. Considerando o modo agressivo, bélico, com que os EUA tratam o resto do mundo desde a Segunda Grande Guerra, o certo seria In Gold We Trust (No Ouro Confiamos). O Brasil, como gosta de imitar Tio Sam, imprime no real Deus Seja Louvado. Sim, se a riqueza do país fosse justamente repartida.

Francisco tem razão: não é a fé que define nossas convicções, nosso caráter, nosso sentido de vida. É o amor. “E quem ama conhece a Deus”, diz a carta do apóstolo João. E podemos acrescentar: ainda que Nele não creia. “Nem todo aquele que diz ‘Senhor, Senhor’ entrará no Reino dos Céus, e sim quem põe em prática a vontade de meu Pai” (Mateus 7, 21).

sábado, 11 de março de 2017

AINDA HÁ TEMPO DE POUPAR VIDAS

Desde a entrada em vigor do Código de Trânsito Brasileiro, o recohimento de multas tem contribuído para aumentar a arrecadação dos municípios, estados e União em cerca de 300%.

Se, ainda que a punição de supostos infratores tenha rendido este resultado formidável, mas as estatísticas de morte e mutilação no trânsito tenham continuado implacáveis, a conclusão é a de que o Código não tem atingido o objetivo do Sistema que instituiu, a educação no trânsito, único capaz de transformar o comportamento do condutor.

O legislador do moderníssimo Estatuto da Circulação sabia que a punição pela punição não poderia responder ao anseio da sociedade por menos acidentes e mais segurança nas vias públicas. É necessário estudar a realidade para conhecê-la, conhecê-la para entendê-la e entendê-la para julgá-la, definindo estratégias. Para isso, é fundamental, pela letra da Lei, reunir dados concretos e concluir estatísticas que alimentarão campanhas maciças de educação no trânsito, financiadas com o recurso auferido com o pagamento da multa.

Pela lógica deste 'ciclo virtuoso', para controlar o número de acidentes, o papel que a punição do infrator desempenha é coadjuvante ao da educação: o Estado aposta em educar para inverter os índices de infração e, posteriormente, pune quem não alcançou a mensagem, limitando, finalmente, a aplicação do recurso que arrecada com a punição ao financiamento de mais campanhas educativas.

Entretanto, os números do levantamento anunciado pela mídia revelam a frustração do ideal do legislador e do o anseio da sociedade. A punição, pelo potencial que representa para o enriquecimento do erário, tem roubado a cena. E o pior: para incrementar a arrecadação, investe-se menos que o razoável no financiamento de campanhas para evitar a reiteração de infrações. A teoria não é posta em prática.

O recente acidente ocorrido por violação ao limite de velocidade por parte de condutor alcoolizado, na avenida Vieira Souto, no Rio de Janeiro, ilustra a situação. Não há qualquer estratégia publicitária consistente para despertar a consciência da coletividade para os gravíssimos riscos de dirigir e beber, assim como de não obedecer a limites de velocidade. Tampouco para outras infrações freqüentes, o Estado se desincumbe da responsabilidade legal de promover a conscientização capaz de alterar o comportamento no trânsito.

Comparando a política de trânsito com a de outros países, breve navegação pelo sítio http://www.thinkroadsafety.gov.uk/ poderia ser útil ao administrador público legitimamente preocupado em reverter índices de acidentes e dar vida real à Lei do Trânsito. Campanhas destinadas a, através do esclarecimento maciço, chamar a atenção para a importância de não cometer infrações, advertem, por exemplo, que quem dirige falando ao celular é quatro vezes mais passível de sofrer um acidente ou que uma criança atropelada a 40km/h tem 80% de chance de sobreviver, mas, se colhida a 60 km/h, não terá a mesma sorte.

Referidos índices, por sua vez, dão o enredo a filmes publicitários de altíssima qualidade acerca das conseqüências da imprudência no trânsito que, com inserções no horário nobre da televisão britânica, têm conseguido despertar no condutor a consciência da responsabilidade que o simples e aparentemente inofensivo ato de conduzir implica para toda a coletividade.

Por estas paragens, além da falta que a publicidade faz para orientar a circulação, a prioridade de punir para arrecadar compromete o resultados desejados até porque o produto do recolhimento de multas é desviado, por decreto, para finalidades incógnitas, em vez de, obrigatoriamente, as inseguras vias públicas, esburacadas e com sinalização deficiente, receberem o investimento público devido para alcançarem melhores condições de trafegabilidade e contribuírem para aplacar a ocorrência de acidentes.

E até o condutor que não seja infrator é freqüentemente induzido a recolher multa indevida, pois é punido sem defesa prévia e, mesmo que não se conforme, o seu recurso será rejeitado sem qualquer motivação. Sem efetuar o pagamento, não poderá renovar a documentação do seu veículo e, se não renovar a sua documentação, fechará o ciclo vicioso da eterna punição.

Quem tem o poder de reverter as estatísticas de morte e mutilação no trânsito é, sobretudo, o próprio administrador. Sem reavaliar a lógica de funcionamento do Sistema (quanto menos educação, mais infração; quanto mais infração, mais arrecadação), restituindo à educação o objetivo prioritário do legislador, o trânsito continuará sendo uma das principais causas de morte.

Finalmente, o desastre só poderá ser evitado com investimento pesado em campanhas maciças de conscientização, reservando à punição justa o seu papel secundário. Ainda há tempo de poupar as vidas que essa inversão de prioridades tem sacrificado.

sexta-feira, 10 de março de 2017

PARA PENSAR: LIBERDADE

Talvez uma das palavras mais importantes nos dias que vivemos seja liberdade. Todos a usam, todos a desejam, todos pensam vivê-la. E, no entanto, é talvez uma das palavras que mais se presta a equívocos.

Iniciamos o tempo da Quaresma. Tempo de conversão, de voltar às raízes da opção fundamental. Tempo de apalpar de novo com paixão o sentido da vida escolhido e, às vezes, desgastado, esquecido, negligenciado. Tempo de, mais que nada, exercitar a liberdade e torná-la opção vital e vivida, superando a cada passo ambiguidades e distorções.

Diante de uma multiplicidade de opções, somos livres para escolher. Livres de uma liberdade que se testa na clivagem e no laboratório da vida individual de cada um. Trata-se de uma liberdade que depende da multiplicidade de possibilidades. E que vive e se multiplica quanto mais essa multiplicidade de possibilidades é mantida. Por isso, paradoxalmente, pode tornar-se uma liberdade vazia e enganosa, uma vez que não se tem a coragem de colocar uma possibilidade acima das outras: escolher uma significa rejeitar outras e isso não entra na dinâmica do jogo do consumo e da volatilidade de nossa sociedade. Em outras palavras, selecionar, rejeitar, cancelar, nada disso está previsto como parte do processo. Como diz lapidarmente Bauman, “como no caso dos signos, que têm chances de comunicar-se na medida em que permaneçam livres de significados, a essência da escolha livre é o esforço para abolir a escolha.”

O ímpeto de um desejo de consumo estimulado por um raio de oferta sempre maior torna então a autogratificação, a satisfação, impossíveis. Decidir começa a se tornar algo extremamente difícil e quase impossível porque significa renunciar a outras possibilidades para escolher uma; ou escolher uma para ser colocada acima das outras. Vivemos escravizados sob uma “tirania de possibilidades” que nos acossa constantemente, multiplicando as ofertas diante de nós, sem deixar-nos espaço de liberdade para escolher, dizer que sim ou que não.

Muitas vezes queremos dizer sim sem dizer não, deixando todas as opções em aberto. Isso acontece no ato de consumir bens perecíveis ou voláteis, mas também nas escolhas afetivas e nas opções de vida. Em um momento diz-se sim ao casamento, ou à entrada em um estado de vida, ou a uma profissão, a uma vocação. Ou à maternidade ou à paternidade. Mas deixa-se interiormente a porta aberta para outras opções que virão mais tarde. Todos os relacionamentos, empregos, casas, carreiras, vocações, parecem ter datas de validade e prazos de vencimento.

Não é à toa que a etimologia das palavras “decidir” e “ decisão” fala de corte, separação. Toda escolha que implica uma decisão tem que apreciar uma pluralidade de possibilidades e caminhos e “cindir”, cortar as restantes para permanecer com uma. Há que separar cortando, ainda que a duros golpes para que haja realmente escolha e decisão. Talvez seja preciso cortar na carne. Pois que seja, se assim o pede a fidelidade a uma liberdade que abre sempre mais para um horizonte sempre mais amplo.

Às vezes acreditamos que decidimos bem, mas devido a uma série de correntes que se movem dentro de nós e nos arrastam, nossos caminhos podem ser desviados para portos que não havíamos escolhido. E aqui estão em jogo não apenas as grandes opções, mas a qualidade de nossas vidas cotidianas, que podem inadvertidamente ser desvalorizadas pela dinâmica da cultura que se instalou em nós.

Como diz K. Gergen, “nossa pessoa, nosso “eu” saturado de informações, de propostas de consumo, de possibilidades diferentes de organizar a vida, de relações reais ou virtuais, de ofertas de todos os estilos, vai se convertendo em um “eu “colonizado. Quando se nos apresenta uma situação nova, já temos uma infinidade de respostas possíveis arquivadas dentro de nós”. E o resultado é que não conseguimos exercitar plenamente a nossa liberdade.

A Quaresma deseja chamar-nos a isso, facilitar-nos esse tempo qualitativo de exercício da liberdade. Enquanto caminhamos em direção à Páscoa do Senhor, somos chamados a olhar nossos hábitos, nossas escolhas, nossas decisões. E a revê-las em um exercício de honestidade, iluminado pela fé e pelo amor.

Que esse tempo nos faça mais livres. E mais dispostos a exercitar essa liberdade. Santa Quaresma para todos e todas.

VIVER É EXTRAORDINÁRIO

Era uma tarde quente de domingo, o parque estava repleto: algumas pessoas caminhavam, outras sentadas na própria grama, tomavam chimarrão ou simplesmente davam conta de calorosas conversas e muitas risadas. No mesmo cenário, as crianças corriam e se divertiam. Os parques são necessários pois, além de proporcionar distração e diversão, favorecem a convivência.

Uma cena, no entanto, chamou atenção: um casal de idosos delimitou um pequeno espaço, na ampla paisagem, para um registro. O próprio aparelho de celular serviu de câmara fotográfica. A esposa dava as dicas e o esposo, por uns instantes, tornou-se profissional do suposto estúdio ao ar livre. O sorriso de ambos era contagiante, sem falar nas poses que eram ensaiadas. Cada foto recebia um imediato olhar avaliativo.

Enquanto continuávamos a caminhada, os comentários de admiração, em relação à cena, receberam diversos acréscimos. Mas a tônica delimitou um ângulo nem sempre destacado: é possível envelhecer sem comprometer a intensidade do amor. Chegar ao entardecer da vida e continuar manifestando o mesmo encantamento, distante da imposição dos padrões de beleza, é uma dádiva, uma conquista, um modo sereno de celebrar o que é capaz de unir até à eternidade.

Não importa se algumas fotos tenham saído trêmulas. Afinal, o amor é capaz até de inspirar o manuseio das novas tecnologias. A idade é um dado relativo, quando o essencial não deixa de ser cultivado. Os anos passam, os sentimentos podem não envelhecer, apenas amadurecer. Para quem sabe amar, viver é simplesmente extraordinário.

quinta-feira, 9 de março de 2017

TUDO PODE SER MELHOR

A transposição das águas do rio São Francisco reabre um outro período na memória dos governos do Presidente Lula. Para a infelicidade do golpismo pós-moderno, que recebeu uma procuração em branco das mãos da mídia tradicional, destinada a cumprir os rituais do “ajuste”, a situação -por estes e outros motivos- está deixando de ser confortável. Sim, porque este Golpe tem donos e origem: ele veio de uma clara articulação de setores (ainda que minoritários) do Poder Judiciário com o oligopólio da mídia, ao qual foram somados os políticos neoliberais e conservadores dos vários partidos. As classes médias conservadoras, ou não, foram convidadas pela Globo para um tipo de baile, mas a festa era outra.
A peça que este triunvirato pregou nas classes médias me fez lembrar uma longínqua história, que vivenciei como adolescente nos anos 60, ainda em Santa Maria. Meu amigo tinha uma namorada belíssima – uma das “moças” mais bonitas da cidade – mas estava muito longe de querer “noivar” e casar. Num desses feriados tediosos, que repercutem com especial modorra num verão sem mar, de cidades do interior, meu amigo viaja com a sua namorada para conhecer sua família, que residia numa pequena localidade próxima da nossa cidade. Chegando lá percebe os movimentos de uma festa preparada especialmente para ele: primos, primas, parentes, avós, irmãos, cunhados e cunhadas, recebem meu amigo com afeto, fraternidade e manifestações de boas vindas.

À noite, num ambiente de descontração, à luz de uma lua cheia, conversando com a avó da namorada e já com a “água meio pela cintura” – como dizíamos depois da terceira “brahma” – meu amigo diz que iria usar da palavra. Queria fazer uma surpresa para a namorada, “falar em público” – agradecer a briosa recepção – imprevista manifestação de uma pessoa sempre retrátil a exposições públicas, em quaisquer circunstâncias. A matriarca-avó, emocionada e sem cerimônia, vai até o violonista que dedilhava algo como uma milonga, susta a música, pega o microfone e meio chorando tira a sua aliança do dedo anular e anuncia que meu amigo vai pedir sua neta em casamento. E lhe oferece a aliança para que o compromisso fosse, então, selado com uma joia da família.Talvez o relato factual não esteja exato, mas totalidade foi essa: uma simples vontade de falar em público, que se transformou num noivado e depois num casamento.

Desenhado nas “jornadas de junho”, o golpe mistificou seus objetivos com o anti-petismo, iludiu o povo e fantasiou que os Procuradores de Curitiba e o Juiz Sergio Moro fariam a redenção do Brasil. Como se o jacobismo sectário e pouco ilustrado, de qualquer poder, pudesse dar conta de complexas operações políticas, econômicas e judiciais, destinadas a retirar o país do atoleiro da crise mundial, igualmente permeada pela corrupção das mazelas do capital financeiro. O oligopólio da mídia convidou as classes médias para dançar a música da luta contra a corrupção, que, na verdade era um grande baile com esta, para promover -através dos seus agentes mais notórios- o ajuste neoliberal e o fim das funções públicas do Estado: economicismo monetarista, desemprego, revogação de direitos sociais e sucateamento de grandes empresas nacionais.

No sentido mais tradicional da classificação das posições políticas, o Brasil demonstrou a partir das “jornadas de junho”, que não tinha nem tem, até agora, um grupo centrista democrático forte, que estivesse, de um lado, disposto a “segurar” o apoio à Constituição Social de 88, dando estabilidade para os governos governarem a partir desse compromisso. A brecagem ao “rentismo” e a promoção de saídas negociadas dentro da democracia só seria possível, nas circunstâncias atuais, com o apoio deste centro. De outro, também ficou certificada a inexistência de um centrismo que preferisse combater a corrupção dentro da legalidade e garantisse a supremacia da política democrática, originária dos processos eleitorais, para conter os métodos fascistas, pelos quais os fins justificam os meios (contra os outros). O que vimos foi um falso centro que aderiu ao golpe, no qual prosperou o visão dos “atalhos” messiânicos e oportunistas, com a tentativa de se abrigarem das investigações policiais e judiciais, em torno da corrupção.


Cabe à esquerda, hoje, propor um programa de reversão da crise e de renascimento democrático do país, a partir de dois enunciados fundamentais: a soberania nacional, que não se fortalecerá sem a retomada do crescimento; e a defesa das cláusulas sociais da Constituição de 88, que não só mantem a sua atualidade, mas muitas delas até agora sequer tiveram efetividade. Mas a radicalização do ajuste e a manipulação dos processos de formação da opinião abrem a expectativa de que possamos ter um “centro” com características progressistas? Confesso que já tenho as minhas dúvidas, mas se isso não for possível podemos entrar numa ambiente de putrefação política e institucional, sem nenhuma saída, à curto ou médio prazo.

Com todos os seus percalços e ambiguidades, as reformas – aqui e no Brasil – vão em frente, estrangulando as parcas políticas socialdemocratas que conseguimos emplacar no país, até o fim do primeiro governo Dilma. Os Governos Lula, como qualquer Governo em qualquer parte do mundo, teve muitas limitações e cometeu erros, mas o seu grande pecado não foi deixar de combater a corrupção, que, de resto, vem da história do nosso Estado cartorial e do sistema político que lhe sucedeu. Seu (nosso) grande erro foi político: não ter compreendido que num certo momento de esgotamento do modelo de crescimento com distribuição de renda, o nosso sistema de alianças iria esboroar, porque as formas tradicionais de governabilidade só funcionam quando a economia vai bem..

As águas do Velho Chico, fluindo verdes no sertão, abrem flores na memória do povo excluído e violentado pela globalização ritmada nas bolsas de Wall Street. São milhões de pessoas que se somarão a outros milhões, que assistirão os ataques políticos e os processos contra Lula, como processos e ataques desfechados contra si mesmas. Não nos esqueçamos: a pessoas reais vivem e morrem no presente e é nesse barro informe, às vezes generoso do presente, que as pessoas começam a recuperar o gosto pela utopia e recuperar o sonho que a vida sempre pode ser melhor.

quarta-feira, 8 de março de 2017

QUARTA FEIRA DE CINZAS COM UM BOM LIVRO

Do pó viemos, ao pó retornaremos, bem sei. Hoje, a astrofísica o confirma: somos todos feitos de pó das estrelas, fornos nos quais se cozinha, em diferentes consistências, toda a tabela periódica dos átomos que integram a matéria do Universo.

Aos 20 anos o mundo me parecia infinito. E minha vida, infinda. Para mim, o passado não existia, o presente impregnava-se de fé, o futuro se abria no par de portas destrancadas por todo o idealismo que me consumia a subjetividade.

No jardim
, recolhi-me em companhia dos versos de T. S. Eliot em Quarta-Feira de Cinzas. Porque eu também não espero voltar (e isso vale ainda hoje). Sobretudo agora que pertenço ao grupo etário da eterna idade - todos nós que ultrapassamos seis décadas de existência e, portanto, estamos mais próximos do fim de todos os mistérios.

"Não mais me empenho no empenho de tais coisas". O verso de Eliot me soou como interrogação. A vida me ensinou que renúncias exigem convicções arraigadas. O jejum da quaresma é muito mais do que abster-se de carne. É esperar não conhecer "a vacilante glória da hora positiva".

Como são desafiadoras as virtudes! "Ensinai-nos a estar postos em sossego", rogava o poeta ecoando Teresa de Ávila. Não me atrevo à santidade. O jejum da quaresma ou, como outrora, exigido durante toda a Quaresma, é a coragem de dizer não a tudo isso que nos esgarça, retalha, fragmenta, como se múltiplos seres se atritassem no oco de nosso ser, confundindo-nos quanto ao rumo adequado a seguir.

"Alegro-me de serem as coisas o que são". Ser do tamanho que se é. "E rogo a Deus porque desejo esquecer estas coisas que comigo por demais discuto, por demais explico". Não seria o racionalismo exacerbado o principal inimigo do amor?

Ignoro se Eliot, atraído pela fé cristã, alcançou tamanha graça. Eu não. As múltiplas vozes seguem ressoando dentro de mim. Apenas me socorro no enigma intranscendente da fé e na embriaguês mística das liturgias.

Penso agora nos quase 250 jovens calcinados na boate Kiss, em Santa Maria. O que faziam ali tantos jovens? Buscavam o essencial: liturgia.

A vida é insuportavelmente atrelada ao reino da necessidade. E anseia pela gratuidade. Não se vai a uma danceteria apenas em busca de música, dança, bebida e paquera. Tudo isso pode ser mais confortavelmente desfrutado na intimidade.

O que move centenas de pessoas à festa - na danceteria e na roça, no baile a rigor e no carnaval - é a imprescindível liturgia que nos faz transcender do reino da necessidade à esfera lúdica, onírica, mistérica, da gratuidade. A celebração intensa, coletiva, comunitária, a alegre confraternização que permite o descanso da razão ("senhora dos silêncios", escreveu Eliot) e o alvorecer da emoção: "fala sem palavra e palavra sem fala").

Naquele jardim, em companhia do poeta, intuí a importância de jejuar de tudo aquilo que não alimenta o espírito. E deixar que este se liberte no ímpeto glutão de tudo isso que ressoa no esplendor do coração, como o sentimento de pertença à natureza, à família humana, a Deus - matérias-primas da oração.

Por que então me isolei no jardim com Eliot? Não recomendou Jesus evitarmos multiplicar palavras ao orar? "Se a palavra perdida se perdeu, se a palavra gasta se gastou, se a palavra inaudita e inexpressa inaudita e inexpressa permanece, então, inexpressa a palavra, ainda perdura o inaudito Verbo (...) o silente Verbo".

É o que convém buscar na Quaresma e que as vítimas de Santa Maria já alcançaram: o silêncio no Verbo. Eis o paradoxo da fé e o sentido desse tempo litúrgico que precede a Páscoa.

segunda-feira, 6 de março de 2017

AS TRÊS MENTIRAS DA REFORMA TRABALHISTA

Para retirar direitos dos trabalhadores e precarizar as relações de trabalho, o governo Temer está propondo uma reforma na legislação trabalhista. A justificativa do projeto de lei 6.787/2016 se sustenta em três mentiras.

A primeira é que a reforma vai promover geração de empregos. Não há um caso no mundo que sustente esse sofisma. Em todo país onde ocorreram mudanças semelhantes, não se verificou aumento dos postos de trabalho. No México e na Espanha, por exemplo, o que se viu foi apenas perda da qualidade dos empregos e do valor dos salários, sem diminuição do desemprego.

O governo precisa enfrentar a crise econômica com outra agenda, diferente da reforma trabalhista. A geração de empregos é, antes de tudo, uma obra da economia. Para isso, o país precisa retomar o crescimento, por meio de investimentos públicos e privados e pela ampliação de crédito para girar a roda do consumo.

A segunda mentira é que a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) estaria velha e superada. Nascida em 1943, a CLT sobrevive com aperfeiçoamentos frequentes. Nos últimos 15 anos, teve 75% dos seus artigos alterados, mas sempre mantendo a proteção básica ao trabalhador. Para modernizá-la, não é preciso ameaçar conquistas como o salário mínimo, horas extras, férias, 13º salário, adicionais de periculosidade e insalubridade e aviso prévio, dentre outras.

Tampouco se deve responsabilizar a CLT pela alta judicialização das questões trabalhistas. A sobrecarga da Justiça do Trabalho resulta do constante desrespeito à lei, sobretudo por grandes empresas que desejam agora reduzir suas obrigações trabalhistas para lucrarem mais. Mas as propostas de mudança da CLT não garantem que haverá menos causas trabalhistas. A insegurança jurídica causada pela reforma da legislação pode ter efeito inverso.

A terceira mentira é que a livre negociação entre patrões e empregados seria mais vantajosa que as leis trabalhistas. Num momento de crise econômica e desemprego, incapazes de discutir em igualdade de condições com os patrões, os trabalhadores seriam coagidos a ceder em seus direitos essenciais. E isso afetaria a participação dos salários na renda nacional, agravando o quadro recessivo.

Nos conflitos entre capital e trabalho, o Estado, por meio das leis, deve garantir empregos decentes, como proclama a Organização Internacional do Trabalho (OIT). Por isso, a Constituição prevê acordo coletivo só para os casos de ampliação de direitos ou quando haja condições para soluções justas e equilibradas.

A verdade da reforma é outra. O governo ilegítimo decidiu cobrar do trabalhador brasileiro a conta da crise. Quer baratear o custo da mão de obra no Brasil, com o maior ataque aos direitos trabalhistas em todos os tempos. Vamos resistir nas ruas e no Congresso a mais essa tentativa de desmonte das conquistas sociais.

domingo, 5 de março de 2017

ATENÇÃO SENHORES PAIS PARA UMA NOVA DOENÇA

Há uma nova doença nos anais da medicina: a nomofobia, o medo de ficar sem celular. O termo foi cunhado no Reino Unido, e deriva de “no mobile phobia”. O fato é óbvio: para qualquer lugar que se olhe, as pessoas estão atentas ao celular – rua, restaurante, local de trabalho, ônibus, metrô, escola, e até igreja.

Não sem razão, a revista Forbes considerou o mexicano Carlos Slim, em 2013, pela quarta vez consecutiva, o homem mais rico do mundo, com uma fortuna calculada em 73 bilhões de dólares. Com negócios na área de comunicação em vários países, no Brasil ele controla a Globopar (Net), a Claro e a Embratel.

O Brasil é o 60º país do mundo mais conectado por celular, e o 4º a dar mais lucros às empresas de telefonia. O brasileiro gasta, em média, 7,3% de sua renda mensal com o uso do telefone móvel. Em julho deste ano, nosso país dispunha de 267 milhões de aparelhos.

Essa fissura de manter o celular ligado o tempo todo – e manter-se ligado ao celular todo o tempo (até na hora de dormir) – se explica pela hipnose coletiva gerada pelas redes sociais.

Uma das anomalias de nossa época pós-moderna é o esgarçamento das relações pessoais e comunitárias. A família tradicional, que se reunia à mesa de refeições ou na sala para conversar, é hoje um bem escasso. As relações matrimoniais mal resistem à primeira crise. Segundo o IBGE, as uniões conjugais duram, em média, cerca de sete anos!

Na opinião de Aristóteles, amizades são imprescindíveis à nossa felicidade. No entanto, nesse mundo competitivo, muitas andam contaminadas por inveja, ciúme, cobranças, ou prejudicadas pela falta de tempo.

Resta então, nesse mar revolto no qual naufragam antigos e saudáveis costumes, a ilha salvadora do celular! O aparelho corresponde muito bem às contradições da pós-modernidade: por ele me comunico, sem conversar; opino, sem me comprometer; me expresso, sem me envolver; troco mensagens e torpedos, sem me doar a ninguém e a nenhuma causa.

O fascínio do celular consiste em amenizar minha solidão sem exigir solidarizar-me. Estou na rede, interajo com inúmeras pessoas e, no entanto, fico na minha, olhando o meu umbigo, indiferente ao fato de algumas dessas pessoas estarem sofrendo ou, pelo menos, necessitando de minha presença física consoladora ou incentivadora.

O celular faz de mim, Clark Kent, um Super-Homem. Eu, a quem quase ninguém presta atenção, agora gozo de um público multimídia ligado no que expresso. Em contrapartida, o celular me rouba tempo: de leituras, de trabalho, de convivência familiar e com amigos. Com ele ligado no bolso ou ao meu lado, fica cada vez mais difícil a concentração.

O celular é um espelho mágico. Repare como as pessoas o fitam. É como se vissem na tela. Por ser um equipamento eletrônico dotado de múltiplos recursos, ele me traz a sensação de que sou um Pequeno Príncipe capaz de visitar sucessivamente diferentes planetas.

No celular eu me enxergo como gostaria que as pessoas me vissem. Com a vantagem de que ele dissimula minha verdadeira identidade, meu modo de ser, permitindo que eu me esconda atrás dele. Ele faz de mim um ser onipresente. O que transmito é captado por uma rede infinita de pessoas que, por sua vez, podem reproduzir a inúmeras outras.

Hoje em dia os consultórios médicos já lidam com crianças, jovens e adultos que padecem de nomofobia. Gente que não consegue se desconectar do aparelho. Vive as 24h do dia ligada a ele.

Ah, como é saudável estar bem consigo mesmo e manter o celular desligado por um bom tempo, sobretudo à noite! Mas isso exige o que parece cada vez mais raro nos dias atuais: boa autoestima, falta de ansiedade, consistência subjetiva, gosto pelo silêncio e uma vida ancorada em um sentido altruísta.

sábado, 4 de março de 2017

MORRENDO DE FOME

Quase 1,4 milhão de crianças estão em "risco iminente" de morrer em decorrência da fome na Nigéria, Somália, no Sudão do Sul e no Iêmen, alertou o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef, na sigla em inglês) nesta terça-feira.

Pessoas já estão morrendo de fome nestes quatro países, e o Programa Mundial de Alimentos disse que mais de 20 milhões de vidas correm perigo nos próximos seis meses.

"O tempo está se esgotando para mais de um milhão de crianças", disse o diretor-executivo do Unicef, Anthony Lake, em um comunicado.

"Ainda podemos salvar muitas vidas. A desnutrição grave e a fome iminente são em grande parte causadas pelo homem. Nossa humanidade em comum exige uma ação mais rápida. Não podemos repetir a tragédia da fome de 2011 no Chifre da África."

O surto de fome foi declarado formalmente na segunda-feira em partes do Sudão do Sul, que está mergulhado em uma guerra civil desde 2013. O conflito vem dividindo cada vez mais o país em facções étnicas, o que levou a Organização das Nações Unidas (ONU) a alertar para um genocídio em potencial.

O Unicef afirmou que 270 mil crianças sul-sudanesas estão gravemente desnutridas. Também na segunda-feira, a instituição de caridade Save the Children disse que mais de 1 milhão de crianças do país correm risco de passar fome.

O Sudão do Sul ainda vem sendo assolado pela mesma seca do sudeste africano que deixou a Somália à beira de um surto de fome seis anos depois de 260 mil pessoas morrerem de desnutrição.

Segundo o Unicef, 185 mil crianças devem ser vítimas de desnutrição aguda grave na Somália neste ano, mas a cifra deve crescer para 270 mil nos próximos meses.

Outras 462 mil crianças estão sofrendo de desnutrição aguda grave no Iêmen, onde dois anos de guerra causaram o colapso da economia e restrições severas à circulação de mercadorias.

A fome é uma constante desde o ano passado em partes do nordeste da Nigéria, onde o governo vem combatendo o grupo militante Boko Haram. O número de crianças com desnutrição aguda grave deve chegar a 450 mil neste ano, previu o Unicef.

quinta-feira, 2 de março de 2017

SÍMBOLOS II

Em continuidade à reflexão sobre alguns símbolos religiosos que representam a felicidade das pessoas, vale ressaltar o significado das flores, do véu e do beijo. O imensurável valor da vida em seu estado de felicidade ou tristeza pode ser expresso em símbolos. Atualmente há uma proliferação de símbolos. Porém, nem todos representam o perene, estável e duradouro.

Da felicidade e da solidariedade depende a qualidade de vida, o futuro da humanidade e do planeta. Pensar em felicidade e solidariedade sem propor novos conteúdos para a superação da crise econômica e política mundial soa como ignorância. A realidade confirma que a livre economia, a política neoliberal e o poder plutocrático não têm a última palavra. A economia sob o comando do mercado só acumula em poucas mãos e provoca um cenário mundial de exclusão. Os representantes da política tendem a ampliar a crise mundial. Diante disto não é exagero pensar que a felicidade das pessoas e o futuro da humanidade e do planeta sentem-se ameaçados.

Na complexidade da crise mundial é impossível explicar em linguagem as consequências disto tudo para a felicidade das pessoas e para o futuro da humanidade e do planeta. Nossa felicidade, o futuro da humanidade e do planeta depende do modo que o mundo e a vida estão organizados. Por isto é importante a existência de um sistema que, em função do bem comum, funcione e oriente à ordem social.

No sistema religioso surgiram símbolos buscando entender e orientar as pessoas para o bem individual e comum. O anel ou aliança representavam o elo entre a condição real, material e espiritual das pessoas. Para conseguir tais fins, como a felicidade, muitos ao dispor-se a essa condição de vida e de relação humana gravavam o nome dos amados na aliança.

Na real, o mais significativo em qualquer ser humano é sua felicidade. A felicidade ocupa o centro das relações humanas. As alianças são um sinal disto, como mostra a tradição dos anéis de noivado de brilhante para representar a solidez do relacionamento. Em prol da felicidade dos cônjuges, surgiu também o primeiro beijo em público na cerimônia de noivado e as noivas passaram a usar na cabeça flores como buquês. As flores representavam a felicidade e a vida longa, e os espinhos afastariam os maus espíritos. Posteriormente substituiu-se a coroa com espinhos pelo véu, em referência à deusa greco-romana Vesta, protetora do lar, simbolizando a honestidade e a pureza, virtudes imprescindíveis para uma boa prole e a continuação do “sangue”. Deste universo simbólico religioso, o mais eloquente e significativo é ensinar que da felicidade e da relação humana dependem muitas coisas, inclusive o futuro de todos e do planeta.

quarta-feira, 1 de março de 2017

O BOM NEGÓCIO CHAMADO EDUCAÇÃO

A aprovação da PEC 55 congelou por 20 anos os gastos públicos federais em educação. Eis a retirada progressiva do Estado como provedor educacional, cedendo espaço à iniciativa privada. Ensino dá lucro, sobretudo quando objetiva a massa de alunos que abre mão de seu protagonismo educativo e se torna mero recipiente para se injetar conteúdos padronizados.

Acelera-se a privatização das instituições de ensino brasileiras em mãos de grupos estrangeiros. O fundo estadunidense Advent comprou, em março de 2016, o Centro Universitário da Serra Gaúcha, em Caxias do Sul (RS). No fim do ano passado, comprou também o Cesuca (Complexo de Ensino Superior de Cachoeirinha (RS). Reuniu os dois campi no grupo educacional FSG, com 13 mil alunos, cuja mensalidade mínima é no valor de R$ 1 mil.

Já a fusão, em agosto de 2016, dos grupos Estácio de Sá e Kroton abrangeu 1,5 milhão de alunos. A Kroton, maior empresa educacional do Brasil, abarca 127 campi e 726 polos de ensino espalhados pelo país sob diferentes marcas: Pitágoras, Unic, Unopar, UNIME, Ceama, Unirondon, Fais, Fama e União.

Associada à monopolização da educação em mãos de poucos grupos, soma-se a ofensiva para privatizar o ensino público e elitizar ainda mais o privado. Assim, multiplicam-se “consultorias” educacionais que se apresentam como ferramentas inovadoras e empunham, como estandarte, o PISA (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes), que avalia 500 mil estudantes em 70 países vinculados à OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico).

Quando se quer julgar a qualidade do ensino, apela-se aos dados do PISA. A ótica do PISA é meramente mercadológica, sem levar em conta as especificidades locais. O que importa é formar mão de obra qualificada para o mercado global. E ao enaltecer as novas tecnologias como redentoras da educação, busca estandardizá-la, esvaziando o ensino de conteúdos críticos e humanitários.

O PISA valoriza políticas educacionais de caráter empresarial e apoia transferir a responsabilidade da educação do Estado para a iniciativa privada. Elimina a autonomia pedagógica dos professores e os transforma em meros agentes forjadores de alunos bem-sucedidos em avaliações externas. Em suma, empenha-se em erradicar a educação como direito universal a ser obrigatoriamente assegurado a toda a população pelo Estado, para transformá-la em mercadoria ou artigo de luxo. Quem pode pagar, tem acesso ao estudo.

Desde 1990 se expande no Brasil a educação a distância (EAD) nos cursos de licenciatura. Após o ano de 2005, esses cursos se ampliaram com a criação da Universidade Aberta do Brasil (UAB) e a maior atuação da Secretaria de Ensino à Distância (SEED) do MEC.

O Banco Mundial investe na formação de professores em países em desenvolvimento desde que se adotem as estratégias do EAD, que não considera a educação uma prática social essencialmente política. O ensino, agora em escala industrial, deve evitar a reflexão crítica e ater-se exclusivamente à qualificação profissional. Essa profilaxia ideológica está na origem da Escola Sem Partido. Nada de professores e alunos se encontrando em salas de aula, cafés, corredores da escola, biblioteca. Cada um que se prenda unicamente ao monitor de seu computador.

Hoje, 72% dos 8 milhões de alunos de ensino superior no Brasil estão matriculados em universidades particulares, muitos financiados pelo Fies, que investe quase 20 bilhões de reais de dinheiro do governo em bolsas, quando deveria aplicar na melhoria do ensino público. No estado de São Paulo, o índice de alunos de ensino superior na rede privada chega a 84% e, na capital, 91%.

Enquanto isso, a base social brasileira se afunda no poço da ignorância: 2,5 milhões de crianças sem creches; 600 mil sem pré-escola; 460 mil fora do ensino fundamental; e 1,7 milhão de jovens, de 15 a 17 anos, fora do ensino médio.