sábado, 30 de abril de 2016

O RESURGIMENTO DAS IDEIAS DE MARX

O filósofo socialista alemão Karl Marx (1818-1883) é um dos pensadores mais influentes da filosofia contemporânea. Segundo o pensador francês Raymond Aron (1905-1983), sua grandeza está em ter provocado os maiores debates nos últimos séculos. Nenhum filósofo da sociedade contemporânea poderia ser comparado a Marx. Em 2005 um canal da Rádio BBC de Londres fez uma pesquisa entre seus ouvintes para saber qual o filósofo mais importante de todos os tempos, e Marx foi eleito com 27% dos votos, indicando que seu pensamento está presente nas pessoas e que ainda tem algo a dizer para o mundo e para criticar o sistema capitalista.

Atualmente a crise do sistema capitalista faz ressurgir as ideias de Karl Marx, propondo um debate além do marxismo. Mas, afinal, o que é marxismo? Conforme definição do site www.significados.com.br, "Socialismo marxista, também conhecido por Socialismo científico ou simplesmente Marxismo, é uma corrente ideológica desenvolvida por Marx e Friedrich Engels com a finalidade de acabar com a luta de classes existente no regime capitalista". De acordo com Marx, a sociedade capitalista era formada pela burguesia, que controlava os meios de produção, e o proletariado, que não tinha posses e vendia sua mão de obra por preços muito baixos.

O pensamento de Marx influenciou a história da filosofia e o processo de civilização. Suas ideias influíram na estruturação do estudo das ciências humanas, sociais, políticas e da economia, originando várias vertentes pedagógicas. Por ter investigado como ninguém antes a estrutura do sistema capitalista, sua produção intelectual é considerada o suporte político da revolução e da emancipação dos trabalhadores.

Ao estudar a mecânica do mundo do capital, dizia que “cabe agora transformá-lo”. Então, é considerado o filósofo mais influente porque seu pensamento é comprometido com a mudança da sociedade. Durante todo o século XX seu pensamento foi submetido a inúmeras interpretações e surgiram correntes filosóficas chamadas de marxismo. Suas ideias também deram origem a sistemas políticos como o comunismo soviético (1917-1991) e o chinês (em vigor desde 1949).

Formado em filosofia no círculo do idealismo alemão, em 1844 conheceu Friedrich Engels (1820-1895) e tornaram-se amigos inseparáveis. Em 1848 lançaram o Manifesto Comunista, que deu origem à primeira discussão sobre o socialismo marxista. Adeptos ao pensamento de que a filosofia deve acompanhar a prática, Marx e Engels participaram de atividades políticas e escreveram sobre governos. Em prol da revolução dos trabalhadores, Marx criticou o pensamento dialético de Hegel (1770-1831). No entendimento de Marx é preciso uma dialética revolucionária, compreender a história real dos seres humanos em sociedade. Em suma, Marx afirmava que é preciso consciência e respeitar o direito do ser humano. Ou seja, a filosofia precisa pensar sobre as condições de vida das pessoas em sociedade. Isto é, toda filosofia precisa libertar as pessoas e provocar o debate das condições sociais e políticas do cidadão.

sexta-feira, 29 de abril de 2016

SAUDAR O SOL TODOS OS DIAS.

Santidade e humildade eram as virtudes mais salientes de um monge. Certo dia um anjo ofereceu-lhe o dom das curas. Deixe que Deus cure, foi a resposta humilde do homem de Deus. Os milagres converterão muita gente, argumentou o anjo, e muitos pecadores se converterão. A tarefa de mudar os corações pertence a Deus, desculpou-se o santo.

Insistente, o anjo prosseguiu: os milagres levarão muita gente a imitá-lo. Não, disse o santo. Eles devem imitar apenas a Deus. O anjo retirou-se sem se dar por vencido. A partir daí, a sombra do santo começou a curar as pessoas. O monge nunca soube, apenas alegrou-se que as pessoas tivessem deixado de lado a sua pessoa e se contentassem com a sombra.

Posição nada parecida era assumida por um belo galo vermelho, dotado de melodiosa voz e de uma exagerada auto-imagem. Notou que sempre que cantava, surgia o sol. Depois de algum tempo convenceu-se que a noite terminava e o dia começava obedecendo ao seu comando. Era ele que determinava o nascer do sol.

Num belo dia, o galo dormiu demais e, ao acordar, deu-se conta que o sol havia surgido sem a sua intervenção. Restaram-lhe duas possibilidades: passar o resto da vida amargurado porque sua missão fracassara ou continuar cantando. Seu canto não faria nascer o sol, mas ele podia saudar o sol que surgia. Conhecer o próprio lugar faz parte da sabedoria da vida. Uma auto-imagem exagerada ou uma auto-imagem muito baixa não ajudam a viver e conviver. Há pessoas que se imaginam como o centro do mundo e consideram invejosas as que não admitem isso. Mas há pessoas que se julgam inúteis, sem dons, sem sorte, inferiores às demais. Conhecer e assumir o próprio lugar contribui para a maturidade pessoal e sua correta inserção na comunidade.

Para aquele que tem fé, Deus é sempre a referência. Santa Teresa de Ávila garantia: o muito sem Deus é nada, mas o pouco com Deus é muito. O Evangelho situa nossa correta posição: “Quando fizerdes tudo o que vos foi mandado, dizei: somos servos inúteis, porque fizemos apenas o que devíamos fazer” (Lc 17,10). Somos servos inúteis, mas não ociosos ou dispensáveis. Deus decidiu contar conosco. Ele aceita nossa medida. Ele pode agir com nossa sombra.

Nunca é cedo para começar, mas também nunca é tarde demais. A sabedoria simples de São Francisco recomendava, na hora da morte, aos frades: comecemos hoje, porque até agora quase nada fizermos.

Começar hoje, fazer o pouco que podemos, enquanto podemos, é um excelente programa. Não temos o poder de fazer surgir o sol, mas podemos e devemos saudá-lo a cada dia quando surge no horizonte.

quinta-feira, 28 de abril de 2016

TODO O DIA A MESMA PERGUNTA.

Gosto de colecionar frases e pensamentos. Como são úteis, pois nem sempre somos capazes de criar algo novo. Arrisco dizer que são as reflexões dos outros que aguçam o gosto que desenvolvi pela escrita. Escrever, então, é mais um acrescentar ou divagar em outra direção, a partir do que já foi dito. O contato com algumas postagens expande ainda mais a admiração pela questão existencial. Tudo o que é dito, de um jeito ou de outro, diz respeito à vida. Sem dúvida, o melhor da vida se dá no cotidiano. Momentos extraordinários são ótimos. Mas o desafio está em afastar a rotina, expulsar o desânimo, garantir bom humor para os dias que aparentemente são iguais.

Num dia desses recebi de alguém que se ocupa com as questões existenciais um pensamento que me instigou à reflexão. Com palavreado próprio da cultura local, a frase, assinada por Carlos Edu Bernardes, dizia: “Meu pai tem Alzheimer e todo dia me pergunta que dia é hoje. Eu digo que é dia dos pais e tasco-lhe mais um abraço.” Para além do riso, a expressão contém uma dolorida verdade, um tanto difícil de ser assimilada. Quando nos tornamos estranhos para as pessoas mais íntimas, um misto de tristeza e de impotência machuca a alma.

Conviver com as limitações da saúde e com as sequelas de determinadas doenças é um exercício muito exigente. Acredito que ninguém está preparado para o sofrimento. Ver e continuar estabelecendo relações com um familiar com diagnóstico de Alzheimer é um desafio que supõe muito preparo, além da abertura ao aprendizado diário de como lidar com as manifestações. Mesmo sabendo que se trata de um quadro progressivo, a vida deverá ser encaminhada dentro do que se denomina de normalidade. A lamentação, ao dar-se conta que há pouco a ser feito, não pode durar mais do que um instante. Afinal, um quadro irreversível não deve inviabilizar totalmente a convivência.

Cedo ou tarde, as doenças ou limitações próprias da idade batem à porta. Para alguns, é como se o mundo tivesse desabado. Outros, apesar do sofrimento, conseguem acrescentar uma boa dose de humor para dar sequência aos dias. Diante da pergunta, ‘que dia é hoje’, do pai com Alzheimer, é possível abraçar e responder que é dia dos pais. Com certeza não é nada fácil, mas pode amenizar as dores advindas das manifestações de tal doença. Ainda bem que há abraços e filhos que sabem abraçar.

quarta-feira, 27 de abril de 2016

LEGAL, MAS NÃO LEGITIMO.

Pensa melhor quem melhor distingue. Quem generaliza e confunde, se engambela e gira em círculo sem direção. A distinção é a festa do pensamento. Onde o senso comum vê como igual, o pensador precisa socorrê-lo e ajudá-lo a ver melhor. Não é pecado pensar. Pecado é errar e fazer o mal por banalidade e por preguiça de pensamento. Viver não é preciso, distinguir é preciso..!

Penso aqui na confusão que incorremos constantemente ao identificar legal com legítimo, legal com justo, legal com ético. Os legalistas, positivistas e fundamentalistas talvez não aceitem, mas o que a lei diz, nem sempre é o que deve ser feito.

O que dá legitimidade a uma norma legal e positiva é a conexão que ela tem com uma norma moral. Só o que uma comunidade histórica real considerar moral, pode ser legítimo legalmente. A lei Maria da Penha, por exemplo, que protege a vítima da violência doméstica e pune o violento, a meu ver, é legal e legítimo porque não há como não considerar que não seja boa para toda a sociedade. O trabalho livre, não escravizado, com correspondente pagamento na forma de salário e com todos os encargos sociais e todos os direitos conquistados pelo trabalhador, por exemplo, férias e décimo terceiro, são legais e são legítimos. Sem entrar no mérito se o valor do salário mínimo é justo, pois aí talvez a discussão seja exatamente o contrário. É bom que se diga, de passagem, que o bom, o justo e o legítimo não são conceitos unívocos e sem ambigüidades e até imprecisões. Talvez por isso os legalistas prefiram a letra fria da lei acreditando que o justo é o que a lei determina e ponto.

Sabemos, contudo, que nem sempre o legal é justo e legítimo. O caso de Antígona é paradigmático. Antígona é o nome de um livro de Sófocles, o mesmo autor que escreveu Édipo Rei e Édipo em Colono. Antígona é uma personagem que dá nome ao livro. Ela é filha de Édipo com Jocasta. Édipo é filho de Laio e Jocasta. Édipo mata o pai (Laio) e casa com a mãe (Jocasta) e tem quatro filhos com a própria mãe. Uma das duas filhas é Antígona. Quando Édipo descobre que a tragédia acontecida em Atenas foi por sua causa, por ter matado o pai e casado com a mãe, ele vaza os próprios olhos e as filhas (Antígona e Ismênia) o leva para fora da cidade. A mãe e esposa de Édipo, Jocasta, se suicida ao saber que ela tinha sido esposa do próprio filho e com ele tinha tido quatro filhos.

Em Tebas permanecem os dois irmãos de Antígona (Etéocles e Polinice). Depois da saída de Édipo quem assume o reino de Tebas é Creonte. Creonte envolto em guerras internas determina em um edito que todos os que lutarem contra seu reino e forem mortos, serão jogados à beira do caminho aos abutres, sem sepultura.

Os dois irmãos de Antígona eram de posições políticas diferentes. Um lutava ao lado do rei e outro contra. Numa batalha um mata o outro. Um recebe honrarias militares e funerais dignos. Outro é jogado ao ar livre na beira da estrada. Antígona não aceita o edito do rei e recolhe o corpo do irmão jogado na lixeira na beira do caminho e lhe dá sepultura com ritos fúnebres condizentes. O rei Creonte descobre o feito de Antígona e a chama para o palácio para lhe dar o castigo correspondente por ter transgredido o edito do rei. O castigo é a morte. O filho de Creonte que era apaixonado por Antígona tentou intervir e dissuadir o pai de executar a lei, mas foi em vão. Então se mata. A mulher de Creonte, vendo o filho morto, também se suicida. Tragédia total.

Na defesa que Antígona faz do ato de ter tirado o irmão da sarjeta e lhe dado sepultura ela diz que o que fizera foi por obediência a uma lei superior a lei dos homens, isto é, ela fez o que fez por causa da lei divina, da tradição, o que hoje chamamos voz da consciência ética. Por obediência a ética, desobedecesse a lei jurídica. Antígona não reconhece legitimidade na lei, no edito, do rei Creonte e em nome de outra lei, mostra a não legitimada da lei positiva. Nem sempre o legal é moral. Nem sempre o legal é legítimo.

O impeachment é legal, mas é ilegítimo, injusto e imoral. Se pelos menos reconhecessem que vazar os próprios olhos seria uma atitude digna, mas não. Hipócritas e sepulcros caiados julgam sem serem julgados. Em pouco tempo teremos um novo governo e um poder legal, mas ilegítimo e imoral. O que dá legitimidade a um governo democrático é o voto popular. Golpe nenhum pode ser legítimo. Pode ser legal, mas não legítimo.

terça-feira, 26 de abril de 2016

QUANDO DEUS QUIS SE REVELAR

Diz o povo e dizem os entendidos que, enquanto a humanidade inventa grandes progressos, também cria grandes complicações. Geralmente isto acontece porque se começa a desconhecer o que é simples, pequeno e próximo. A cultura do encontro “coração a coração” se vê substituída por interferências que, subliminarmente, vão distanciando e esvaziando as relações mais humanas e humanizantes.

Com Deus acontece o contrário. Sendo rico se faz pobre; sendo divino se faz humano; sendo Senhor se faz servo. Na verdade, quando Deus quis se revelar em pessoa, o que se apresentou foi uma face humana. “Cristo é o rosto humano de Deus e o rosto divino do homem”. Tamanha simplicidade revelou-se no rosto de uma criança. “Isto vos servirá de sinal: encontrareis um recém-nascido, envolto em faixas e deitado numa manjedoura”, disse o anjo aos pastores.

Partindo desta revelação tão próxima, o cristianismo se acha indissoluvelmente ligado à nossa condição humana. “Cristo manifesta plenamente o homem ao próprio homem e lhe descobre a sua altíssima vocação”. Jesus trouxe ao mundo uma nova compreensão da vida humana. Essa compreensão é um convite a viver profundamente a nossa existência.

No momento em que nós, humanos de nosso tempo, descobrirmos toda a dimensão antropológica do acontecimento Jesus Cristo, nos deixaremos seduzir, irresistivelmente, por Ele. Fascinados pela liberdade; afeiçoados às nossas conquistas e sedentos de uma global qualidade de vida, ao descobrir “quem é esse homem” e qual é sua proposta de vida e convivência, nos encantaremos por encontrar o Cristo, capaz de compreender e assegurar com êxito, até o fim, a aventura que é a vida humana na terra.

É lamentável, quando nos damos conta que vivemos e convivemos num mundo que treina viver sem Deus e, consequentemente, vai criando vazio de sentido para a vida e aumentando a cultura do medo na convivência social. Em grande parte, isto se deve a uma reação contra um Deus sem homem e sem mundo que, muitas vezes, nos foi e nos é apresentado. “A resposta para as dificuldades que detêm muitos de nossos contemporâneos no caminho da fé e na escolha do ateísmo, exige entre outras coisas, que manifestemos sempre o impacto humano das coisas de Deus” (Yves Congar).

Todas as obras de Deus têm necessariamente uma ressonância humana. Deus não se revelou para si, mas para os humanos, a fim de confirmar o que desejava ser para eles. O Reino que Deus inaugura na terra, em Cristo, é o Reino para o homem a quem sacrificou, de certo modo, a sua divindade. “Ele que era de condição divina não reteve ciosamente a posição que o igualava a Deus, mas aniquilou-se a si mesmo, assumindo a condição de escravo e tornando-se semelhante aos homens. E, reconhecido como homem, humilhou-se ainda mais obedecendo até à morte.

Tamanha proximidade de Deus torna-se o argumento mais convincente de nossa proximidade a Ele. Em Cristo, o rosto da misericórdia do Pai, encontramos a razão para a verdadeira promoção da dignidade humana.

domingo, 24 de abril de 2016

EU COMPARTILHO. PORTANTO EXISTO.

Vivemos num mundo em que a experiência face a face ficou em segundo plano nas relações interpessoais. Via meios eletrônicos é fácil fazer amigos. Através deles constituímos relações com pessoas até então desconhecidas e distantes. Nos ambientes virtuais a comunicação com qualquer pessoa é fácil, mas a experiência do encontro real torna-se quase impossível e inviável. Por conta da opção virtual as novas gerações também sofrem seus estresses, desânimos e conflitos. Eis um desafio: dosar o tempo conectado.

Estudos mostram que os usuários começam a manifestar saturação dos meios eletrônicos. Recentemente foram divulgadas pesquisas realizadas pelas empresas dos EUA Social Bakers e ComScore, que analisaram o movimento dos usuários em redes sociais. Nos EUA, a pesquisa aponta que 1,7 milhões de usuários do Facebook deixaram o site, número equiparado aos que abandonaram a rede social na Inglaterra. Com a saída de usuários, especialistas estudam as causas que possam ter levado à saturação.

No Brasil, 65 milhões de pessoas usam o Facebook. Representam 35% da população. A pesquisa mostra que no país o Facebook está em pleno potencial de expansão. O fator favorável para isto é que 67% da população brasileira usa as redes sociais. Segundo a pesquisa, em alguns países o Facebook já estaria disputando espaço do Twitter e Google. Uma considerável porcentagem da população mundial passa bom tempo diário conectada.

Esses dados são motivadores de reflexão. A tendência a ampliar o mundo virtual é irreversível e irresistível. Seja qual for o grau de formação as pessoas podem aprender a estabelecer uma conexão eletrônica. Aos poucos todos vão entrar na era virtual. As redes sociais são um fenômeno de utilidade e de satisfação. É um espaço que corresponde ao desejo, à satisfação humana, ainda que virtualmente.

As novas tecnologias criam também uma nova antropologia. Um novo homem nasce das redes sociais. Basta acessar uma rede social e é possível ver milhões de pessoas felizes. Uma mais feliz que a outra. Contudo, nesses ambientes não existe o encontro, apenas a vitrine. No máximo, os contatos virtuais preenchem lacunas existentes por falta de vínculos reais. Com isso, tem-se uma sensação que satisfaz enquanto se derrota ilusoriamente a solidão.

Eu compartilho. Portanto eu existo. Este é o tema da animação que pode ser vista no YouTube, The innovation of Loneliness (A inovação da solidão), inspirado na obra da psicóloga americana Sherry Turkle Alone Together: Why We Expect More from Technology and Less from Each Other (Sozinhos Juntos: porque esperamos mais da tecnologia e menos uns dos outros), ainda não publicado em português. O livro de Turkle é uma chamada para acordarmos para o fato de que nosso uso da tecnologia alimenta níveis preocupantes de isolamento, nos deixando sem capacidade de distinguir entre uma verdadeira conexão humana e a comunicação digital. Como dizia no início, é um desafio dosarmos o tempo conectados.

MANIFESTO PELO FIM DAS UTOPIAS

Por meu encontro com Deus nos paraísos fiscais.
Pelo único Deus em quem we trust.
Pelo Grão-Mestre e Hierofonte da Ordem Maçônica de Mênfis.
Pelo fim das utopias.

Pelo querido pessoal lá de casa, minha mulher que me enche o saco,
meu filho que nem fala comigo e minha sogra que o diabo a carregue.
Pelo meu marido prefeito de Montes Claros e Interesses Escuros,
digo escusos.
Por meus filhos, netos, primos, sobrinhos, etc, todos eles
cunhados para sempre.
Por minha cunhada propriamente dita que é funcionária fantasma
do gabinete do senador Fulano de Tal.
Por meu genro que é funcionário fantasma
do gabinete do senador de cabelo pintado.
Por todas as boas tinturas para cabelo.
Pelo fim das utopias.

Pelo Olavinho, Reinaldinho e Rodriguinho.
Pela volta do Comando de Caça aos Comunistas.
Pela cegonha que trouxe meus filhos e que a educação sexual
nas escolas quer trocar por um pinto.
Por todos os que nos apoiam e pedem nos seus facebooks
a morte dos nossos adversários.
Pelo fim das utopias.

Pelos meus 450 quilos de pasta base.
Pela antiga base aliada que é uma pasta que não se cheira mas fede.
Pelo meu helicóptero.
Pela moral e bons costumes, dos outros.
Pelo desvio de merenda escolar para combater a obesidade infantil.
Por mim que estou pela bola sete.
Pelo fim das utopias.


Pelo professor de tênis da minha mulher.
Por minha turma de amigos dos Panama Papers.
Pelos que vivem da caridade alheia,
usufrutuários em vida de ativos geridos por trustes.
Pelos bancos suíços.
Pelo fim das utopias.

Pela repetição de mentiras até que elas pareçam verdades
mesmo contra todas as evidências.
Pelo fim das universidades públicas, das escolas técnicas
e dos sonhos do Betinho.
Pelo silêncio dos artistas.
Pelo fim das utopias.


Pelo Coronel Brilhante Ustra que, entre outras barbaridades,
levou duas crianças, uma de quatro, outra de cinco anos
para verem a mãe nua, amarrada, tomando choques no corpo todo.
Pelo fim das utopias.
Pelo fim das utopias.
Pelo fim das utopias.

sábado, 23 de abril de 2016

TÃO HUMANO ASSIM, SÓ DEUS.

Entre os humanos, há uma real dificuldade de começar o caminho da fé crendo na divindade de Jesus Cristo. Mesmo para quem se considera cristão, parece difícil descobrir as dimensões reais da humanidade de Jesus. Um Deus fazer-se um de nós, tão familiar e tão semelhante em tudo, menos no pecado, parece forte demais. Talvez o imaginário se encarregue de desenvolver um certo pudor, imaginando Deus correndo o risco de se sujar ao entrar em contato íntimo com a matéria.

Este tipo de miopia faz com que a figura de Jesus adquira aspectos lendários e perca a dimensão do homem do cotidiano. Aliás, é bom salientar que uma das primeiras barreiras à fé cristã foi a negação da humanidade de Jesus. Isso aconteceu desde os tempos apostólicos. Alguns cristãos daquele tempo pregavam publicamente que Jesus tinha apenas uma aparência humana. Combatendo este erro, João escrevia na primeira carta: “Nisto conhecereis o Espírito de Deus: todo aquele que confessa que Jesus Cristo veio na carne (tornou-se homem), é de Deus; e todo aquele que não confessa a Jesus, não procede de Deus, mas do anticristo”.

O popular e conhecido Santo Antônio também enfrentou grupos heréticos que negavam a humanidade de Jesus, convencidos de que não era possível Deus ter-se apequenado tanto e se ter envolvido com tanta miséria humana. A eles dizia esta frase que ressoa com tanta atualidade: “Ele (Cristo) veio para ti, para tu poderes ir a Ele!”.

A verdade é que a nossa fé em Jesus Cristo passa necessariamente por sua humanidade. O nosso encontro com Deus começa a ser o encontro com o Homem Jesus. Como nós, Jesus tinha pai, mãe e parentes que todos conheciam na sua aldeia. Em Nazaré, “onde se tinha criado”, antes de sua vida pública, vivera como qualquer um de seus habitantes.

Durante o seu ministério, não o vemos bancar o herói ou o santo. Continua vivendo como todos e nada do que era humano lhe era estranho. Sentia fome; tinha sede ; cansado, adormece no canto de um barco; irado, toma o chicote e expulsa os vendilhões do templo. Diante do sepulcro do amigo Lázaro não conteve suas lágrimas. Chorou, vencido pela emoção.

Por onde passava dedicava toda a atenção ao que havia de mais humano nas pessoas. As carências e os sofrimentos mais diversos eram o cenário de sua incansável ocupação, a ponto de não ter tempo nem para comer. Para escândalo dos fariseus deixou-se acompanhar por algumas mulheres que o ajudavam materialmente. Enfim, ele quis experimentar até mesmo o ingênuo triunfo em sua entrada messiânica em Jerusalém.

Nada nos revela melhor o Homem Jesus do que seus sentimentos diante da morte. Ele não ignorava de que morte devia morrer. “O Filho do Homem será entregue aos pontífices e aos escribas que o condenarão à morte e o entregarão aos gentios para ser escarnecido, flagelado e crucificado”. Um Deus apaixonado pela missão enfrenta as tentações, a resistência humana da agonia e continua o seu caminho na fidelidade total. Tão humano assim, só Deus!

sexta-feira, 22 de abril de 2016

O MAIS ALTO MONTE.

O Everest é a mais alta montanha da Terra. Está localizado na Cordilheira do Himalaia, fronteira da República Popular da China com o Nepal, com uma altitude de 8.848 metros. No pico do Everest, a temperatura varia de 40 a 50 graus negativos. Apesar do vento forte e do exagerado frio, o local é muito procurado por alpinistas: anualmente são inúmeros os que buscam escalá-lo. Trata-se de um esporte arriscado e que faz muitas vítimas. Alguns corpos nem são resgatados, devido às precárias condições de remoção.

Algo impacta os esportistas quando da chegada à principal rota de acesso ao Everest: lá está o corpo do indiano Paljor. Por estar usando botas verdes, recebeu o apelido de ‘Botas Verdes’. A história é conhecida mundialmente. A família não recolheu o corpo, pois custaria muitos dólares. Assim, quem vai a esta alta montanha se depara com a imagem do indiano que, na tentativa de realizar um sonho, encerrou sua trajetória.

Quando se trata de esportes de alto risco, minha curiosidade não alcança níveis significativos. A história do indiano Paljor foi comentada, numa aula do doutorado, por um professor canadense. Todos permanecemos muito atentos, principalmente na reflexão advinda da narrativa. Entre tantas frases expressas, guardei comigo: ‘colocar a vida em risco apenas para satisfazer o ego, em nada ajuda.’

Nos dias seguintes, os comentários da sala de aula continuaram provocando algumas lembranças e insistentes questionamentos existenciais. As buscas humanas são, em alguns casos, diversas e instigantes. Longe de qualquer julgamento, alcançar a mais alta montanha não é algo que transforme um sonho em realidade. Para além da satisfação e do sabor da superação, o ego envaidecido não acrescenta quase nada à dignidade e à felicidade.

O Everest continuará recebendo muitos alpinistas. Alguns tentam recordes físicos, outros desejam apenas um breve momento de fama. As diferentes motivações fogem de qualquer objeção. Recolhido em meu silêncio, busco alcançar o pico mais alto da bondade, da coerência, da fraternidade. O gosto pelo conhecimento agrupa não muitos ‘alpinistas’, mas o suficiente para que sejam desbravadas outras fronteiras, sob a temperatura da humildade e com a alegria de estar contribuindo com o desenvolvimento da humanidade.

quinta-feira, 21 de abril de 2016

MEDOS...

Quando criança tinha-se certos medos ante o mundo que se desenhava frente aos olhos. Tais medos surgiam por falta de domínio e compreensão do que se passava. Alguns medos foram inventados pelo próprio processo pedagógico familiar. Mas, normalmente, os medos da infância advinham dos grandes bichos, animais selvagens. Agora, adultos, tem-se a sensação que os maiores medos surgem das coisas menores, como bactérias, insetos, agentes infecciosos invisíveis aos olhos. O poderio destruidor deles é incomparável com os da infância. Ademais, combatê-los é tarefa de todos.

Nas últimas décadas a população vem sendo atormentada por muitos tipos de surtos, epidemias e endemias. Às vezes as epidemias ganham dimensões de pandemia. Isto é, a gravidade ganha escala planetária. A epidemia é uma doença infecciosa e transmissível numa comunidade e região. Segundo a Organização Mundial da Saúde as pandemias infectam os humanos com a AIDS, gripe asiática, gripe espanhola, gripe suína, tifo, tuberculose, peste, malária, cólera, etc. Os agentes dessas pandemias estão presentes em todos os continentes. Atualmente a população sofre com o mosquito Aedes Aegypti, transmissor de doenças como a dengue e a febre chikungunya. A dengue é tratada como um surto, pois acontece em algumas regiões específicas como num bairro, numa cidade. A febre amarela é considerada como endemia por estar apenas em uma região da nação. Afinal, exemplos não faltam para demonstrar a presença de tantos agentes infecciosos que põem medo nas pessoas e na humanidade.

Existe uma realidade exposta nesses surtos, epidemias e endemias. A situação exige conscientização e convoca aos cuidados com a saúde pública, ainda que seja um trabalho dispendioso e que não pode ser postergado. O termo dispendioso, derivado do latim dispendiosus, significa “danoso, nocivo, pesado, oneroso, penoso”. Ou seja, um trabalho que exige muitos recursos. A Campanha da Fraternidade de 2016 convida ao cuidado com a “casa comum”, a mãe Terra, que precisa de maior atenção por parte da humanidade. A campanha alerta sobre a suma importância do saneamento básico. Sem saneamento é favorecida a proliferação do mosquito Aedes Aegypti, transmissor da dengue, da febre chikungunya e do Zika vírus. A Organização Mundial da Saúde calcula que a cada US$ 1 investido em saneamento, seriam economizados US$ 4,3 em saúde. E devido ao precário abastecimento de água potável, falta de higiene e de disposição adequada de esgotos e lixo milhões de pessoas no mundo se tornam mais suscetíveis a doenças como diarreia, cólera, hepatite e febre tifoide. Ao não serem sanadas, essas situações provocam medo pela possibilidade de proliferação de doenças epidêmicas.

quarta-feira, 20 de abril de 2016

O FIM É O COMEÇO.

Algumas semanas antes da morte, utilizando as redes sociais,uma senhora mandou às amigas uma foto, colhida 35 anos atrás. Bronzeada, cabelos ao vento, shortinho branco, num iate tendo ao fundo o mar e o céu. A legenda pedia: por favor, lembrem de mim assim!

Não sei se o pedido foi aceito. E mesmo que tenha sido aceito, não mudaria a realidade. Uma fotografia pode cristalizar apenas um momento. A vida não pode ser resumida neste momento. Sempre existe um antes e um depois. As estações também se sucedem na vida: primaveras, invernos, verões e outonos, cada uma com sua beleza, começo e fim. Fotografias bem diferentes compõem o álbum da vida. Lá estão cenas da infância risonha, da adolescência cheia de sonhos e dúvidas, cenas gloriosas do casamento, os filhos, os netos. E o tempo implacável nada respeita.

A vida precisa ser assumida como um projeto maior do que ela mesma. Não podemos negar nenhuma das etapas, não podemos negar as rugas do corpo e da alma, a doença, os cabelos brancos. Somos aquilo que vivemos, o passado é uma realidade definitiva. Nada é mais definitivo que ele. E o corpo é nosso companheiro, em todas as etapas, sempre numa marcha descendente, apontando o fim.

A biologia tem uma marcha previsível: infância, adolescência, vida adulta, depois o declínio até o fim. Mas há outra dimensão em nossa vida. A alma não envelhece, não morre, e se projeta eternidade a dentro. Brigitte Bardot, na melhor fase da vida, foi considerada a mulher mais bonita do mundo. Dela é o desabafo: passamos trinta, quarenta anos cuidando do corpo e, de repente, ele apodrece.

Para a pessoa de fé, a morte não tem a última palavra. A vida continua depois da morte. A larva oportunista e gulosa se transforma numa esplêndida borboleta. Para os que creem, garante Jesus, a vida não é tirada, mas transformada. Companheiro na luta, o corpo será também nosso companheiro na glória, sem as cicatrizes das batalhas.

A vida merece ser vista não do começo para o fim, mas do fim para o começo. É um projeto que só pode ser avaliado no fim, mesmo porque o fim é o começo.

" SIM,SIM,SIM."

Uma coisa que não estava absolutamente nos planos dos golpistas acabou se tornando a mais letal propaganda contra o golpe: a sessão da Câmara que aprovou o impeachment.

Nada poderia ser mais revelador sobre o espírito do golpe.

Deputados e deputados, nos escassos segundos em que estiveram à frente de microfones, compuseram um teatro do absurdo, da vergonha, da indecência.

Parecia uma festa no hospício, comandada por um psicopata.

Até a imprensa internacional está, nestes dias, fazendo piada dos motivos invocados na Câmara para o sim.

Pela família quadrangular, pela minha mãe Lucimar, pela minha neta, por remotas cidades Brasil afora, por Deus, por Deus, por Deus.

Isso sem contar Bolsonaro, que votou por um torturador de quem se diz que chegou a colocar ratos em vaginas de presas políticas.

Só faltou quem dissesse: “Por Eduardo Cunha! Por mim!”

Registre-se ainda o espetáculo de uma deputada que gritou aos pulos “sim, sim, sim” e citou como exemplo seu marido, prefeito de Montes Claros, preso no dia seguinte por desviar dinheiro de hospitais públicos.

Nas redes sociais, este voto saltitante viralizou.

Foi o mais acabado retrato não só da Câmara que temos, comprada pelo dinheiro das grandes empresas via financiamento de campanhas, mas do golpe em si.

É inevitável que este espetáculo dantesco tenha efeitos imediatos na opinião pública, que já se dividira antes mesmo que os bufões declarassem seus votos ridículos abraçados a bandeiras do Brasil usadas da maneira mais baixa possível.

A grande sentença do intelectual inglês Samuel Johnson foi provada exaustivas vezes no plenário-picadeiro: “O patriotismo é o refúgio do canalha.”

Não.

Não é possível que o Brasil esteja à mercê de um grupo daquela espécie. Nas redes sociais, muitos apoiadores do impeachment confessaram seu choque ao ver quem defendia a causa deles – e como.

O desconforto dos que esperavam o sim acabaria sendo ampliado logo depois pelas informações que começaram a circular segundo as quais, fortalecido, Eduardo Cunha seria anistiado da roubalheira que promoveu.

Mesmo antipetistas convictos não contavam com essa: vestir a camisa da seleção, sair às ruas em nome do combate à corrupção, bater panelas – para depois ver como grande vencedor do movimento o maior corrupto da história da República. Não poderia haver final mais infame.

A sessão da Câmara haverá de ser um fator importante, talvez decisivo, nos próximos passos do processo de impeachment.

A mobilização pela democracia crescerá. Já está desfeita a falácia propagada pelas empresas de jornalismo de que o impeachment é uma unanimidade nacional.

Não é. É, sim, uma unanimidade entre os donos da mídia, que enxergam aí uma chance de meter a mão no dinheiro público.

Temer, caso o golpe se realize, vai imediatamente satisfazer a sede de dinheiro público da Globo, da Abril, da Folha.

Isso ficou claro numa mensagem do presidente da Abril aos funcionários da casa por causa da sessão infame da Câmara. Nossa vida vai melhorar, bradou ele. Numa tradução livre e fiel, ele estava dizendo: “Os anúncios do governo vão voltar.”

Às 23 horas de domingo, quando o voto que deu a vitória ao impeachment foi anunciado, a sensação geral era que a história do golpe terminara. Hoje, vistas em detalhe as cenas da sessão, está evidente que não

terça-feira, 19 de abril de 2016

A MELHOR IMAGEM DO GOLPE




 

Terça-feira, 19 de abril. A melhor imagem do golpe de domingo é, sem dúvida, a de um traidor que ri ao contabilizar os votos contra a presidenta eleita.

Votos conquistados pela articulação de um parlamentar que tem contas secretas na Suíça para poupar dinheiro oriundo da venda de picadinho na África (senta, Cláudia!)

Cunha aprovou o PL da terceirização, que adormeceu no Senado.

Cunha aprovou a "reforma política", que adormeceu no Senado.

Cunha aprovou o Impeachment...

segunda-feira, 18 de abril de 2016

PARA A LATA DE LIXO DA HISTÓRIA

O dia 17 de abril de 2016 ficará registrado como um dos mais tristes da nossa História.

Ante a incredulidade do mundo, conduzida por um personagem que é a epítome do que há de pior na política nacional, a Câmara dos Deputados decidiu autorizar o processo de afastamento da presidenta honesta, contra a qual não há acusação jurídica que se sustente.

Deu-se o que o Secretário-Geral da OEA e a comunidade internacional estão chamando muito apropriadamente de “o mundo ao contrário”. Políticos ficha-suja, movidos por vingança política, deram o pontapé inicial no processo do golpe contra a presidenta ficha-limpa.

Na realidade, deram um pontapé na democracia brasileira e transformaram o Brasil numa vergonhosa republiqueta de bananas. Uma república de “fichas-sujas”.

Nessa ópera-bufa do golpe, os personagens são patéticos. As justificativas para o injustificável beiram o grotesco. Na votação, muitos dos golpistas falaram em Deus, família, etc., mas foram incapazes de apresentar um único argumento sólido para justificar seu crime contra a democracia. Durante muito tempo, as imagens do espetáculo ridículo percorrerão o mundo provocando risos de escárnio e de incredulidade.

O golpe tem intenção, tem propósito. Obviamente, tal propósito não tem nada a ver com combate à corrupção. Ou melhor: tem relação, sim, com o combate à corrupção, mas no sentido negativo. O golpe está se dando, entre outras razões, para tentar assegurar impunidade a seus artífices. Segundo a imprensa, houve negociações em torno dessa promessa desavergonhada. Uma promessa que incluiria a transformação da Lava Jato numa operação Banho Maria.

Bastou, no entanto, a crise mundial nos atingir para que nossa elite econômica e política passasse a apostar de novo num processo de desenvolvimento concentrador e excludente. Querem a volta, em essência, do “milagre econômico” da ditadura, muito apropriado ao plano do golpe contra a democracia. Querem de volta seu capitalismo selvagem. Querem de volta seus privilégios. Querem de volta a desigualdade. Querem de volta a exclusão. Querem de volta até a mesmo a impunidade. Até mesmo a impunidade para reprimir o povo e arrochar o trabalhador.

Em nome de “Deus e da família” golpeiam democracia, o processo civilizatório e nos enchem de vergonha aos olhos do mundo.

Em nome de “Deus e da família”, querem de volta, em suma, a nossa barbárie histórica. Nossa diabólica desigualdade.

Mas esse retrocesso à barbárie não tem nenhum futuro. Mais cedo ou mais tarde, será derrotado. O Brasil só sairá da crise com um grande pacto que contemple os interesses de todos, inclusive os dos trabalhadores e os dos que são beneficiados pelas corretas políticas de inclusão. Fora disso, não há salvação; há barbárie.

O cínico, baixo e machista “tchau querida”, será logo substituído pelo “fora fichas-sujas”. Pelo fora Cunha e pelo fora Temer. Não demorará muito para que a palavra de ordem seja “fora golpistas”.

Assim, os golpistas não têm nada a comemorar. A triste noite do “tchau querida” dará  lugar a um dia luminoso, no qual não haverá mais lugar para corruptos, hipócritas, cínicos e, sobretudo, para golpistas. O cínico “tchau querida” do dia 17 terá vida curta.

Irá, merecidamente, para a lata de lixo da História.

E A FELICIDADE?


Nem sempre o céu das famílias é estrelado. Céu e inferno, por vezes, instalam-se e revezam-se nos lares. Esse abismo costuma ser ladeado por semanas e meses de egoísmos mútuos. As crises, por vezes são superadas, outras vezes conduzem para o fim irreversível, indesejado e doloroso.

O casamento passa por três estágios: antes, durante e depois. O antes, daquele casal, foi cheio de sonhos e encanto. Tudo era bonito, um não podia viver sem o outro. Tudo era partilhado, tudo era planejado em conjunto. Formavam o par perfeito. Depois veio o durante, os 45 minutos mágicos em que a noiva desfilou pela igreja, onde era aguardada pelo príncipe encantado. Tudo havia sido planejado: músicas, flores, pajens, padrinhos, convidados, fotógrafos, cinegrafistas... O terceiro estágio, que deveria durar para sempre, começou bem. Melhor do que imaginávamos, diziam eles.

A cena seguinte passa-se três anos depois. No final de uma semana de mútuas agressões, silenciosas ou não, onde o egoísmo dos dois ficou evidente, houve um momento decisivo.

Ao sair para o trabalho, o marido rabiscou um bilhete amargo que deixou ostensivamente na sala de jantar.

Apenas uma frase: Se, pelo menos, você soubesse como a odeio. A esposa quase não queria acreditar. Leu muitas vezes o bilhete e entendeu que o jogo estava perdido. Ao meio-dia ele almoçava no emprego. No fim da tarde, ela estava um pouco mais serena. Providenciou um buquê de rosas vermelhas, as preferidas dele, e escreveu um bilhete: Se, ao menos, você soubesse quanto o amo!

Os dois quase náufragos se encontram no fim do dia. A 25ª hora se aproximava. Houve um momento de indecisão, cada um tentando adivinhar o sentimento do outro. Depois, um longo e desejado abraço, risos e lágrimas, purificaram o passado. E juraram - com uma intensidade maior do que no do dia do casamento -, que seriam felizes para sempre. O “sim” adquiriu novo significado.

A racionalidade é importe também na vida a dois. Há algumas perguntas que os casais devem responder. A primeira é individual: será que não estou sendo egoísta? Outras duas perguntas devem ser debatidas em comum: será que não estamos falando pouco e será que não estamos falando pouco com Deus?

Querer ser feliz é egoísmo; amar é fazer o outro feliz. A palavra pode machucar e matar, mas ela também tem um valor medicinal. O matrimônio é arquitetura humana e divina. É arriscado querer ser feliz sem Ele.

domingo, 17 de abril de 2016

E A TUA VIDA, COMO ANDA?

Nietzsche escreveu um aforismo intitulado “O Maior dos Pesos” dizendo algo tão poderoso que só uma mente brilhante poderia ter dito. E nós, mentes não tão brilhantes assim, temos dificuldade de entender, mas não nos será impossível se ousarmos algum esforço.

Diz o a aforismo: “E se um dia, ou uma noite, um demônio lhe aparecesse furtivamente em sua mais desolada solidão e lhe dissesse: "Esta vida, como você a está vivendo e já viveu, você terá de viver mais uma vez e por incontáveis vezes; e nada haverá de novo nela, mas cada dor e cada prazer e cada suspiro e pensamento, e tudo o que é inefavelmente grande e pequeno em sua vida, terão de lhe suceder novamente, tudo na mesma sequência e ordem - e assim também essa aranha e esse luar entre as arvores, e também esse instante e eu mesmo. A perene ampulheta do existir será sempre virada novamente - e você como ela, partícula da poeira! - Você não se prostraria e rangeria os dentes e amaldiçoaria o demônio que assim falou? Ou você já experimentou um instante imenso, no qual lhe responderia: "Você é um deus e jamais ouvi coisa tão divina!". Se esse pensamento tomasse conta de você, tal como você é, ele o transformaria e o esmagaria talvez; a questão em tudo e em cada coisa, "Você quer isso mais uma vez e por incontáveis vezes?, pesaria sobre os seus atos como o maior dos pesos! Ou o quanto você teria de estar bem consigo mesmo e com a vida, para não 'desejar nada além dessa última, eterna confirmação chancelada'? (Nietzsche - "A Gaia Ciência").

Deixemos de lado interpretações cosmológicas desse aforismo e concentremos a atenção para o aspecto psicológico. E o que seria se concentrar no aspecto psicológico do conceito do eterno retorno? Significa várias coisas, mas a principal é de que ele estabelece um critério infalível de vida autêntica, bem sucedida e feliz. Se olharmos para nossa vida e perguntarmos: a vida que estou levando eu gostaria de continuá-la vivendo por incontáveis e sucessivas vidas infinitamente? Se eu responder que sim, então minha vida tem sido autêntica, correta e vivida no máximo de sua intensidade possível. Se eu responder que sim, então, não terei nada a reclamar, nada a mal dizer, nada e ninguém culpabilizar, e a tudo perdoar.

Agora, se eu responder que não, que não gostaria de viver a vida que tenho vivido, então, melhor dar um jeito e mudar de vida. Só assim a autenticidade operará em mim e merecerei a felicidade, finalidade de todas as ações.

Amar o próprio destino, amar a vida que se tem e vivê-la na maior intensidade e sinceridade, eis o que podemos fazer de melhor para merecermos continuar vivendo e almejarmos uma vida feliz.

sexta-feira, 15 de abril de 2016

UMA DOENÇA CRÔNICA: A DIVISÃO.

Nos tempos atuais sofremos de uma doença crônica: a divisão. Basta olhar para a sociedade, para os governos, para os poderes públicos, as instituições e, sem exagero, constata-se isto de forma visível. E porque há tanta divisão? A resposta está nos interesses dos grupos e das pessoas. Os interesses entorpecem grupos, corporações e pessoas. Almejar um interesse de bem coletivo no presente contexto é um desafio. Postar-se contra essa luta demoníaca de interesses pessoais e privados é tarefa de todos os cidadãos.

A sociedade capitalista entorpece os corações e as mentes. A atual e cruel concorrência por capital causa a degradação social e humana. Estreitamente relacionado à concorrência vende-se a ideia de felicidade: quanto mais posses e mais consumo mais feliz poderá ser a pessoa. Em nosso país as divisões estão demasiadamente ao redor desta ideologia do estado atual das coisas na sociedade.

Uma parte da sociedade defende os interesses do mercado, visando favorecimento pessoal. É notório que esta parte se identifica com interesses do mercado, com assegurar seus próprios investimentos em ações na Bolsa de Valores, etc. Outra parte, a minoria, busca colocar interesses de caráter de bem coletivo. Mas estes não têm força suficiente. Consequentemente, em nível nacional, uma guerra se estabelece entre grupos, entre classes sociais.

Em defesa dos interesses da classe social privilegiada, a grande mídia tornou-se menos comunicação e mais negócio. Por abraçar esta causa, criou uma situação de ódio entre as pessoas, condição que está longe de gerar diálogo entre as partes e credibilidade nas instituições. Os detentores das concessões comunicativas se curvaram ao valor do mercado, manipulando informações e sonegando a verdade dos fatos. Contrapor isto, em prol do bem comum, é tarefa para livrar-se desta crônica doença do ódio.

Não bastante, a globalização da economia que tanto se defendia há décadas, tida como tábua de salvação do mundo, na verdade só favorece a poucos. Por conseguinte, a globalização mudou as ideias, as relações e a cultura de solidariedade da nação. Mesmo em tempo de crises, os defensores da economia global pregam com veemência a ideia de que ao salvar o sistema da economia resolvem-se todos os problemas sociais, como a pobreza e a exclusão. Na realidade, a globalização transformou o mundo numa pequena aldeia global, todos obrigados a conviver e intercomunicados aos mais desumanos interesses do mercado e dos poderosos grupos financeiros. Por sua vez, o Brasil é uma nação divida como foi sempre. Há de um lado quem enriquece às custas da miséria do povo e, do outro lado, os que padecem. Ademais, manter uma nação dividida interessa a quem sempre teve seus muitos ganhos econômicos, benesses e privilégios.

NÃO VAI TER GOLPE.

Todo dia, em todos os portais, em todos os jornais, em todos os espaços onde mantém cães de guarda adestrados, a mídia amanhece com a mesma notícia: o impeachment são favas contadas.

É mentira.

Ninguém, em Brasília, muito menos nessas redações abarrotadas de marionetes, pode afirmar qual será o resultado da votação no plenário da Câmara dos Deputados, no próximo domingo.

Qualquer previsão é chute.

Por isso, é importante se manter mobilizado, fazer o bom combate, com garra, urbanidade e certeza de estar na defesa da democracia contra um bando de ratos.

Ratos que, sem voto, tentam voltar ao poder por meio de um golpe legislativo.

Não acreditem nessa gente, nem desanimem.

A luta está apenas começando.

#NãoVaiTerGolpe

OS CONTINUADORES DA CASA GRANDE, ESTÃO VOLTANDO

Toda crise desbasta as gangas e traz à luz o que elas escondiam pois sempre eram atuantes nas bases de nossa sociedade. Aí estão as raízes últimas de nossa crise política, nunca superada historicamente; por isso, de tempos em tempos afloram com virulência: o desprezo e a humilhação dos pobres. É o outro lado da cordialidade brasileira, como bem o explicou Sérgio Buarque de Holanda. Do coração nasce nossa bem-querença e informalidade mas também nossos ódios. Talvez, melhor diríamos: o brasileiro mais que cordial, é um ser sentimental. Rege-se por sentimentos contraditórios e radicais.

Há que se reconhecer: vigora ódio e profundas dilacerações em nosso país. Precisamos qualificar este ódio. Ele é ódio contra os filhos e filhas da pobreza, daqueles que vieram dos fundos da senzala ou das imensas periferias. Basta ler os historiadores que tentaram ler nossa história a partir das vítimas, como acadêmico José Honório Rodrigues ou o mulato Capistrano de Abreu ou então o atual diretor do IPEA o sociólogo Jessé de Souza para darmo-nos conta sobre que solo social estamos assentados. As grandes maiorias empobrecida eram para as oligarquias econômicas e as elites intelectuais tradicionais e pelo estado por elas controlado, peso morto. Não só foram marginalizadas mas humilhadas e desprezadas.

Refere José Honório Rodrigues:

“A maioria dominante foi sempre alienada, antiprogressista, antinacional e não contemporânea. A liderança nunca se reconciliou com o povo. Nunca viu nele uma criatura de Deus, nunca o reconheceu, pois gostaria que ele fosse o que não é. Nunca viu suas virtudes nem admirou seus serviços ao país, chamou-o de tudo – Jeca-Tatu -, negou seus direitos, arrasou sua vida e logo que o viu crescer ela lhe negou, pouco a pouco, sua aprovação, conspirou para colocá-lo de novo na periferia, no lugar que continua achando que lhe pertence”(Reforma e conciliação no Brasil p.16).

Não se trata de uma descrição do passado, mas a verificação do que está ocorrendo no atual momento. Mas por uma conjunção rara de forças, alguém vindo de baixo, um sobrevivente, Luiz Inácio Lula da Silva, conseguiu furar a blindagem promovida pelos poderosos e chegar à presidência. Isso é intolerável para os grupos poderosos e intelectualizados que negam a qualquer relação com os do andar de baixo. Mais intolerável ainda é o fato de que com políticas sociais bem direcionadas foram incluídos milhões que antes estavam fora da cidadania. Estes começaram a ocupar os lugares antes reservados aos beneficiados do sistema discricionário. Puseram-se a consumir, entrar nos shoppings e voar de avião. Sua presença irrita os do andar de cima e dispõem-se a odiá-los.

Podemos criticar que foi uma inclusão incompleta. Criou consumidores mas poucos cidadãos críticos. Que seja. Mas é dever primeiro do estado garantir a vida de seus cidadãos. E o garantiu em grande parte. Mas reconhecemos que não houve um desenvolvimento do capital social consistente em termos de educação, saúde, transporte, cultura e lazer. Essa seria outra etapa e mais fundamental que já estava sendo implementada com escolas profissionais e com o acesso de milhares de empobrecidos à universidade.

O fato é que quando esses deserdados começaram a se organizar e erguer a cabeça foram logo desqualificados e demonizados pelos atualizadores da Casa Grande e de seus aliados. Atacaram seu principal representante e líder, Lula. O fato de ter sido levado sob vara para um interrogatório, ato desproporcionado e humilhante, visava exatamente isso: humilhar e destruir sua figura carismática. Junto com ele, liquidar, se possível, o seu partido e torna-lo inapto para disputar futuras eleições.

Em outras palavras, os descendentes da Casa Grande estão de volta. A onda direitista que assola o país possui esse transfundo odiento. Buscar o impedimento da presidenta Dilma é o último capítulo desta batalha para chegar ao estado anterior, onde eles, os dominantes, (71 mil super-ricos com seus aliados, especialmente do sistema financeiro, que representam 0,05 da população) voltariam a ocupar o estado e faze-lo funcionar em benefício próprio, excluídas as maiorias populares. A aliança deles com a grande mídia, formando um bloco histórico bem articulado, conseguiu conquistar para a sua causa a muitos dos estratos médios, progressistas nas profissões mas conservadores na política. Esses mal sabem da manipulação e da exploração econômica a que estão submetidos pelos ricos como notou recentemente Jessé de Souza do IPEA.

Mas a consciência dos pobres uma vez despertada, não há mais como freá-la. Pela lógica das coisas, transformações virão, dando outro rumo ao país, menos malvado e sem piedade.

Leonardo Boff é articulista do JB online e escritor.

quarta-feira, 13 de abril de 2016

É OUTONO OUTRA VEZ.

Para além das lentes fotográficas, o outono poderia ser mais festejado. São tantas alterações na paisagem, coloridos diferenciados, tonalidades inspiradoras. O vento balança os galhos, as folhas se soltam, a temperatura torna-se mais amena. Bem-vindo outono, ensaiando uma tênue leveza, convidando à interiorização. A vida se insere nas estações, mas resiste às transformações. Não tem como não balançar e não deixar algumas coisas se soltar. A natureza é exemplar quanto à renovação, mesmo sendo maltratada.

Quando as folhas encontram o chão, a impressão é que as plantas fecham as janelas, puxam as cortinas e apagam as luzes. A seiva se retrai, muitos galhos secam, a aparência se esvai. A maior parte da vegetação fica quase irreconhecível. Porém, é necessário que esse processo se complete. Sem contar que o inverno tenta se misturar com o outono, alternando o assoviar do vento e as quedas da temperatura.

Outras estações virão, enquanto isso faz bem provocar ‘outono’ nas entranhas da existência. Algumas folhas devem mesmo se desprender e alcançar distância. Apesar das resistências, a renovação se faz necessária. Algumas insistências não valem a pena. Outros tempos aguardam por novas posturas. A seiva do bem não perde o vigor. Depois que passar o período do recolhimento, a esperança será retomada e o encantamento voltará a ocupar o familiar cenário. Recolher-se para expandir-se: é tão interessante esse movimento.

Os tempos são mesmo de transformação. Mudanças são quase que uma exigência. Porém, como perceber-se o que é melhor, sem a disposição de fazer do recolhimento um tempo de reflexão? As alterações se tornam eficazes quando a trajetória não é ignorada e o ponto de chegada não perde as evidências. Tomara que os ventos tragam de volta os fragmentos da humildade e as dobraduras do bem comum.

Os excessivos ruídos não podem comprometer a elegância da ética e nem a harmonia do respeito. Quando os humanos se digladiam em posicionamentos desgastam a preciosidade da essência que a vida comporta, para além das ideologias. As folhas que se soltam não voltam mais. Que a rivalidade alcance a decência e que a primavera não tarde a chegar. Afinal, viver sem esperança não faz nada bem. O outono é feito de tonalidades. É fantástico o colorido da justiça. Ainda bem que a transparência se faz insistente em muitos corações.

segunda-feira, 11 de abril de 2016

A VIDA É FEITA DE TROCAS.

A vida é feita de trocas. A possibilidade de estar em determinados eventos permite encontros e encantamentos. Sempre fico com o ouvido mais aguçado quando os relatos pessoais salientam a capacidade de superação. Num desses trabalhos, me encontrei com uma jovem entusiasmada. Sua apresentação seria na sequência da minha temática. Pouco falamos. Sua atenção, porém, inspirou as palavras que recebi posteriormente, em meu endereço eletrônico.

“Vim do interior, família de agricultores, sei bem o que é o suor no cabo de uma enxada, no sol quente em meio à plantação de soja e trigo, cuidando dos animais, fazendo a ordenha e comercializando o leite. Desde menina gostava da caneta. Quando tinha que preencher o bloco do produtor, para fazer a nota para transportar os grãos, eu pulava no colo do pai com a caneta em mãos. Não faz muito tempo que me dedico aos estudos, fiz somente uma graduação, o restante é interesse e leitura. A vida me trouxe para cá, onde tenho a oportunidade de fazer o que amo de verdade, que é falar e passar conhecimento às pessoas: ministrar palestras e dar aula para ‘jovens aprendizes’. Sinto-me muito feliz”.

Guardei com carinho esse testemunho. Lembrei de tantos que, de sol a sol, não largam a enxada, pois necessitam garantir o sustento. Nenhum trabalho acontece longe da dignidade, quando as motivações agrupam energias e dão contornos aos sonhos. Sempre haverá uma boa dose de sacrifício quando se trata de realizar as buscas mais profundas. O suor parece validar os esforços que sustentam metas e vitórias. Nada é em vão quando há clareza quanto ao ponto de chegada.

A vida me trouxe para cá, escreveu a realizada jovem. Sim, a vida se faz movimento quando o coração acalenta outros encaminhamentos. Realizar-se sempre será superior às buscas materiais. Trabalhar para adquirir algumas coisas, faz parte do óbvio. Porém, determinar para si mesmo que a felicidade é possível, é reunir as melhores energias para capacitar-se em vista de determinadas conquistas. O colo do pai e a caneta em mãos descortinaram um outro horizonte àquela criança que não conhecia outros endereços, mas sabia que a vida a levaria à realização. De fato, a enxada pode ser o começo de uma história repleta de alegria e de sabor. Na simplicidade, a vida se faz oportunidade.

domingo, 10 de abril de 2016

E ESTA VIDA AGITADA?

Uma das mais repetidas queixas da humanidade atual gira em torno da real agitação da vida. Estamos na era da pressa e da velocidade acelerada. A demanda da vida, em nossos dias, é tão exigente que temos dificuldade de dar conta de nossa programação cotidiana. Com a agitação debate-se o rico e o pobre, o letrado e o iletrado, o homem e a mulher, a criança, o jovem e o adulto.

Há quem se sente escravo da agitação, quase sem tempo para o justo descanso, para a gratuidade da convivência e menos ainda para o lazer. Há quem prefere a agitação para não silenciar, nem pensar nos problemas que pesam em seus ombros. Há quem opta pela agitação para não se acomodar e garantir um justo progresso pessoal e social. Há quem se vê provocado pela agitação dos cargos e sobrecargas que lhe são confiados por sua comprovada capacidade e responsabilidade. Há quem se agita por ser de temperamento primário e extrovertido. Existem agitados e agitadores em todos os cantos do planeta.

Vida agitada pode ser benéfica quando dinamiza a vida e não permite que a rotina tome conta. Vida agitada é positiva quando nos sentimos como os atletas em campo, reunindo energias e capacidades para justas vitórias. Dizia um antigo provérbio que “águas paradas não movem moinho”. Em contrapartida, “águas em avalanche podem fazer os piores estragos”.

A natureza pode nos ensinar a ir encontrando a justa medida. Esta não vem por receita, nem por cronometragem do dia a dia, como se estivéssemos em partida de futebol. Entre vida agitada e vida estagnada, creio que todos preferimos exagerar um pouco o nosso ritmo, pela agitação da vida.

No Evangelho de Lucas, encontramos um episódio singular, onde Jesus se hospeda na casa das irmãs de Lázaro. Maria, muito tranquila, senta-se aos pés do Mestre para ouvi-lo. Marta se agita, preocupada em preparar-lhe boa refeição. Reclama por achar que Maria estava perdendo tempo e não colaborar com ela. Jesus repreende Marta e lhe diz: “Marta, Marta! Tu te preocupas e andas agitada com muitas coisas. No entanto, uma só coisa é necessária. Maria escolheu a melhor parte que não lhe será tirada”.

Quando Jesus fala que Maria escolheu a melhor parte, não diz que Marta escolheu a pior. Creio que nessa história está um pouco de nós. Na agitação da vida há sempre o perigo natural de ignorar o que é fundamental e o mais importante. Indiscutivelmente, hoje, vivemos uma enorme crise de profundidade. Este atropelo que não permite sintonizar e responder às nossas profundas aspirações, afeta a totalidade de nossa existência humana, não só a dimensão religiosa.

Nesta vida agitada, que é resultado de muitos e diferentes fatores, se faz sentir sempre mais a necessidade de nos reeducar, tanto na vivência pessoal como na convivência familiar e social. Isto vai nos exigir uma organização no uso do tempo e, acima de tudo, a capacidade de medir nossas humanas possibilidades.

sexta-feira, 8 de abril de 2016

QUE TAL CRIAR O DIA DO CONTRÁRIO?

No passado, cada dia era dedicado a um santo. Hoje são dedicados às santas causas. Elas acabam atropelando e criando confusão e a pessoa se interroga: hoje é o dia de quê mesmo? E acabam não sendo levadas a sério.

Temos o dia Mundial da Água, Dia Internacional da Mulher, Dia das Mães, Dia da Criança, Dia do Professor... Isto sem esquecer o Dia do Índio, da Negritude e o da Pendura. Ao lado delas surgem outras menos votadas: Dia da Sogra, do Vendedor Ambulante, da Parteira, do Ferreiro, do Carroceiro, do Afiador de Facas, do Cuidador das Cavalariças, Negociante, Oleiro, Vidraceiro, Porteiro...

Nem todas as datas são positivas: Dia contra a Aids, contra o fumo, contra o barulho, Dia sem Celular, sem automóvel, sem televisão... Existem ainda datas que parecem fugir do controle: Dia do Mico Leão Dourado, Dia Contra os Terremotos, Dia da Mentira...

Em meio à confusão indisciplinada de datas, parece faltar uma: o Dia do Contrário. Nesse dia, cada pessoa deixaria seu lugar para assumir o lugar do outro, especialmente daquele com quem contracena.

Cada questão é percebida a partir de um ponto de vista. E todo o ponto de vista é visto a partir de um ponto. Um exemplo clássico seria o Dia do Contrário numa família, todos mudando de lugar. O marido assumiria as tarefas da esposa; os filhos tentariam ver a realidade a partir do ponto de vista dos pais. E vice-versa.

Oportuno também seria fazer valer o Dia do Contrário nas rodovias. O pedestre veria a realidade pilotando um carro, enquanto o motorista assumiria as dificuldades do pedestre. Na sala de aula, professor e aluno trocariam de lugar. O mesmo aconteceria nas empresas: a troca de posições entre o patrão e o empregado. Salutar também seria a troca de posições nas igrejas. Os pregadores sentariam nos bancos, enquanto um leigo faria o sermão. No futebol, a troca seria entre o juiz e os jogadores; na política, o eleitor assumiria o comando e os políticos obedeceriam às leis.

Este exercício alargaria a visão. Na realidade, no dia a dia, funciona a famosa lei do jogador Gerson: o jeitinho, cada um querendo tirar vantagem. Agimos como se todos os outros fossem nossos concorrentes e, não raro, assumimos a posição de donos da verdade.

Há oitocentos anos, Francisco de Assis descobrira a solução: o irmão deve ter sempre a primazia, o irmão é sempre maior do que nós. Isso coloca em destaque a dimensão do serviço. E o próprio Jesus assumiu esta postura. Ele deixou sua divindade e assumiu a condição humana.

O ULTIMO DOS ROMANOS E O PRIMEIRO DOS MEDIEVAIS

Apresento um filósofo do período medieval: Boécio. Mas poderá estar se perguntando: o que tem haver um pensador medieval em pleno século XXI? Vamos lá, pois descobriremos juntos a sua importância para o mundo ocidental.

Boécio (480-524) é um filósofo cristão romano, tradutor e comentador dos tratados de lógica de Aristóteles. Ele é considerado uma “ponte” entre o período medieval e o pensamento clássico da filosofia grega, ficando conhecido como o “último dos romanos e o primeiro dos escolásticos”. Além disso, era um dos altos funcionários da corte do rei Flávio Teodorico, mas por um deslize foi condenado à morte.

Na prisão, antes de ser executado, escreveu uma obra intitulada Consolação da filosofia. Nela, expõe sua concepção filosófica com ênfase ao ponto de vista ético e cosmológico. Em seu tratado é possível de perceber uma mistura de concepções clássicas e medievais.

Uma das contribuições de Boécio ao mundo ocidental é o conceito de pessoa. Seu conceito de pessoa perdurou na Idade Média. Para Boécio, “a pessoa é uma substância individual de natureza racional”. Etimologicamente, o termo pessoa provém da palavra prosôpon (grega) e persona (latina). Ambas dizem respeito à máscara usada pelo ator no teatro na Antiguidade Grega, ao representar o papel principal da peça. Daí, pois, surgiu a expressão ‘pessoa’ que com Boécio ganhou a compreensão de individual e racional.

O conceito de Boécio elevou a dignidade da pessoa humana pelo fato de vê-la como um todo, isto é, o ser. O ser é merecedor de dignidade na integralidade humana. O essencial numa pessoa é o fato de ela ser, existir, e não suas características. É uma realidade ontológica, ou melhor, o ser enquanto ser.

O pensamento marcado pelo Cristianismo compreende a pessoa como ser humano racional, livre pela sua dimensão moral e espiritual, consciente do bem e do mal e responsável pelos seus atos. Refletindo um pouco mais sobre a pessoa, hoje ela é muito valorizada pelo ter e o fazer. Nesse olhar perde-se o seu valor essencial que é o ser, porque o ser pessoa vem primeiro.

Toma-se o ter e o fazer como superiores, em detrimento do ser, ou seja, troca-se o essencial pelo acidental. Desse modo, a pessoa perde o seu verdadeiro sentido, pois não se dá valor a ela pelo fato de ser pessoa, mas por ter posses, por tal profissão ou titulações que, por sua vez, não trazem garantia de felicidade a ninguém que se apóia unicamente nesses parâmetros.

quinta-feira, 7 de abril de 2016

O COSTUME.

A gente se acostuma a morar em apartamentos de fundos e a não ter outra vista que não as janelas ao redor.

A gente se acostuma a acordar de manhã sobressaltado porque está na hora. A tomar o café correndo porque está atrasado. A sair do trabalho porque já é noite. A cochilar no ônibus porque está cansado. A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia.

A gente se acostuma a abrir o jornal e a ler sobre a guerra. E, aceitando a guerra, aceita os mortos e que haja números para os mortos. E, aceitando os números, aceita não acreditar nas negociações de paz.

A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: hoje não posso ir. A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta. A ser ignorado quando precisava tanto ser visto.
A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e o que necessita. E a lutar para ganhar o dinheiro com que pagar.

Às bactérias da água potável. À contaminação da água do mar. À lenta morte dos rios. Se acostuma a não ouvir passarinho, a não ter galo de madrugada, a temer a hidrofobia dos cães, a não colher fruta no pé, a não ter sequer uma planta.

A gente se acostuma a coisas demais, para não sofrer. Em doses pequenas, tentando não perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá.

Se a praia está contaminada, a gente molha só os pés e sua no resto do corpo. Se o trabalho está duro, a gente se consola pensando no fim de semana. E se no fim de semana não há muito o que fazer a gente vai dormir cedo e ainda fica satisfeito porque tem sempre sono atrasado.

A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele. Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para esquivar-se de faca e baioneta, para poupar o peito. A gente se acostuma para poupar a vida. Que aos poucos se gasta, e que, gasta de tanto acostumar, se perde de si mesma.

Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia...

quarta-feira, 6 de abril de 2016

O PARTIDO E A PARTE.

2016 é o ano em que teremos eleições para escolha de nossos representantes no legislativo e executivo municipal. É um ano político porque uns candidatos reapareceram e outros se apresentarão pela primeira vez. Eles vêm, infelizmente, com os mesmos discursos, entoando suas vozes em prol do desempregado, do estudante etc. Nos discursos, afirmam melhoria na saúde, na segurança pública, incentivos à agricultura, bem como da cultura e dos esportes, etc. Os candidatos colocam-se ao lado do povo parecendo sentir na pele suas dores e necessidades. E, de bom grado, oferecem-se como representante na luta por melhorias para a população.

São muitos bonitos e empolgantes os discursos, mas, na prática, pouco se percebe de realidade por parte de alguns dos nossos representantes. O que se vê é mais a luta e busca pela parte, ou seja, pelo interesse de seu partido.

A palavra partido indica parte do todo, não é o todo. A proliferação de partidos e coligações em nosso país é grande e confunde o eleitorado desavisado. Qual a causa dessa proliferação partidária? É importante e necessária a diversidade de partidos, os denominados de esquerda e de direita, porque, assim, há maior fiscalização na administração do executivo. O problema está em os partidos, muitas vezes, defenderem mais seus interesses do que o bem comum.

Por outro lado, torna-se relevante o cidadão conhecer as bases de cada partido, isto é, suas origens e seus projetos, porque em muitos existe mais interesse em pequenos grupos do que em iniciativas em prol da população.

É muito comum esta expressão: “O povo tem o governo que merece”. Contudo, acredita-se numa mudança em nosso país em relação à construção da consciência política através da educação, pois, aos poucos, o brasileiro está crescendo em acesso a cultura. Acredita-se que um dos caminhos mais seguros para uma mudança do cenário político é a ética e a educação.

Elas tecem uma consciência crítica da realidade e, só assim, vê-se com mais profundidade as reais intenções dos candidatos que visam, de fato, lutar pelo povo ou pelo interesse do partido. Isso porque, devido à preocupação de projeção partidária, muitos projetos que vem ao encontro das necessidades do povo vão para a gaveta, porque se não é “do meu partido”, o plano não é aprovado.

Então, pergunta-se: você acompanhou o trabalho daquele que recebeu o seu voto na última eleição? O que seu representante eleito têm feito em benefício da cidade? Eles foram eleitos para administrar aquilo que é seu, pois o patrimônio público é seu, é de todos. Sem forçar a expressão, quem fiscaliza o trabalho de seus empregados? Os representantes eleitos são os empregados, por isso devem ser averiguadas suas atitudes.

terça-feira, 5 de abril de 2016

O QUE É ALEGRIA PASCAL?

Há uma pergunta inquietante que percorre os cantos da Terra, onde os humanos se deparam com realidades tão obscuras e agressivas: Como se pode falar de alegria pascal quando sabemos que há tantos impedimentos que a roubam da humanidade: as guerras, os sofrimentos, as injustiças e agressões de tantas formas?

Na verdade, a alegria pascal não é uma sensação alienada ou alienante, mas um direito sagrado de todos os humanos. Em todo o ser humano existe um pedaço de solidão que nenhuma intimidade humana consegue preencher. É ali que Deus nos encontra. É ali, nessa intimidade, que se encontra o segredo da alegria do Cristo Ressuscitado. A alegria é como um pedaço de chão que cultivamos em nós; é como uma pequena quadra de esporte onde exercitamos a liberdade e a espontaneidade.

Como cristãos, não podemos cruzar os braços diante do ser humano vítima do ser humano. Reduzir à miséria o que há de mais precioso e sagrado que é a pessoa, imagem e semelhança de Deus, é inadmissível. A justa indignação faz parte da fé cristã. Porém, na ânsia de maior justiça não podemos renunciar o cultivo da alegria interior oferecida e garantida a todo cristão pela Páscoa do Senhor. Caso renunciemos nosso direito à alegria cristã, estaríamos nos vergando sob o fardo de nosso desespero e oferecendo à humanidade a nossa tristeza. Diante de tantos problemas, seríamos mais um problema.

Por acaso, para viver na alegria estaríamos impedidos de combater e lutar pela justiça? Ao contrário! Sabemos que a alegria não é apenas uma euforia passageira. É animada por Cristo em homens e mulheres plenamente lúcidos quanto à situação do mundo, capazes de assumir grandes desafios e empreender a via-sacra da vida, na certeza de um final feliz.

A estas alturas da reflexão, também é importante lembrar que a alegria pascal não é uma diversão passageira ligada a uma festa, ou um momento festivo. A verdadeira alegria pascal inaugura-se na certeza de que o “último inimigo foi vencido, isto é, a morte”.
Paulo, insiste: “Alegrai-vos sempre no Senhor!”. Diante desta insistência de Paulo a viver a alegria, o que nos deixa inquietos é a palavra “sempre”. Na verdade, nem sempre estamos alegres pelas muitas interferências que despontam no caminho, como doenças, intrigas, angústias, situações de pobreza etc. Porém, mesmo assim podemos “ser alegres”, embora nosso rosto não consiga manifestá-la.

A Páscoa  resgata, ao ser humano, o argumento imbatível da possível alegria permanente, mesmo que esta precise conviver com o cotidiano da cruz. “Se alguém quer me seguir, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz de cada dia r e siga-me”. Em Cristo não há qualquer sintoma de masoquismo, mas um amor sem limites, capaz de abraçar a cruz e nela morrer para garantir a todos a possibilidade da ressurreição.

domingo, 3 de abril de 2016

A IMPORTAMCIA DA TROCA DE LUGAR.

Certa vez, quatro mendigos encontraram-se numa encruzilhada: um turco, um árabe, um grego e um persa. Para celebrar o encontro, decidiram fazer uma refeição juntos. Reuniram as moedas que possuíam com intuito de comprar algo para a comemoração. Aí chegaram a um impasse: o que comprar com o dinheiro? Uzum, disse o turco; Ineb, gritou o árabe; Staphilion, afirmou o grego; Inghur, protestou o persa. O tom com que cada um fizera sua escolha dava a entender que era questão fechada. Logo estavam discutindo, cada um defendendo sua escolha. O próximo passo só poderia ser agressão moral e até mesmo a agressão física.

Por acaso passou por aí um sábio e, quase por um milagre, conseguiu um pouco de silêncio, o suficiente para ser ouvido. E explicou o absurdo da discussão: cada um de vocês está pedindo a mesma coisa, com palavras diferentes: uvas.

Hoje vivemos num tempo de muitas palavras vazias. Falamos em diálogo, falamos em ética, falamos em qualidade de vida, falamos em dignidade humana, falamos em pobres e não saímos daí.

A necessidade de dialogar é proclamada em todos os setores da vida humana. Isto acontece nas relações internacionais, nos partidos políticos, nos clubes, nas famílias, até na própria Igreja. Todos querem anunciar sua verdade, mas poucos aceitam escutar a verdade do outro. É aquilo que chamamos de diálogo dos surdos; Todos falam e ninguém escuta.

Toda tese tem como base um ponto de vista e o ponto de vista é visto a partir de um ponto. Escutar o outro supõe mudar de lugar. É diferente o ponto de vista do motorista do ponto de vista do pedestre. Para um entendimento será necessário trocar de lugar: o professor com o aluno; o patrão com o operário; o homem com a mulher; o adulto com a criança; o jogador de futebol com o juiz...

Dialogar supõe, antes de falar, ouvir, colocar-se no lugar do outro. Aí é possível entender que existe muita coisa em comum e que as diferenças não são tão grandes, nem importantes. Bem conduzida, a negociação não deixará vitoriosos ou vencidos. E um pouco de dose de humildade pode nos mostrar que a opinião do outro é até mais rica do que a nossa. Ícone do diálogo e da bondade, dom Helder Câmara dizia: se você discorda de mim, me enriquece.

É impressionante, no Evangelho, o número de cegos, surdos, mudos, paralíticos curados por Jesus. Ele mesmo deu o exemplo: deixou a glória para assumir nossa humanidade. Trocou de lugar conosco.

sábado, 2 de abril de 2016

A POLÍTICA E SUAS ARTIMANHAS

Partindo do princípio que o motivo das panelas nunca foi combate à corrupção – já que os maiores corruptos e saqueadores são os ídolos de quem protesta – fica fácil demais afirmar que o desejo de manter o abismo social é a grande bandeira daqueles que vociferam por justiça.

Decididamente, quem tem o egoísmo correndo pelas veias, jamais verá com bons olhos a modesta ascensão social dos que buscam escapar da condição de servo e de miserável. Jamais aceitarão que através da "meritocracia" os malnascidos obtenham vitórias a partir da primeira porta que o governo lhes abrir.

O desejo de condenar o desassistido a não ter o direito de ver seus filhos em uma creche, alimentados, residindo sob um teto decente, com acesso a cursos técnicos ou universidades e a desfrutar de uma vida razoavelmente digna, vai sempre se camuflar em discursos repletos de sofismas.

Ao menos, devido a tantas justificativas - e todas tão frágeis e contraditórias - as ações de repulsa, e mesmo de ódio, não são mais dissimuladas. Os senhores da senzala já vomitam abertamente o que nunca conseguiram digerir. Afinal, imagina que situação mais vexatória ter que aprender política com um semi-alfabetizado!?

Quem é ele pra ousar ter sobrevivido se "a morte dos severinos de fome um pouco por dia" era praxe nos governos anteriores? Como ousou largar a fábrica e questionar a relação de trabalho dos seus iguais? Como ousou transitar com desenvoltura pelos salões e corredores dos que detém o poder? E a jogar os holofotes do mundo sobre o Brasil? E a tirar 36 milhões de brasileiros da miséria extrema? E a etc e etc...?

Curioso que muitos que desfilaram de verde e amarelo, camuflaram-se também nas procissões da Semana Santa. Ali exaltaram as ações d'Aquele que partilhou o alimento; ofereceu conforto aos oprimidos; resgatou a dignidade dos excluídos e denunciou a opressão. Preocupados em caprichar nos brados de amém, seriam incapazes de admitir que gritariam por Barrabás se naquele julgamento estivessem.

Ademais, pobre bom é o pobre da Bíblia. Nada melhor que me sensibilizar com quem sofre a uma distância de dois mil anos de mim. Para esses eu lanço uma moeda na sacola das ofertas com a singela preocupação que meu vizinho ouça o seu tilintar.

Enfim, esqueçamos a retórica de povo solidário e acolhedor. As feras já mostraram suas garras e aumentaram seus rugidos. Aproxima-se o maremoto. A melhor vitória pertence àqueles que não se envergonham de dizer às gerações futuras o exato lado que escolheu.

DAR UM PASSO MAIS

Era uma vez. Assim começam muitas histórias. Era uma vez um bando de rãs. No pequeno lago onde habitavam foi organizada uma competição. O objetivo era alcançar o topo de uma torre. Uma multidão juntou-se para apreciar. Todos eram de opinião de que nenhuma delas conseguiria superar o desafio. Tratava-se de algo impossível.

Uma dezena de rãs habilitou-se. Vocês não vão conseguir, diziam todos. O esforço será inútil, vocês vão fracassar. A competição começou e o pessimismo contagiante foi crescendo. Algumas rãs aceitaram o fatalismo e desistiram. Outras tentaram mais um pouco, mas chegaram à conclusão que seus limites haviam sido atingidos e também desistiram. Mas uma rã, muito teimosa, continuou na luta, passou por momentos difíceis, mas insistiu e chegou ao topo da torre.

Entre o espanto e a curiosidade, todos queriam saber seu segredo. Como ela conseguira superar aquele desafio considerado impossível. A rã vencedora não se deixara empolgar pelos elogios e pela crítica. A verdade veio em seguida: ela era surda. E porque era surda não foi influenciada pelo derrotismo de todos. Não escutara os profetas do pessimismo.

A vida é uma grande competição. Todos competimos, mas a competição não é contra os outros. Competimos conosco mesmos. Nosso dever é conseguir o máximo. E o máximo é conseguir dar um passo mais.

Saint Exupéry, num de seus voos, espatifou seu pequeno avião contra as catedrais de gelo dos Andes. Era impossível sair daí. Seus companheiros não tinham ideia do local da queda. Cansado, desanimado, teve a tentação de deixar que o frio intenso da neve e do gelo trouxesse a paz da morte. Mas ele pensou: se meus companheiros sabem que eu estou vivo, terão certeza que eu estarei caminhando. Com estrema fadiga, deu o primeiro passo. Depois, caminhou três dias e três noites, quando foi localizado e salvo.

Henry Ford, o pioneiro do automóvel em série, dizia aos seus subordinados: “Se você acha que pode, ou se você acha que não pode, sempre terá razão”. E Jean Cocteau - da Academia Francesa - parece ter dado os contornos definitivos nesta questão: “Ele não sabia que era impossível, foi lá e o realizou”.

A história está cheia de coisas “impossíveis” que alguém realizou. Foi assim que surgiram a televisão, o avião, a conquista da lua, o raio laser. A cada Olimpíada, recordes, considerados definitivos, são superados.

Na dimensão da fé, Paulo apóstolo garante: “Tudo posso naquele que me conforta” (Fl 4,13). Caso não consigamos, vale a luta. Nosso maior compromisso não é vencer, mas lutar até o fim. Dar um passo a mais.

sexta-feira, 1 de abril de 2016

ESTOU AQUI SÓ DE PASSAGEM

Conta-se que, no século passado, um turista americano foi à cidade do Cairo no Egito, com o objetivo de visitar um famoso sábio. O turista ficou surpreso ao ver que o sábio morava num quartinho muito simples e cheio de livros. As únicas peças de mobília eram uma cama, uma mesa e um banco. Onde estão seus móveis? Perguntou o turista. E o sábio, bem depressa, olhou ao seu redor e também perguntou: e onde estão os seus móveis? Os meus?! Surpreendeu-se o turista. Mas estou aqui só de passagem! Eu também, disse o sábio. O turista trocou mais algumas palavras e seguiu pensativo.

A transitoriedade da vida nem sempre é assimilada adequadamente. Não se trata de pensar unicamente na finitude. Porém, não convém viver como se não existisse um término. O fato de estar neste mundo somente de passagem, não deve angustiar e muito menos entristecer. Pelo contrário, deve deixar a vida mais leve e particularmente centrada no essencial. A materialidade é uma das dimensões humanas. Há algo que ultrapassa a realidade física e remete à eternidade.

Viver com o necessário deveria ser um sonho coletivo. Algumas poucas coisas são suficientes para alcançar à vida o sustento e o equilíbrio. O supérfluo em nada agrega. Ter mais do que o necessário é colocar em risco o desejo infinito de realização. De uma forma até assustadora, as coisas materiais roubam a serenidade e comprometem a liberdade. A felicidade nem sempre está atrelada ao que cada um possui. A necessidade material não resume as buscas mais profundas do ser humano.

Estar aqui só de passagem é uma sensação interessante, inspiração para adequar posturas e encaminhar escolhas. Não ter bagagem excessiva evita transtornos, favorece a leveza, confirma o essencial. Não ter o coração apegado deixou de ser palavreado para tornar-se condição de felicidade. Fomos feitos para a eternidade. Para além do horizonte, contemplamos um mistério que nos convoca à transcendência e à esperança.

Assim como o turista se afastou pensativo daquele nobre sábio, por uns instantes meu coração se recolhe para rever algumas atitudes e reinventar a relação com os bens materiais. Para viver bem não há a necessidade de acumular muitas coisas. Viver um pouco mais leve, com menos preocupações e sem apegos é questão de escolha. É interessante recordar diariamente: estamos aqui só de passagem.