sábado, 29 de novembro de 2014

A FORÇA DAS COISAS FRACAS.

As forças da natureza sempre assustaram a humanidade. Vulcões, maremotos, tempestades, raios, secas e enchentes deixam marcas de destruição em toda a parte. Uma fábula, atribuída a Esopo (século VI antes de Cristo), fala da disputa entre alguns dos elementos da natureza. Quem era o mais forte, o vento, a tempestade ou o sol? Nada melhor que um teste. Qual deles seria capaz de arrancar o casaco de um cavaleiro, que seguia apressado, numa manhã medianamente fria?
O vento entrou em ação, inicialmente com rajadas esparsas. Depois com mais violência, derrubando árvores e destelhando casas, mas o viajante continuou firme, apertando ainda mais o seu casaco. Depois foi a vez da tempestade, enquanto o sol se escondia atrás de uma nuvem. Chuva, raios e trovoadas caíram sobre a terra. O cavaleiro abrigou-se da melhor forma possível, firmando o chapéu e abotoando o casaco. Diante do insucesso do vento e da tempestade, o sol deixou a nuvem para trás e começou a iluminar a terra, com seus raios suaves, sorrindo para a natureza. O viajante tirou casaco e continuou tranquilamente sua viagem.
Muitas vezes as aparências são enganosas. As coisas, aparentemente fortes, acabam vencidas pelas coisas fracas. Um enxame de abelhas pode afugentar um leão. Uma pequena porção de fermento contagia a massa. Um sorriso pode desarmar um homem violento.
A natureza nos ensina que as coisas fracas originam as fortes e poderosas. Minúsculos grãos de areia formam o deserto, gotas de água compõem o mar, pequenos tijolos são os componentes de um edifício. O inverso também acontece com as coisas fortes e que são vencidas. Um poema, com inspiração no Talmud judeu, confirma isso. O ferro é forte, mas o fogo o derrete. O fogo é forte, mas a água o apaga. A água é forte, mas o vento a dispersa. O vento é forte, mas a montanha espalha o vento. A montanha é forte, mas o homem derruba a montanha. O homem é forte, mas a morte derruba o homem. A morte é forte, mas o amor de Deus vence a morte.
A violência consegue os primeiros resultados, mas a vitória definitiva é do amor. A bondade, aparentemente fraca, costuma conseguir vitórias estupendas. A própria história da humanidade é prova disso. Contrariando toda a probabilidade, esta história é moldada, não pelos fortes, mas pelos fracos. Num instante de lucidez, Lênin admitiu: “Agora vejo que a Rússia precisava, não de mim, mas de um Francisco de Assis”.
O machado pode derrubar uma árvore ou mesmo uma floresta, mas ninguém pode deter a semente. O ódio pode destruir, mas somente a bondade sabe reconstruir. O apóstolo Paulo proclama: “Só o amor não passa”.

sexta-feira, 28 de novembro de 2014

A IMPORTANCIA DO OLHAR.

Existem realidades tão nossas, no coração da vida, que nem sempre conseguimos captá-las em sua grandeza. Dizem que só valorizamos a luz quando estamos envolvidos nas trevas; acordamos para procurar água quando temos sede. Um peregrino, vendo um cego passar a seu lado, sentou-se à beira do caminho e começou a imaginar o que faria, o que sentiria e como seria se estivesse em seu lugar. De sua meditação surgiu um encantamento constante pelo dom dos olhos perfeitos e pelo fato de poder enxergar. É digno o gesto de acordar para um novo dia e agradecer a Deus pelo dom do olhar.
No coração da vida acolhemos e contemplamos o olhar como comunicação e como linguagem. Todos os nossos sentidos são janelas e canais de comunicação com o exterior. Porém, a vista exerce um papel especial na vida humana. O olhar constantemente nos encobre e nos descobre, nos abre e nos oculta, nos aproxima e nos separa.
O olhar pode ser diferente, conforme a superficialidade ou a profundeza com que sintonizamos, conforme a carga emocional, intelectual e volitiva do olhar que contempla. Há olhares que matam e olhares que despertam vida, olhares destruidores e olhares criadores, olhares que envenenam e olhares que purificam, olhares possessivos e olhares oblativos, olhares transparentes e olhares turbulentos, olhares indiferentes e olhares acolhedores. Todo o olhar é projeção de nosso eu.
Nosso olho enxerga e, no entanto, é o espírito quem vê: “A lâmpada do corpo é o olho: se teu olho for simples, ficarás todo cheio de luz. Mas se o teu olho for ruim, ficarás todo em trevas. Se, pois, a luz em ti é trevas, quão grandes serão as trevas” (Mt 6,22). Quando a pupila do espírito está purificada todo o universo se faz transparente e acolhedor, porque o olho que vê e o mundo que é visto encontram e revivem sua harmonia e proximidade original. A medida do olhar depende da intenção de quem olha. A partir de dentro projeta-se o olhar e vai pousar sobre as pessoas, os seres e as coisas.
O olhar tem um poder tão fascinante que dele se ocuparam e se ocupam a história da cultura, os mitos e as ciências, a filosofia, a literatura e a religião. Assim como o dom do olhar é magnífico, ao mesmo tempo pode se tornar perigoso. Quando o foco de nosso olhar centra-se em nós mesmos, incorremos no perigo do suicídio como Narciso da mitologia. Quando o foco contemplativo parte do coração e se projeta para fora, começamos a ver bem, porque sintonizamos melhor com o olhar de Deus sobre nós, os outros e o mundo. Na verdade, “só vemos bem com o coração”.
Uma das grandes preocupações da ascese cristã sempre foi o ajuste do nosso olhar. Educar o olhar parece ser um dos empenhos no caminho da santidade. Porém, para podermos educar o olhar, necessitamos educar o coração. Ali está o grande investimento de alguém que busca configurar seu ser com dignidade, conforme a medida da maturidade de Cristo.

quarta-feira, 26 de novembro de 2014

BABEL NÃO FOI UMA MALDIÇÃO.

Se considerarmos que o ser humano surgiu há cerca de 200 mil anos, a cidade é uma invenção relativamente recente. Durante milênios nossos ancestrais viveram como nômades coletores e, aos poucos, as técnicas de reprodução dos alimentos os fixaram como agricultores e pecuaristas. Havia, naquele longo período, relação direta, e até venerável, entre o ser humano e a natureza. Nossos antepassados se alimentavam sem alterar ecossistemas, biomas, biodiversidade.
Essa relação se altera com o advento das cidades. E um dos relatos mais significativos de como isso ocorreu é o episódio bíblico da Torre de Babel .
Babel é semantema de Babilônia. Deriva da raiz hebraica “bil”, que significa “confundir”. Narra o texto bíblico que Javé, ao observar Babel, convenceu-se de que os humanos se fechavam em seus próprios e ambiciosos projetos, deixando de acolher os desígnios divinos. “Isso é o começo de suas iniciativas!” – disse o Senhor. “Agora nenhum projeto será irrealizável para eles.”
Segundo o autor bíblico, após o Dilúvio “todos se serviam da mesma língua e das mesmas palavras.” Não havia diversidade de enfoques e opiniões. O ponto de vista de um era o ponto de vista de todos. E a atividade agropastoril igualava as pessoas.
A invenção do tijolo e da argamassa provoca um movimento migratório do campo para a urbe. Os humanos decidem “construir uma cidade” – Babel.
O versículo 4 registra as propostas de construção da cidade e da torre, e destaca o principal motivo de tal empreitada: “Para ficarmos famosos e não nos dispersarmos pela face da Terra.” Não se tratava de obter felicidade, bem-estar, bênçãos divinas. Importava a fama e permanecer segregado, seguro.
A revolução tecnológica representada pelo tijolo (insuperado até hoje) imprime aos humanos a consciência de que não estão mais condicionados pela natureza. A relação se inverte. Agora é o ser humano que condiciona a natureza. Transforma-a em artefato. Desprendido do ciclo da natureza, o ser humano se torna senhor do próprio destino.
Tais avanços enchem os humanos de orgulho. Não satisfeitos de “construir a cidade”, decidem abrir a “porta do deus”, ou seja, erguer “uma torre cujo ápice penetre nos céus”. Aqui o relato expressa duas ambições: a de edificar uma montanha artificial (a torre), repositório da divindade, e a de “penetrar nos céus”, quebrar o limite entre o humano e o divino, o profano e o sagrado, a Terra e o Céu. Já não é a divindade que desce à Terra, é o ser humano que invade o Céu, graças à obra de suas mãos.
Antes que a soberba humana se inflasse ainda mais, Javé confundiu a linguagem dos habitantes de Babel e os dispersou. “Eles cessaram de construir a cidade.” Portanto, Babel não foi maldição. Foi dádiva. Delimitou a ambição humana e revelou ser obra de Deus a diversidade de pontos de vista e opiniões, contrária à identificação entre autoridade e verdade.
Toda essa sabedoria explica a arrogância decorrente, ainda hoje, de avanços científicos e tecnológicos. Queremos ser deuses. Nossa busca de endeusamento e imortalidade se reflete na babel ou confusão reinante em nossas cidades. Não pensamos no comunitário ou coletivo, pensamos no individual e no lucrativo.
Assim, nos gabamos de que o Brasil vendeu, em 2010, mais de 3 milhões de veículos automotores, embora isso agrave a congestão metropolitana, a poluição, os acidentes. Não se investe o suficiente em transportes coletivos, assim como não se planeja o espaço urbano, alvo de especulação imobiliária e vulnerável a fenômenos climáticos decorrentes de desequilíbrios ambientais, o que causa enchentes, desabamentos e secas prolongadas.
Hoje em dia, ganha cada vez mais espaço a proposta de bem viver dos povos indígenas andinos, conhecida como sumak kawsay. Sumak significa plenitude e kawsay viver. Trata-se de viver em plenitude.
Plenitude implica fazer da felicidade um projeto comunitário, coletivo. É saber construir relações de solidariedade, não de competição; de harmonia, não de hostilidade; e estabelecer com a natureza vínculos de parceria cuidadosa.
Para a sociedade capitalista, a natureza é objeto de propriedade e temos o direito de explorá-la e até destruí-la em função de nossas ambições. O capitalismo se norteia pelo paradigma riqueza-pobreza, enquanto o sumak kawsay rompe esse dualismo para introduzir a de sociabilidade e de sustentabilidade, bases fundamentais de um projeto civilizatório. Fora disso, caminharemos para a barbárie.

terça-feira, 25 de novembro de 2014

O QUE É SER VOLÁTIL?

A palavra volátil significa “que voa, tem asas”. Assim olhada à primeira vista, encanta a imaginação e a sensibilidade. Quem já não desejou voar e ganhar espaços infinitos, dependente apenas de suas asas? No entanto, em seu sentido figurado a evocação não é tão positiva. Volátil é alguém cuja opinião ou ponto de vista muda com facilidade; inconstante, volúvel; que não é firme ou permanente; inconstante, mutável.
A palavra parece-nos adequada para definir as relações humanas hoje em dia. São, em sua maioria, relações sem firmeza, sem compromissos em longo prazo, sem permanência e, portanto, carentes ou vazias de sentido. Mudam com extrema facilidade. Voláteis, portanto.
Relações voláteis geram identidades igualmente voláteis. Incertas. Mutantes. Formam-se a partir delas personalidades autoreferenciadas, de uma autonomia não livre, mas compulsiva. São, além disso, identidades temporárias, que podem ser apagadas e substituídas por outros rótulos. A memória, atrofiada pelo ritmo da vida líquida pós-moderna, ensina que esquecer é o melhor, a fim de poder reescrever na lousa apagada uma nova identidade. Hoje me auto compreendo assim, amanhã já será diferente. São igualmente identidades plurais, abertas, sem escolhas ou decisões em que empenhem a vida.
Os vínculos admitidos são aqueles que cabem nas redes, como Facebook, Orkut etc. Ali não se depende de relações afetivas que pesam e tiram mobilidade. E quando a comunicação não mais interessar, pode-se cortá-la com a ligeireza de um clique. E novamente mergulhar na mais profunda solidão e vazio de sentido a que este estado de coisas condena o sujeito pós-moderno. A única relação que não o ameaça é aquela que ele estabelece com o seu eu, convertido no mortal espelho de Narciso. Voltar-se para si mesmo é a única instância dotada de certa permanência em um mundo complexo, incerto e inevitável.
A interioridade humana, hoje, vai se convertendo em um novo paradigma emergente. O que se dá, de fato, é um estreitamento da interioridade, que se vive em grande medida pelo fluxo sempre em movimento das sensações que absorvem, não favorecendo o encontro profundo com o próprio eu e tampouco com o outro.
Por um lado, trata-se de um sintoma extremamente positivo, uma vez que denota o advento da já iniciada recuperação do espiritual como dimensão de importância iniludível. Por outro lado, esse voltar-se para dentro de si mesmo pode incluir, e inclui, a tentação de esconder-se em si mesmo e terminar não conseguindo daí sair. E a consequência é o estreitamento da própria interioridade que tem como resultado o fechamento ao outro. E uma terrível e desesperadora solidão. Os postos instáveis de trabalho nas grandes empresas, os espetáculos maciços de diversão, os transportes que levam de um lugar a outro incontáveis pessoas que viajam juntas sem encontrar-se, propiciam conexões funcionais e passageiras, que não deixam rastro na pessoa que se desloca sem pausa pelo mundo líquido.
O vazio que isso gera já é bastante para denunciar que o ser humano é constituído pelo primado da alteridade. Apenas nos olhos do outro vejo quem sou e descubro minha identidade. A intimidade do sujeito humano só existe habitada pela presença de um Mistério.
A volta à interioridade como paradigma não pretende ser, portanto, um ensimesmamento do eu. Mas sim a condição indispensável para o reconhecimento da Presença que habita o humano. E esse reconhecimento, por sua vez, exigirá da pessoa um êxodo, uma saída de si, em direção ao outro, humano e divino, numa relação em que é imperioso entrar para re-encontrar-se e re-conciliar-se com sua identidade perdida. A volatilidade é inimiga desse fundamental encontro marcado desde toda a eternidade.

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

NEM TUDO É DEUS, MAS DEUS SE REVELA EM TUDO.

Carlos Mesters, o mais popular biblista do Brasil, sublinha que há no Antigo Testamento dois decálogos, o da Aliança e o da Criação. O da Aliança surgiu primeiro, embora o outro já existisse. Ocorre que o povo de Deus, por não levar a sério o da Aliança, não tinha olhos para perceber o Decálogo da Criação.
Ao longo dos 400 anos da monarquia (de 1000 a 600 a.C.), Javé, o Deus libertador do Êxodo, foi reduzido a um ídolo manipulado pelos poderes civil e religioso para legitimar a corrupção e a ganância dos reis. E ninguém dava ouvidos às denúncias dos profetas. Até que Nabucodonosor, rei da Babilônia, invadiu a Palestina em 587 a.C. e destruiu Jerusalém.
O choque da dominação e do exílio abriu os olhos do povo de Deus para o Decálogo da Criação: “O ritmo da natureza, do sol, da lua, das estações, das chuvas, das estrelas, das plantas, revela o poder criador de Deus” – afirma Mesters. “É a expressão do bem-querer do Deus Criador, da pura gratuidade! É uma certeza que não falha. É a prova de que Deus não rejeitou seu povo. Nossa fraqueza pode levar-nos a romper com Deus (como de fato aconteceu), mas Deus não rompe conosco, pois cada manhã, através da sequência dos dias e das noites, Ele nos fala ao coração”.
Nossa visão do mundo interfere em nossa visão de Deus, assim como o modo de concebermos Deus influi na visão que temos da vida e do mundo. Ao longo de 1.000 anos predominou, no Ocidente, a cosmovisão de Ptolomeu, que considerava a Terra o centro do Universo. Isso favoreceu a hegemonia espiritual, cultural e econômica da Igreja, encarada pela fé como imagem da Jerusalém Celeste.
Com o advento da Idade Moderna, graças à nova cosmovisão de Copérnico, logo completada por Galileu e Newton, constatou-se que a Terra é apenas um pequeno planeta que dança em torno da própria cintura (24 horas, dia e noite) e do sol (365 dias, um ano). O paradigma da fé deu lugar à razão, a religião à ciência, Deus ao ser humano. Passou-se da visão geocêntrica à heliocêntrica, da teocêntrica à antropocêntrica.
Agora, a modernidade cede lugar à pós-modernidade. Mais uma vez, nossa visão do Universo sofre radicais mudanças. Newton cede lugar a Einstein, e o advento da astrofísica e da física quântica nos obrigam a encarar o Universo de modo diferente e, portanto, também a ideia de Deus.
Se na Idade Média Deus habitava “lá em cima” e, na Idade Moderna, “aqui embaixo”, dentro do coração humano, agora conhecemos melhor o que o apóstolo Paulo quis dizer ao afirmar: “Ele não está longe de cada um de nós, pois nele vivemos, nos movemos e existimos, como alguns dentre os poetas de vocês disseram: ‘Somos da raça do próprio Deus’.
A física quântica, que penetra a intimidade do átomo e descreve a dança das partículas subatômicas, nos ensina que toda a matéria, em todo o Universo, não passa de energia condensada. Em que a física quântica modifica nossa visão do Universo? Ela nos livra dos conceitos de Newton, de que o Universo é um grande relógio montado pelo divino Relojoeiro e cujo funcionamento pode ser bem conhecido estudando cada uma de suas peças. A física quântica ensina que não há o sujeito observador (o ser humano) frente ao objeto observado (o Universo). Tudo está intimamente interligado. O bater de asas de uma borboleta no Japão desencadeia uma tempestade na América do Sul... Tudo que existe coexiste, subsiste, pré existe, e há uma inseparável interação entre o ser humano e a natureza. O que fazemos à Terra provoca uma reação da parte dela. Não estamos acima dela, somos parte e resultado dela; ela é Pacha Mama ou, como diziam os antigos gregos, Gaia, um ser vivo. Deveríamos manter com ela uma relação inteligente de sustentabilidade.
Esse novo paradigma científico nos permite contemplar o Universo com novos olhos. Nem tudo é Deus, mas Deus se revela em tudo. Nossa visão religiosa é agora pananteísta. Não confundir com panteísta. O panteísmo diz que todas as coisas são Deus. O pananteísmo, que Deus está em todas as coisas. E Jesus nos ensina que Deus é amor, essa energia que atrai todas as coisas, desde as moléculas que estruturam uma pedra às pessoas que comungam um projeto de vida.
Como dizia Teilhard de Chardin, no amor tudo converge, de átomos, moléculas e células que formam os tecidos e órgãos do nosso corpo às galáxias que se aglomeram múltiplas nesta nossa Casa Comum que chamamos, não de Pluriverso, mas de Universo.

sábado, 22 de novembro de 2014

NOSSO COMPROMISSO NÃO É COM A VITÓRIA, MAS COM A LUTA.

O mundo vivia os dias sombrios do Holocausto. Em nome da primazia da raça ariana, Hitler e o nazismo pregavam o extermínio dos judeus. A atriz Ruby Dee narra a epopeia de um grupo de judeus em fuga, buscando a fronteira onde poderiam ter segurança. Formado por cerca de 60 pessoas – homens, mulheres e crianças - todas da mesma aldeia, os fugitivos eram obrigados a enfrentar a floresta, comendo o que podiam, viajando sobretudo à noite, para não caírem nas mãos dos nazistas. Alguns morreram pelo caminho.
Depois de semanas de fuga, um idoso, falando em seu nome e em nome de outros idosos, declarou: somos um estorvo, continuem sem nós, assim é possível que vocês sejam salvos. A resposta foi imediata: “As mães precisam descansar de vez em quando. Portanto, em vez de ficarem aí sentados e morrerem, por favor, peguem as crianças e andem até onde puderem”. Um novo espírito motivou o grupo. Os idosos pegaram as crianças e começaram a andar e andaram até onde puderam. Até a segurança além das fronteiras. Eles haviam descoberto uma razão para viver.
Fato semelhante é narrado pelo escritor francês Antoine Saint Exupéry. Seu avião espatifou-se entre as catedrais de gelo dos Andes. Sua primeira intenção: deixar que o frio e o gelo colocassem um ponto final em seu sofrimento. Mas ele refletiu: meus restos mortais jamais serão encontrados no fundo das geleiras e minha esposa não receberá o seguro. Se ela pensa que estou vivo, tem certeza que estou caminhando. Saint Exupéry deu o primeiro passo. Depois caminhou três dias e três noites, galgando a montanha. Quando ninguém mais acreditava, o milagre aconteceu e ele foi salvo. O segredo foi ter dado o primeiro passo. Isto lembra a afirmação de Jean Cocteau: ele não sabia que era impossível. Foi lá e fez.
Na realidade, ignoramos nossas possibilidades. Nossos limites ainda não foram testados. Nas Olimpíadas são estabelecidos recordes, considerados quase impossíveis de serem superados. Isso não impede que sejam superados. E continuarão sendo superados, desde que acreditemos nisso e descubramos uma boa razão para tentar.
A vida é um dom divino, um dom maravilhoso que nos convida à superação. “Sim, nós podemos” foi a legendária motivação de Obama. A vida é uma só. Cada gesto é irrepetível e por isso merece toda a intensidade. O genial Charles Chaplin escreveu: “A vida é uma peça de teatro que não permite ensaios. Por isso, cante, chore, dance, ria e viva intensamente, antes que a cortina se feche e a peça termine sem aplausos”.
Isto não significa que podemos realizar todos os sonhos. Isso não está ao nosso alcance. Ao nosso alcance está a capacidade de lutar. Nosso compromisso não é com a vitória, mas com a luta. Este é o limite que Deus nos pede.

quinta-feira, 20 de novembro de 2014

COMEÇAR TUDO DE NOVO

Cada vez que leio e medito a parábola do Filho Pródigo, ou do Pai misericordioso, encontro tesouros que enriquecem a vida no meio dos pequenos detalhes que tecem esta página incomparável da Escritura. Depois que o jovem tomou nas mãos a liberdade, decidiu sair de casa levando a herança; depois que a liberdade foi virando prisão e a herança lhe foi roubada pela ilusão; depois que se viu no meio dos porcos e na trágica negação da comida com que estes se alimentavam, sentado no fundo do poço, o jovem “caiu em si”, isto é, deu-se conta.
O jovem deu-se conta! Do que? Ao cair em si, certamente lembrou seu passado e como era a vida na casa do seu Pai. A experiência vivida lhe deu um critério de julgamento de seu momento presente desolador. Ao cair em si deu-se conta do cenário que o envolvia e a fome que sentia. Mas, o que mais o fez cair em si foi o confronto com o coração do Pai, de braços estendidos e as mãos abertas a oferecer pão em abundância, até mesmo para os empregados.
Ao cair em si, o jovem deu-se conta que, apesar de tudo, a vida está cheia de possibilidades de superação. O melhor para a vida ainda é possível. Os horizontes para um futuro novo estão abertos para quem se dispõe a levantar e caminhar para frente. Não há graça maior do que poder começar tudo de novo. Ali, até os fracassos podem ser uma escola para não voltar a repetir os mesmos erros.
Cada um de nós, no cotidiano da vida, carrega consigo um pouco do filho pródigo. Um impulso natural nos impele a vagar em busca de uma liberdade que, facilmente, nos leva à decepção. Não sabemos bem o momento em que saímos de casa, nem a quantia de herança que levamos conosco ou quanto já gastamos inutilmente.
No percurso de nosso viver, cada um tem sua história. Pode ser melhor ou pior, mas, na verdade, é sempre única. O que não podemos permitir, neste caminho, é viver levados pela onda, nem de nossas ilusões, nem na carona de quem nos conduz a lugar nenhum. Necessitamos do permanente cuidado para nos dar conta do que estamos fazendo com a vida.
Quantas vezes ouvimos pessoas dizerem: “A vida é assim mesmo, pouco ou nada se tem a esperar!” E assim vão levando seus dias numa triste rotina de uma tentadora acomodação. Pior ainda é envolver-se na onda avassaladora da alienação que não permite mais a pessoa “cair em si”, obrigando-a a ser massa de manobra da cultura de morte.
Na medida em que avançamos no caminho e no tempo, mais sentimos a necessidade de crer que um novo mundo é possível, uma nova sociedade é possível, uma família mais integrada e feliz é possível e ser uma pessoa convertida e santa é possível.
Para darmos este salto de qualidade é fundamental que comecemos por nos dar conta de que a vida pode ser muito mais, que a convivência familiar e social pode ser muito melhor. Admitindo esta realidade, somos chamados a começar por nós, levantando-nos e pondo-nos a caminho, sem ficar esperando pelos outros.

terça-feira, 18 de novembro de 2014

TUDO É NEGÓCIO E FEIRA DE VAIDADES.


Estamos em tempos de montagem de governos. Há disputas por cargos e funções por parte de partidos e de políticos. Ocorrem sempre negociações, carregadas de interesses e de muita vaidade. Neste contexto, se ouve citar um tópico da inspiradora oração de São Francisco pela paz “é dando que se recebe” para justificar a permuta de favores e de apoios onde também rola muito dinheiro. É uma manipulação torpe do espírito generoso e desinteressado de São Francisco. Mas desprezemos estes desvios e vejamos seu sentido verdadeiro.
Há duas economias: a dos bens materiais e a dos bens espirituais. Elas seguem lógicas diferentes. Na economia dos bens materiais, quanto mais você dá bens, roupas, casas, terras e dinheiro, menos você tem. Se alguém dá sem prudência e esbanja perdulariamente acaba na pobreza.
Na economia dos bens espirituais, ao contrario, quanto mais dá, mais recebe, quanto mais entrega, mais tem. Quer dizer, quanto mais dá amor, dedicação e acolhida (bens espirituais) mais ganha como pessoa e mais sobe no conceito dos outros. Os bens espirituais são como o amor: ao se dividirem, se multiplicam. Ou como o fogo: ao se espalharem, aumentam.
Compreendemos este paradoxo se atentarmos para a estrutura de base do ser humano. Ele é um ser de relações ilimitadas. Quanto mais se relaciona, vale dizer, sai de si em direção do outro, do diferente, da natureza e até de Deus, quer dizer, quanto mais dá acolhida e amor mais se enriquece, mais se orna de valores, mais cresce e irradia como pessoa.
Portanto, é “dando que se recebe”. Muitas vezes se recebe muito mais do que se dá. Não é esta a experiência atestada por tantos e tantas que dão tempo, dedicação e bens na ajuda aos flagelados da hecatombe socioambiental ocorrida nas cidades serranas do Rio de Janeiro, quando centenas morreram e milhares ficaram desabrigados? Este “dar” desinteressado produz um efeito espiritual espantoso que é sentir-se mais humanizado e enriquecido. Torna-se gente de bem, tão necessária hoje. Quando alguém de posses dá de seus bens materiais dentro da lógica da economia dos bens espirituais para apoiar aos que tudo perderam e ajudá-los a refazer a vida e a casa, experimenta a satisfação interior de estar junto de quem precisa e pode testemunhar o que São Paulo dizia: “Maior felicidade é dar que receber”. Esse que não é pobre se sente espiritualmente rico.
Vigora, portanto, uma circulação entre o dar e o receber, uma verdadeira reciprocidade. Ela representa, num sentido maior, a própria lógica do universo como não se cansam de enfatizar biólogos e astrofísicos. Tudo, galáxias, estrelas, planetas, seres inorgânicos e orgânicos, até as partículas elementares, tudo se estrutura numa rede intrincadíssima de inter-retro-relações de todos com todos. Todos co-existem, inter-existem, se ajudam mutuamente, dão e recebem reciprocamente o que precisam para existir e co-evoluir dentro de um sutil equilíbrio dinâmico.
Nosso drama é que não aprendemos nada da natureza. Tiramos tudo da Terra e não lhe devolvemos nada nem tempo para descansar e se regenerar. Só recebemos e nada damos. Esta falta de reciprocidade levou a Terra ao desequilíbrio atual.
Portanto, urge incorporar, de forma vigorosa, a economia dos bens espirituais à economia dos bens materiais. Só assim restabeleceremos a reciprocidade do dar e do receber. Haveria menos opulência nas mãos de poucos e os muitos pobres sairiam da carência e poderiam sentar-se à mesa comendo e bebendo do fruto de seu trabalho. Tem mais sentido partilhar do que acumular, reforçar o bem viver de todos do que buscar avaramente o bem particular. Que levamos da Terra? Apenas bens do capital espiritual. O capital material fica para trás.
O importante mesmo é dar, dar e mais uma vez dar. Só assim se recebe. E se comprova a verdade franciscana segundo a qual ”é dando que recebe” ininterruptamente amor, reconhecimento e perdão. Fora disso, tudo é negócio e feira de vaidades.

segunda-feira, 17 de novembro de 2014

NÃO VAMOS EXAGERAR.

Acho que posso dizer que creio em Deus e acho que foi Ele que fez os cereais, os tubérculos, as frutas, os peixes, as aves, os répteis, as águas, o ciclo das águas, o verde, o clima e as estações. Só não posso dizer que estou certo em tudo o que penso saber sobre Ele. Há milhões de coisas que não sei sobre Deus e sua obra. Os cientistas também não sabem! Por isso é que o mundo tem tantas religiões e tantas teorias e doutrinas. Está todo mundo tateando e milhões garantindo que acharam! Deus contou para eles. A ciência já provou!... E há os que entendem que acharam um pouco.
O cientista diz que tudo pode ser explicado. Se Deus existe não foi Ele que fez a Terra girar como gira! Mas eu creio num Deus que quis exatamente isto: a Terra girando como gira, inclinando-se como se inclina, para que houvesse temperatura adequada ao tipo de vida que o planeta tem. Acho que não se trata de acaso. Para mim, Ele é o autor de todas as vidas e tem um plano para todas elas, desde o pequeníssimo animal que vive duas horas ao que vive trezentos anos.
Há quem não creia. Eu creio! Se são mais inteligentes do que eu? Aceito um debate. Quem disse que ateus ou crentes são mais inteligentes, só porque não creem ou só porque creem? Não há mais elementos a serem considerados neste debate?

domingo, 16 de novembro de 2014

PARA OS NOSSOS FILHOS!

 Tenho 2 filhos e sou filho, em companhia de mais dois irmãos. Quando se fala em legado aos filhos há quem, de cara, pense em dinheiro. Tudo bem que os pais queiram fazer um pé de meia de olho no futuro de seus rebentos. Mas... cuidado! Não é dinheiro o que um filho mais espera dos pais. É amor, amizade, apoio e, sobretudo, exemplo de vida. Thomas Mann dizia que um bom exemplo é o melhor legado dos pais aos filhos.
Ainda que os pais deixem a seus descendentes gordas heranças, estas não deveriam ser o principal legado. Nada mais perigoso a um jovem que centrar sua autoestima no patrimônio familiar. É meio caminho para se tornar arrogante, preconceituoso e vulnerável às drogas. Sobretudo à cocaína, cujo efeito anaboliza a prepotência. Ao primeiro revés, o herdeiro despencará no abismo, despreparado para enfrentar a realidade.
Quem não se sente subjetivamente valorizado corre o risco de querer nutrir sua autoestima através de valores financeiros e patrimoniais. Como o desejo tem fome de infinito, o tamanho da ambição costuma ter a medida da profundidade da frustração.
O melhor legado aos filhos é, sem dúvida, uma boa educação. Não apenas a escolaridade. Pesquisas comprovam que, no mercado de trabalho, o nível de escolaridade corresponde ao salarial. Conhecimento é poder. A educação ética deveria ser o principal legado aos filhos. E ela decorre do exemplo dos pais. Estes devem fazer a escolha: incutir nos filhos atitudes de competitividade ou de solidariedade? Em sua Metafísica dos costumes Kant alerta: “Tudo tem ou bem preço ou bem dignidade. O que tem preço pode ser substituído por seu equivalente; ao contrário, o que não tem preço e, portanto, equivalente, é o que possui dignidade.” Em outras palavras, o sadio orgulho de ser ético se contrapõe à miserável satisfação de ser esperto.
Uma criança não deve ser movida a consumo, e sim a aprendizado, brincadeiras e fantasias. Um jovem será tanto mais cidadão quanto mais se incutir nele esperanças altruístas, ideais, sentido de vida e utopias.
Toda criança é mimetista. Se os pais dizem que toda pessoa merece respeito e, ao mesmo tempo, tratam a faxineira como escrava virtual, com certeza o filho fará o mesmo quando adulto.
O legado moral consiste em evitar que o filho seja preconceituoso, invejoso, e saiba tratar cada pessoa com pleno respeito à sua dignidade e direitos. Sobretudo, que tenha espírito crítico e disposição de tornar o mundo menos desigual e mais justo.
Com frequência, pais de adolescentes me consultam sobre como agir frente à indiferença religiosa dos filhos. Minha primeira reação é dizer que a pergunta veio com dez anos de atraso. Se os filhos tivessem 6 ou 8 anos, e não 16 e 18, eu saberia o que aconselhar: orem com eles, leiam e comentem a Bíblia, levem a sério o caráter religioso de datas como Páscoa, Natal ou, caso não sejam cristãos, as efemérides próprias de sua denominação religiosa.
E exercite-os na cada vez mais rara virtude da tolerância. Deus não tem religião. Ensinem a seus filhos não considerarem diferença divergência.
Pela ordem natural, pais morrem ou trânsvivenciam antes de seus descendentes. Se indaguem – que imagem vocês deixarão na memória de seus filhos? Lembrem-se de seus próprios pais e avós. Quais os legados eles imprimiram em sua memória afetiva?

A parábola - Um homem muito rico, acometido de grave doença e desenganado pelos médicos, convocou filhos e netos para comunicar-lhes a herança que lhes deixaria. Todos, ansiosos, compareceram ao hospital. Formaram uma roda em torno do leito.
Dada a ordem, o advogado do enfermo abriu a pasta e distribuiu aos herdeiros caixas de fósforos, uma para cada um. Decepcionados, entreolharam-se e, ao abrirem a caixinha, encontraram pequenas sementes. O homem, tomando em mãos uma das caixas, explicou: “Esta semente é a do amor; esta, da solidariedade; esta aqui, da compaixão; esta, da amizade; aquela ali, do perdão. Se vocês souberem cultivá-las, haverão de ser felizes.”. E acrescentou: “A fortuna que acumulei será destinada a obras sociais.”

sexta-feira, 14 de novembro de 2014

ELES SÃO COMO ANJOS.

Lembra-se daqueles amigos e amigas de bares, restaurantes, rodinhas de samba e de conversas que não conseguiam viver sem você, nem você sem eles? Que fim levaram aqueles sentimentos? Por culpa sua talvez ou deles, por culpa de interesses outros, eles foram fazendo novas amizades e enturmando-se com outros e outras. Esqueceram você. Mas a verdade é que você também esqueceu muitos de seus amigos e amigas de ontem.
Pararam de mandar e-mails, de telefonar, de se querer ver e alguma coisa foi esfriando. A verdade é que restou o carinho e você é grato por aqueles encontros, mas já não se vê procurando-os nem eles ou elas a você.
Ponha esta experiência na conta das circunstâncias. Família nova, trabalhos, outros interesses, pessoas novas entraram nas suas vidas e o que durou alguns anos ainda existe, mas não com a mesma intensidade. Quando se encontrarem será maravilhoso, anotarão telefones e endereços, prometerão novos encontros, mas ficará tudo por isso mesmo, porque distância, tempo e afazeres às vezes separam até grandes amigos.
O efêmero faz parte da vida. Poucas amizades se mantêm as mesmas pela vida inteira. Se você tem algum amigo ou alguém especial que há mais de quinze anos o procura e gosta de ser procurado para mais uma rodada de conversas, risos e correção de dados, agradeça a Deus. É coisa rara e é dom do céu! Amigos são como anjos: há sempre uma nova mensagem, ou mensagem atualizada, cada vez que os encontramos. Mas são anjos que vão e que vêm...

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

HUMILDADE NÃO É SEU DEPARTAMENTO

Todo cuidado é pouco quando se trata de convencimento e de convicção. Pode-se ter convicção sem ser um convencido. Pode-se ser um convencido sem convicção. As palavras pretendem firmar dois conceitos. Do verbo vincere (vencer) vem a palavra cum-victus que pode significar condenado e vencido, e pode significar vencido por alguma ideia.
Mas é possível, também, que uma pessoa aja como se fosse um vencedor e vitorioso, por isso convencido de que é mais do que os outros. O modo de falar, de ser e de agir mostra quanto ele acha os outros inferiores. Por isso alguns adversários magoados são capazes de chamar de convencido um vencedor voraz e franco. Mas pode haver o vencedor que se porta como superior a quem perdeu ou a quem disputa com ele um lugar no grupo ou na sociedade.
Ao comunicador da fé cabe buscar a humildade de quem não mente, diz o que deve ser dito, mas assim mesmo se abre ao diálogo. Agirá como alguém convicto, mas não convencido que está acima dos outros.
Convictos do que dizemos e fazemos, mas sem agir como quem sabe tudo, eis o desafio! Quem aceita se corrigir e admite que precisa mudar alguma coisa é certamente um convicto humilde. Quem jamais muda e acha que os outros é que devem se converter ou mudar porque ele não está e não pode nunca estar errado, nem mesmo em algumas coisas, talvez seja mais convencido do que convicto. Dialogar com ele é simplesmente impossível. Para ele não há iguais! Quem tem que mudar para achar a verdade que ele já achou é o outro! Mas nenhum convencido acha que é. Ele dirá que é convicto e nada mais do que isso. Humildade não é seu departamento!

terça-feira, 11 de novembro de 2014

O TEMPO É UM DIAMANTE.

Numa noite de verão, banhada pelo luar, um homem caminhava sozinho pela praia do mar. Enquanto caminhava, sonhava com aquilo que a vida poderia dar-lhe: um carro novo, um trabalho altamente remunerado, uma companheira encantadora... Suas divagações foram interrompidas por uma pequena sacola nas areias. Infelizmente continha apenas pequenas pedras redondas.
Uma a uma, ele as foi jogando nas ondas, repetindo o estribilho: se eu tivesse... E desfilava seus sonhos. As pequenas pedras foram jogadas no mar. Sobrou apenas uma, que ele decidiu guardar como lembrança. No dia seguinte, o homem deu-se conta que a suposta pedra era um diamante. Deu-se conta também que os outros diamantes haviam sido perdidos, sepultados para sempre no mar.
Assim é a vida das pessoas. Imaginam a felicidade longe, quando ela está tão perto. Está em nossas mãos. Cada dia que passa é um diamante, um presente que Deus nos deu para nosso amadurecimento. Muitos deles são desperdiçados irresponsavelmente. Outro diamante se chama família. A rotina acaba por empobrecer nossos relacionamentos e os dias passam na mesmice, esperando um dia diferente, encantado, carregado de nossos sonhos.
Um diamante carrega o nome de trabalho. Por vezes é visto como um peso, que de bom grado jogaríamos fora. Na sequência dos diamantes, um deles é de importância decisiva. Seu nome: fé. Mais uma vez, podemos ficar na superfície. Fazemos as coisas por fazer, sem vibração e júbilo. Pelo contrário, deixamos que se envolvam num tédio imenso. Fazemos o mínimo e justificamo-nos: cumpri minha obrigação.
E assim, de dia em dia, de oportunidade em oportunidade, jogamos nas ondas da indiferença diamantes preciosos que dariam novo significado à nossa vida. Sonhamos, mas jogamos fora as oportunidades que poderiam realizar nossos sonhos. E carregamos conosco a suspeita que um dia tudo vai mudar. Mas os dias passam, nada muda e quando nos damos conta estamos de mãos vazias. E no fim da viagem.
Temos a incrível oportunidade de transformar as pequenas coisas de cada dia, dando-lhe sentido, qualificando-as, permitindo que elas nos façam felizes. Aniversário é uma vez por ano, loteria pode nunca nos contemplar. Mas o tempo está em nossas mãos. Podemos sempre criar momentos mágicos. Os dias e os anos passam e deixar para amanhã é irresponsabilidade. Se uma coisa é importante não podemos deixar para amanhã. O tempo de Deus se chama hoje. O tempo é um diamante, é um presente de Deus. Traz dentro de si a realização de nossos sonhos, a possibilidade de sermos felizes.

segunda-feira, 10 de novembro de 2014

"CONTE SEMPRE COMIGO!"

Ouve-se pouco falar do assunto “presença”. Fala-se de quem estava presente neste ou naquele ato, ou de quem não pode estar; anunciam-se presenças ilustres em determinados eventos para motivar outras presenças e maior participação; criticam-se convidados de honra que não marcam presença e não justificam o motivo da ausência; criam-se contágios festivos com presenças animadoras; lamenta-se quando aparecem presenças indesejadas etc... Presença e ausência são questão de convivência e muito mais.
Como tantos temas, a categoria presença é uma realidade que vale a pena ser tratada e refletida. Às vezes, se vai vivendo e convivendo e uma certa rotina nos invade. Isso pode tirar a relevância de questões muito importantes e assim vão passando para a sombra do nosso cotidiano.
Que diferença existe entre “ser presença” e “estar presente”? Em verdade, eu posso estar presente sem ser presença. Isso se dá quando predomina a formalidade, a conveniência e não há laços, nem compromissos de vida e amizade. Chego e saio, participo e me ausento sem deixar marcas mais profundas e significativas, nem ao momento e nem às pessoas.
Posso estar presente por interesses pessoais e quando alcancei o objetivo serei um ilustre ausente. Um exemplo dessa mesquinha realidade acontece em tempos de campanha política. São efusivos e abundantes os abraços, beijos e gestos de proximidade; prometem-se compromissos de imediata generosidade; chora-se em enterros; aplaudem-se momentos festivos e aqui o “estar presente” continua sendo uma encenação de oportunismos.
Não é estranho o “estar presente” de quem chega para agradar o companheiro ou a companheira com quem vai andando. A ocasião pode despertar um vínculo, mas pode se tornar uma simples passagem insignificante para quem convidou ou necessita do conforto e da ajuda.
Felizmente pode-se “estar presente” como decorrência do “ser presença”. Nesse caso há vínculos de amizade e comprometimentos cultivados e comprovados de longo tempo e de sincera convivência. Quando se é presença, se está presente com o todo de nosso ser. Nem nas horas de alegria precisamos dar muitos gritos e nem nas horas de tristeza precisamos dizer muitas palavras. A presença já aumenta o contágio da festa e confirma a solidariedade na dor.
Quando se é presença na vida das pessoas, ao chegar a hora da festa, o abraço e o sorriso aumentam a graça dos festejados. Quando se é presença na vida, na hora do sofrimento, do luto e da dor o silêncio da sintonia já transmite a grande mensagem da solidariedade. Geralmente, quando se é presença na família, na comunidade e nos ambientes de trabalho, não precisamos de muita explicação e de muitas palavras. A presença amorosa e comprometida já fala por si.
Quem sabe ser presença na vida das pessoas jamais cairá no esquecimento. A pessoa é presença quando sempre se pode contar com ela: na alegria ou na tristeza, na saúde ou na doença. Como faz bem ouvir de alguém: “Conte sempre comigo!”

sábado, 8 de novembro de 2014

TRANSFORME O SEU CRER, NO SEU FAZER.

1 Religue-se. Evite o solipsismo, o individualismo, a solidão nefasta. Religue-se ao mais profundo de si mesmo, lá onde se cultivam os bens infinitos; à natureza, da qual somos todos expressão e consciência; ao próximo, de quem inevitavelmente dependemos; a Deus, que nos ama incondicionalmente. Isto é religião, re-ligar.
2. Tenha presente que as religiões surgiram na história da humanidade há cerca de oito mil anos. A espiritualidade, porém, é tão antiga quanto a própria humanidade. Ela é o fundamento de toda religião, assim como o amor em relação à família. Busque na sua religião aprimorar a sua espiritualidade. Desconfie de religião que não cultiva a espiritualidade e prioriza dogmas, preceitos, mandamentos, hierarquias e leis.
3. Verifique se a sua religião está centrada no dom maior de Deus: a vida. Religião centrada na autoridade, na doutrina, na ideia de pecado, na predestinação, é ópio do povo. “Vim para que todos tenham vida e vida em abundância”, disse Jesus . Portanto, a religião não pode manter-se indiferente a tudo que impede ou ameaça a vida: opressão, exclusão, submissão, discriminação, desqualificação de quem não abraça o mesmo credo.
4. Engaje-se numa comunidade religiosa comprometida com o aprimoramento da espiritualidade. Religião é comunhão. E imprima à sua comunidade caráter social: combate à miséria; solidariedade aos pobres e injustiçados; defesa intransigente da vida; denúncia das estruturas de morte; anúncio de um “outro mundo possível”, mais justo e livre, onde todos possam viver com dignidade e felicidade.
5. Interiorize sua experiência religiosa. Transforme o seu crer no seu fazer. Reduza a contradição entre a sua oração e a sua ação. Faça pelos outros o que gostaria que fizessem por você. Ame assim como Deus nos ama: incondicionalmente.
6. Ore. Religião sem oração é cardápio sem alimento. Reserve um momento de seu dia para encontrar-se com Deus no mais íntimo de si mesmo. Medite. Deixe o Espírito divino lapidar o seu espírito, desatar os seus nós interiores, dilatar sua capacidade amorosa.
7. Seja tolerante com as outras religiões, assim como gostaria que fossem com a sua. Livre-se de qualquer tendência fundamentalista de quem se julga dono da verdade e melhor intérprete da vontade de Deus. Procure dialogar com aqueles que manifestam crenças diferentes da sua. Quem ama não é intolerante.
8. Lembre-se: Deus não tem religião. Nós é que, ao institucionalizar diferentes experiências espirituais, criamos as religiões. Todas elas estão inseridas neste mundo em que vivemos e mantêm com ele uma intrínseca inter-relação. Toda religião desempenha, na sociedade em que se insere, um papel político, seja legitimando injustiças, ao se manter indiferente a elas, seja ao denunciá-las proféticamente em nome do princípio de que somos todos filhos e filhas de Deus. Portanto, temos o direito de fazer da humanidade uma família.
9. A árvore se conhece pelos frutos. Avalie se a sua religião é amorosa ou excludente, semeadora de bênçãos ou arauto do inferno, serva do projeto de Deus na história humana ou do poder do dinheiro.
10. Deus é amor. Religião que não conduz ao amor não é coisa de Deus. Mais importante que ter fé, abraçar uma religião, frequentar templos, é amar. “Ainda que eu tivesse fé capaz de transportar montanhas, se não tivesse o amor isso de nada me serviria”, disse o apóstolo Paulo. Mais vale um ateu que ama que um crente que odeia, discrimina e oprime. O amor é a raiz e o fruto de toda verdadeira religião; e a experiência de Deus, de toda autêntica fé.

sexta-feira, 7 de novembro de 2014

A BARRIGA FOI CRESCENDO E ELE FOI SE AFASTANDO.

Este final de ano está sendo amargo para muitas mulheres nos morros cariocas. Mulheres que perderam seus maridos ou seus filhos, de um jeito ou de outro, na luta do tráfico que recentemente banhou de sangue redutos específicos do narcotráfico da cidade. Entre elas, destaca-se um grupo: o das moças ainda muito jovens que tiveram filhos com membros do tráfico e agora se veem sozinhas para criá-los.
Os traficantes que fugiram do Complexo do Alemão, por exemplo, deixaram para trás famílias despedaçadas. São mães adolescentes com filhos para criar. Envolveram-se com eles por amor ou por deslumbramento com o que o dinheiro podia comprar. “Ele usava tênis de marca”, diz uma.
Juntamente com o tênis de marca estava o fuzil, a droga, a violência. E a brutalidade sem trégua, principal trama do tecido cotidiano. “Chegava em casa armado, drogado, não sabia o que tava falando, só queria saber de usar droga”, relata outra.
E quando a violência explodia, a única saída era ficar bem quieta. “A gente não podia fazer nada, porque apanhava a família toda.” Potenciada pela droga, a agressividade transformava a casa e a vida em verdadeiro inferno. Ali, no meio deste inferno, essas quase meninas, meio mulheres, levaram para frente, na mais profunda solidão e sofrimento, a gravidez e o nascimento dos filhos.
Algumas tinham família, chegavam a pedir apoio. Mas na maior parte das vezes a família, por medo ou por raiva, desistia de lutar pela menina e pelo filho do traficante que ela trazia no ventre. “Você quis se envolver com ele, o problema é seu.” Expulsa de casa, ela ia viver no inferno do tráfico, partilhando a insegurança e a ameaça constante contra sua vida e a de seu filho.
Em alguns casos, elas contam que o relacionamento no começo foi bom. Ele dizia que queria sair daquela vida, fazia promessas... mas o dinheiro começava a entrar. E o rapaz via que podia ter todas as mulheres que quisesse com a sedução do dinheiro do tráfico. E muitas, desconsoladas, contam: “A barriga foi crescendo, aí ele foi se afastando”, lembra. “Eles nunca são presentes. Eles nunca podem ir numa coisa de pré-natal, assistir contigo. Eles não podem ir lá ver você ganhar neném”.
Sem saída, elas começaram a criar os filhos de pais traficantes que já não estavam presentes durante a gravidez. Com enorme dificuldade sustentavam os filhos que os pais traficantes na maioria das vezes se recusavam a sustentar. “Dinheiro entrava, e muito. Mas ele pensava mais nele e nas coisas que tinha que comprar pra dentro da casa. Coisa de criança ele não comprava nada, não.”
A maioria delas é vitima de uma cultura machista, onde a mulher é vista como objeto e totalmente desvalorizada. Considerada propriedade do homem que quando quer a tem, mas ao mesmo tempo tem outras tantas na rua. Elas entraram na relação com eles sabendo que estavam no tráfico, convivendo com o namorado armado por toda parte. De tal maneira a cultura da violência havia entrado nelas que não questionavam esse estado de coisas. Eram cenas que presenciavam desde crianças elas mesmas. “Desde pequena já vivia com aquilo. Andava na rua, via, então isso não me assustava.”
Com a ocupação da comunidade pelo Estado, existe a esperança de que se possa reconstruir a ordem e a paz ali onde antes o império do tráfico era a lei. Mas para essas mães quase meninas a ausência irremediável do companheiro pesa mais do que tudo. Mesmo sendo ausente, era uma presença, era o pai de seu filho. Agora estão totalmente sem ninguém. E com a responsabilidade de criar os filhos. Sentem-se sozinhas, desamparadas. Muitas recorrem às famílias e não são recebidas.
Algumas, ajudadas por um projeto social “Meninas mães”, sentem-se mais fortalecidas e conscientes. Pretendem criar bem os filhos, dedicar-se a eles. Para outras, a solidariedade e a responsabilidade serão um duro aprendizado, traumatizadas que ainda estão pelo medo e pelo terror em que sempre viveram.
Neste final de ano, no morro tem muitas crianças pequenas em situação parecida à de Jesus ao nascer: sem lugar, sem proteção, perseguido, pobre. Que o Estado e a comunidade possam ajudar a que essas crianças e suas mães, também crianças, consigam re-situar-se na sociedade e acreditar no seu valor como pessoas

quinta-feira, 6 de novembro de 2014

É... SEM DEUS NÃO DÁ!

Jesus nasceu num período violento em Israel. Herodes, louco pelo poder, matou sua esposa Mariamne, seus dois filhos, a sogra e muitos desafetos. Ao morrer, afirma-se que mandou reunir num estádio a nata da cidade, com ordens de que fosse morta. Assim, o reino choraria, senão por ele, por causa dele. Não é difícil imaginar que ele tenha mandado matar crianças.
Nos tempos de Jesus, os romanos não hesitavam em arrasar cidades inteiras que se rebelassem. Um dos argumentos para matar Jesus foi exatamente este: “Se suas ideias vencerem, virão os romanos e ocuparão nossa terra e nosso povo”.
Os cristãos foram vítimas de violências inauditas, mas, quando chegaram ao poder, nem sempre a coibiram. Judeus, cristãos e muçulmanos precisamos todos pedir desculpas pelos irmãos que nos precederam. Mataram em nome da fé! E precisamos pedí-las agora, pelos irmãos que, usando o nome de católicos, evangélicos, pentecostais, judeus ou muçulmanos, ainda matam ou odeiam em nome da fé.
As Igrejas  esforçam-se para este magno problema: educar para o diálogo e para a paz. Deu certo? Talvez sim, talvez não, mas seriam culpados se não pusessem o dedo nessa que é uma das piores chagas do mundo: a violência urbana e rural. Os que recorrem à violência para atingir seus objetivos não são confiáveis. Depois de atingi-los, farão violência para mantê-los. Quem mata para ter mais, em geral, mata para não perder o que conseguiu.
Amansemos a fera humana! Sem fé serena, sem diálogo, sem família, sem vizinhança e sem escola, não deu e não dá! Sem Deus não dá!

quarta-feira, 5 de novembro de 2014

O MOMENTO CERTO.


Ela se chamava Gabriela e preparava-se para a festa dos quinze anos. Feições simples, simpática, fazia tudo com intensidade. Líder na escola, invariavelmente, recebia as melhores notas, sobrava tempo para integrar a equipe de liturgia da comunidade e, semanalmente, dedicava uma tarde para animar o grupo do lar dos idosos. Na tarde de sábado ensaiava a encenação natalina. A ela cabia desempenhar o papel de Maria, a Maria do Sim, mãe de Jesus. Ao retornar para casa, um motorista embriagado causou-lhe a morte. Em seu túmulo foi escrita uma frase, que resume sua vida: Ela fez tudo o que podia, quando podia.
No portal do tempo, o ano de 2014, cansado, afunda no oceano do passado, enquanto desponta cheio de cores e promessas o Novo Ano. É um momento propício para uma meditação sobre o papel do tempo. Já o genial Agostinho de Hipona, no século IV, ficava perplexo diante do tempo, algo que todos sabem o que é, mas que ninguém consegue definir. Os romanos tinham uma divindade protetora do tempo, chamada Occasio, isto é, a Ocasião Oportuna, o momento certo. No futebol, numa orquestra, numa solenidade, existe sempre o momento certo. Não antes, nem depois. Há um tempo certo para a fruta madura. Antes é verde, depois apodrece.
Os gregos também se debruçaram sobre o tempo e acharam melhor dar-lhe duas dimensões. Cronos é o tempo comum. É o tempo do calendário, da cronologia. Já o Kairós é o tempo de Deus. É a passagem de Deus pela nossa vida e que suscita tempos especiais, mágicos, densos de vida. São esses momentos que fazem a diferença na cronologia de nossa vida.
Na impossibilidade de engessar o tempo, para melhor situá-lo, nós o cortamos em fatias: minutos, horas, dias, meses, anos e séculos. Também tentamos percebê-lo através de três dimensões: passado, presente e futuro. Ou ainda: ontem, hoje e amanhã. Mesmo assim, não sabemos comportar-nos diante desses três estágios. Preocupamo-nos com o ontem e amanhã e descuidamos o hoje. O passado é definitivo e imutável, o futuro é desconhecido. Na realidade, sobra apenas o momento presente. Isso sugere que o tempo é um presente de Deus.
O já citado Agostinho deu-se conta que ele jogava para o futuro suas decisões, que implicavam mudança de vida: “Amanhã, sempre amanhã, por que não hoje?” O raciocínio está correto. Deus oferece sempre, e a todos, o perdão, mas não garante a ninguém o dia de amanhã. O tempo de Deus – kairós – é hoje. O passado deve ser entregue à misericórdia, o futuro à providência. Peregrinos, terminais, sem previsão de chegada, temos em mãos a preciosa moeda do presente. É com ela que podemos construir a eternidade. O tempo pode ser definido com espaço do amor do Pai.

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

SE A HUMANIDADE NÃO SE ACERTAR...,

As nações poderosas do mundo insistem em enfrentar o problema do aquecimento global com medidas estruturadas ao redor da economia. E aqui reside o grande equívoco, pois o sistema econômico que gerou a crise não pode ser o mesmo que nos vai tirar da crise. Usando uma expressão já usada pelo autor: tentando limar os dentes do lobo, crê-se tirar-lhe a ferocidade, na ilusão de que esta reside nos dentes e não na natureza do próprio lobo. A lógica da economia dominante que visa o crescimento e o aumento do PIB implica na dominação da natureza, na desconsideração da equidade social e da falta de solidariedade para com as futuras gerações. E querem-nos fazer crer que esta dinâmica nos vai tirar das muitas crises, sobretudo a do aquecimento global.
Mas cumpre enfatizar: chegamos a um ponto em que se exige um completo repensamento e reorientação de nosso modo de estar no mundo. Não basta apenas uma mudança de vontade, mas sobretudo se exige a transformação da imaginação. A imaginação é a capacidade de projetar outros modos de ser, de agir, de produzir, de consumir, de nos relacionarmos uns com os outros e com a Terra. A Carta da Terra foi ao coração do problema e de sua possível solução ao afirmar: “Como nunca antes na história, o destino comum nos conclama a buscar um novo começo. Isto requer uma mudança nas mentes e nos corações. Requer um novo sentido de interdependência global e de responsabilidade universal. Devemos desenvolver e aplicar com imaginação a visão de um modo de vida sustentável aos níveis local, nacional, regional. Predomina a convicção de que a crise da Terra é conjuntural e não estrutural e pode ser enfrentada com o arsenal de meios que o sistema dispõe, com acordos entre chefes de Estado e empresários, quando toda a comunidade mundial deveria ser envolvida. A referência de base não é a Terra como um todo, mas os estados-nações, cada qual com seus interesses particulares, regidos pela lógica do individualismo e não pela da cooperação. Não se firmou ainda na consciência coletiva o fato de que o Planeta é pequeno, possui recursos limitados, se encontra superpovoado, contaminado, empobrecido e doente. Não se fala em dívida ecológica. Não se toma a sério a crise ecológica generalizada que é mais que o aquecimento global. Não são suficientes a adaptação e a mitigação sem conferir centralidade à grave injustiça social mundial, aos massivos fluxos migratórios que alcançaram já a cifra de 60 milhões de pessoas, a destruição de economias frágeis com o crescimento de pobres e famintos, a violação do direito à seguridade alimentar e à saúde. Falta articular a justiça social com a justiça ecológica. O que se impõe, na verdade, é um novo olhar sobre a Terra. Ela não pode continuar a ser um baú sem fundo de recursos a serem explorados para benefício exclusivamente humano, sem considerar os outros seres vivos que também precisam da biosfera. A Terra é Mãe e Gaia. A crise não reside na geofísica da Terra, mas na nossa relação de agressão para com ela. Nós nos tornamos numa força geofísica altamente destrutiva, inaugurando, como já se fala, o antropoceno, uma nova era geológica marcada pela intensiva intervenção descuidada e irresponsável do ser humano.
Se a humanidade não se acertar ao redor de alguns valores mínimos como a sustentabilidade, o cuidado, a responsabilidade coletiva, a cooperação e a compaixão, poderemos nos acercar de um abismo, aberto lá na frente.

domingo, 2 de novembro de 2014

A GRANDEZA DE CONVIVER COM O DIFERENTE.

Ao refletir sobre o tempo no coração da vida, lembrei-me de uma antiga frase que sempre me deixou inquieto: “Tempo é questão de preferência!” Acho que pode ser um assunto a ser tratado com carinho. Em primeiro lugar necessitamos situar em que nível deva ser entendida a tal de “preferência”. Há preferências que brotam de um nível natural e quase instintivo. Nesse nível a ocupação do tempo pode ser equivocada e perigosa. Em manhã fria de inverno, ao natural, prefiro levantar-me cedo para dedicar o tempo ao trabalho ou prefiro continuar dormindo? Ao natural, prefiro programar um dia organizado e dinâmico ou disperso e descomprometido? As preferências naturais nem sempre são as melhores para uma boa formação no que se refere à ocupação do tempo.
Organizar a administração do tempo ao impulso das preferências mais agradáveis e fáceis parece ser uma tendência forte de nossa época. Nesse caminho corre-se o risco de ir renunciando a capacidade de ser sujeito da história e ir se tornando objeto de manipulação alienada. Neste nível, o tempo precisa superar a questão de preferência para ser vivido numa perspectiva de escolha responsável e construtiva.
Também em nível psicológico precisamos cuidar das preferências na ocupação do tempo. Se eu escolho ocupar-me acentuadamente com as pessoas de minha simpatia e que fecham com meu modo de pensar e sentir, não tarda a acomodação e a mesquinhez. A grandeza de uma vida se faz pela capacidade de superar as preferências naturais para aprender a conviver com o diferente, com quem precisa de mim e desafia minha maturidade afetiva, emocional e sentimental.
Já podemos nos dar conta que a expressão “tempo é questão de preferência”, pode ser uma tendência, mas não uma verdade que liberta. Se programarmos a vida ocupando-nos só com o que preferimos, corremos o risco de deixar de lado o que é mais importante. Vidas humanas precisam ir à luta para aprender a preferir também o que ao natural não parece preferível.
O cultivo de uma espiritualidade cristã é que vai ajustando nossas preferências que merecem ocupar nosso tempo. A espiritualidade vai nos mostrando critérios e nos dando motivações para fazer escolhas certas, tornando-as preferências certas para uma vida rica de sentido. A espiritualidade cristã nada despreza do que é humano. O trabalho, o estudo, o lazer, os cuidados naturais da vida, vão se integrando no todo de uma existência normal e vão se ajustando dentro de uma luz maior que faz ver e viver a verdade total do ser humano.
Podemos manter como verdadeira a frase “tempo é questão de preferência”, desde que sejam realmente escolhas nobres e dignificantes, na medida de nossa dignidade de filhos de Deus e irmãos uns dos outros.